Regra que muda no meio do
jogo não agrada a ninguém. Tão logo anunciado pelo
procurador-geral, Elival da Silva Ramos, o reajuste zero para a
carreira, no início do mês de maio, a indignação tomou conta do
ânimo dos procuradores do Estado. Afinal, em 2002, o mesmo PGE
acordara sistemática com o governador, segundo a qual a verba
honorária dos procuradores seria arbitrada em valor fixo, a ser
reajustado sempre no mês de abril, pela média da arrecadação
real do ano anterior.
Apesp e SindiproesP
imediatamente promoveram uma reunião geral que, no dia 6 de maio,
contou com a participação de dezenas de procuradores. Nesse
primeiro movimento contra o reajuste zero, ficou definida a
convocação de uma assembléia geral para 4 de junho. Um espaço
para que os procuradores pudessem manifestar o que pensavam do
reajuste zero.
O auditório da Caasp, no
centro de São Paulo, ficou pequeno. Na maior de todas as
assembléias gerais extraordinárias já realizadas pela Apesp tinha
gente da capital, dos bairros centrais, dos mais distantes, da
Grande São Paulo, do interior do Estado. Votaram 405 associados. De
forma unânime reiteraram não abrir mão de seu objetivo de
recuperar a paridade remuneratória com a Magistratura e o
Ministério Público e exigiram do governo do Estado a imediata
abertura de negociações. De fato, um dia antes da assembléia,
percebendo a mobilização da carreira e respondendo às intensas
tentativas de negociação da direção da Apesp, o
secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo,
Arnaldo Madeira, convocou os dirigentes da Associação para uma
reunião. Seu chefe de gabinete – Madeira estava em Brasília –
recebeu ofício encaminhado ao governador, com um histórico das
questões jurídica e política que permeiam o repasse da verba
honorária.
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A
participação expressiva e a vontade de encontrar uma saída
negociada marcaram as assembléias
realizadas nos dias 4 e 25 de
junho. Mas a paciência dos procuradores está se esgotando |
Foi essa sinalização, de
que as negociações estavam abertas, que acalmou os ânimos dos
procuradores reunidos na assembléia. Muitos manifestaram
abertamente sua disposição de deflagrar imediatamente a greve, mas
a maioria optou por buscar uma saída negociada.
Outras deliberações da
assembléia exigem o imediato rompimento administrativo do convênio
com o Ipesp – pelo qual os procuradores sofrem um duplo desconto
de 6%, totalizando 12% sobre a verba honorária –, e a alteração
da Resolução PGE nº 139/2002 – de modo que as cotas da verba
honorária passem a ser distribuídas de forma mais eqüitativa
entre os cargos efetivos e em comissão.
Conselho
– A assembléia do dia 4 também deliberou pelo comparecimento
coletivo da carreira à sessão do Conselho da PGE de 17 de junho,
com o objetivo de manifestar seu repúdio ao reajuste zero. Mas, o
procurador-geral, no dia previsto para a visita dos procuradores,
não compareceu à sessão do Conselho, enviando o
subprocurador-geral da área do Contencioso para anunciar que aquela
sessão estava cancelada. Os mais de cem procuradores presentes
ficaram estarrecidos. A alegação era de que o PGE tivera de viajar
à Brasília, de última hora. E que, de última hora também, o
adjunto fora convocado para uma reunião com o governador. Vale
lembrar que o regimento interno do Conselho prevê que, na ausência
do PGE e do seu adjunto, a sessão pode ser realizada normalmente,
sob a presidência do Corregedor Geral. Isso já aconteceu outras
vezes.
Mas, se o cancelamento
unilateral da sessão do Conselho tinha por objetivo esvaziar o ato
de protesto, surtiu efeito totalmente contrário. Numa sessão
informal, proposta pela Apesp, os cinco conselheiros eleitos e os
demais procuradores manifestaram seu repúdio à atitude do PGE e
protestaram, prometendo intensificar ainda mais a luta.
Mais pressão
– Nova assembléia no auditório da Caasp, 25 de junho, e outra
vez participação expressiva dos procuradores. Os 362 associados
presentes decidiram unanimemente pelo prosseguimento das
negociações com o governo do Estado, em busca de uma solução
negociada. Mas sem deixar de lado novos mecanismos de pressão. |
Procuradores são unânimes: querem recuperar paridade remuneratória
com o MP e a Magistratura
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O presidente da Apesp, José
Damião de Lima Trindade, descreveu à assembléia a segunda
reunião de negociação, dessa vez diretamente com o chefe da Casa
Civil do governo, Arnaldo Madeira. Damião deixou claro ao
secretário que os procuradores não aceitam o reajuste zero, mas
que ainda buscam uma saída negociada. Madeira afirmou que a
carreira é uma das melhor remuneradas e apresentou as dificuldades
diante de outras, do estado, que também querem salários mais
altos. Nessa reunião, o procurador-geral manteve sua postura
contrária a qualquer tipo de repasse à carreira, afirmando agora
que a prioridade seria a nomeação dos novos e melhorar a
remuneração dos funcionários da Procuradoria.
Também por deliberação da
assembléia de 25 de junho, cerca de 40 procuradores percorreram os
gabinetes da Assembléia Legislativa do Estado, no último dia 6,
denunciando a situação da carreira. Um documento entregue aos
parlamentares lembrava o importante papel social exercido pela PGE e
detalhava o quadro atual. "A remuneração bruta inicial dos
procuradores paulistas ocupa o vergonhoso 22º lugar dentre as
unidades da federação – à frente, apenas, dos estados do
Tocantins, Pará e Minas Gerais – situação estarrecedora,
considerando-se que São Paulo, sozinho, é responsável por mais de
um terço do PIB nacional, tem a segunda maior arrecadação
tributária do país (atrás apenas da União) e, na iniciativa
privada, paga os mais altos salários do Brasil", diz um trecho
do documento (leia, na íntegra, à página 8). Diante do
anunciado reajuste salarial para o funcionalismo estadual, os
procuradores compõem o 1% não contemplado.
Frente à postura do
procurador-geral durante as negociações com o governo do Estado,
colocando-se contrário aos interesses da carreira, a assembléia de
25 de junho aprovou uma moção para que Elival da Silva Ramos deixe
a chefia da PGE. Isso também foi informado aos deputados da Alesp,
como forma de demonstrar o grau de indignação que toma conta dos
procuradores.
O dia 11 de agosto foi
eleito como data de protesto, em defesa da dignidade da advocacia
pública. Se até essa data a questão remuneratória dos
procuradores não tiver, ainda, uma solução, atos de protesto
serão realizados por todo o Estado.
Resíduos –
Mas não é só o fato de a regra ter mudado no meio do jogo que
revolta a carreira. Os procuradores têm uma política
remuneratória própria, que deixou de ser cumprida. O Fundo da
Verba Honorária dos Procuradores do Estado acumulou, nos últimos
dois anos, mais de 80 milhões de reais. Esse dinheiro é
"carimbado", não pode ser direcionado a qualquer outro
objetivo, sob pena de se incorrer em desvio de finalidade. A Apesp
vem, por determinação de suas assembléias, demonstrando nas
negociações com o Governo do Estado, a necessidade de esses
resíduos serem utilizados para a concessão de reajuste à verba
honorária.
O aviltamento da carreira
pode custar um alto preço ao Estado. Dezenas de procuradores já
migraram para outras carreiras jurídicas, dignamente reconhecidas
em sua importância. Dos 155 candidatos aprovados no último
concurso – e após espera de mais de ano e meio – 35 desistiram
da carreira de procurador (leia matéria à página 6).
A quem interessa isso? A
Procuradoria existe para defender os interesses do Estado e do
cidadão carente. Só aqueles que se colocarem contra um ou outro
podem ganhar com o esvaziamento ou enfraquecimento dessa
instituição. Mas os procuradores são antes de tudo fortes, não
escolheram essa carreira por acaso. Traziam já, dentro de si, a
disposição para a luta. Não pretendem arrefecer. As negociações
com o Governo do Estado continuam (até o fechamento desta
edição) e esse relato sobre o ânimo para o trabalho e o apego
à Justiça é mais uma página que se soma à história da PGE.
A
indignação em palavras
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Microfone aberto, os
procuradores deixaram claro nas assembléias que abraçam
a carreira com fervor e lutarão pela sua dignidade o
tempo que for preciso.
"Temos que marcar uma data para a greve, mesmo que
por 24 horas, para forçar o governo a tomar uma atitude.
A assembléia não pode se esvaziar, enquanto o governo
fecha portas."
"Nunca fiz greve enquanto trabalhava, acho que
devemos fazer operação tartaruga, greve branca. O que
não podemos é sair daqui amedrontados, sem tomar
atitude."
"O
PGE não tem autoridade moral para nos representar. Sugiro
que votemos uma moção para que deixe o cargo."
"O
governo teme greve em setores importantes do Estado. A
assembléia passada decidiu indicar greve e bastou para que
olhasse para nossa causa. Mas de lá para cá as coisas não
andaram, infelizmente. A greve é um instrumento forte, mas
que traz conseqüências e nós sabemos quais são."
"É inadmissível que o PGE se coloque contra esse
pleito. Temos que manifestar nosso repúdio a esse
comportamento."
"Acho
que pagar o resíduo está completamente descartado pelo PGE.
Já deveria repassar em forma de reajuste. Sem contar que a
cúpula da instituição já está ganhando mais que a
paridade."
"No fundão do Estado o sentimento é de indignação.
Sei que o embate pode dificultar a negociação, por isso
acho que devemos esgotar todas as possibilidades de
negociação. Mas se formos à greve, também serei
favorável."
"Esperávamos
não precisar exercer mais nosso radicalismo. Mas esse
governo é filhote de um governo ruinoso. O PGE não está
cumprindo o que prometeu para a carreira. E a carreira está
se desmontando. "
"O
sistema adotado por ele (o PGE) não existe mais. Compete a
nós lutar pelo nosso reajuste. A presença dos colegas na
reunião do Conselho incomoda o PGE e, portanto, nos
acalenta. Sentimo-nos mais seguros ao dizer o que pensamos.
E penso que um dia de paralisação é importante."
"PGE
é muito preparado para fazer o que o governo lhe submete.
Não vai ser colocado de lado nas negociações. Temos que
mostrar inconformismo, mostrar pressão, para buscar saída
negociada."
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