A luta dos procuradores do Estado pela dignidade
remuneratória conta com um importante aliado: o presidente da
seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB
SP). Luiz Flávio Borges D’Urso tem 44 anos e é advogado
criminalista há 20. Em novembro passado foi eleito para a
presidência da entidade (2004 a 2006), com 24,88% dos votos.
Antes, havia sido diretor cultural da OAB SP por duas
gestões. Foi, também, criador e coordenador da Secretaria do
Jovem Advogado, do Conselho do Jovem Advogado e do Núcleo de
Desenvolvimento Acadêmico, e membro da Comissão de Direitos
e Prerrogativas.
D’Urso tem mestrado
e doutorado em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP
e especialização na área criminal pela Faculdade de Direito
Castilla-La Mancha, Espanha. Em 1997 e 1998 atuou na Comissão
Especial de Reforma da Lei de Execução Penal, designado pelo
ministro da Justiça e, no ano seguinte, foi indicado pelo
Conselho Federal da OAB para compor a Comissão de Reforma da
Lei de Execução Penal. Autor de vários livros, lecionou
Direito Penal e Processual Penal em diversas faculdades, entre
elas, Faculdades de Direito da FMU e da Universidade São
Francisco.
Nessa entrevista para O
Procurador, D’Urso defende o papel da advocacia pública
autônoma para garantir um estado democrático de direito.
O Procurador
- Desde o início da reforma do
Judiciário, no debate sobre inserção constitucional da
autonomia à advocacia pública, questiona-se: os procuradores
do Estado e das demais esferas institucionais devem agir como
advogados do patrimônio e do interesse públicos ou devem
defender o interesse dos governantes?
Luiz Flávio Borges D’Urso
- No decorrer da história do Brasil, desde os tempos
coloniais, a sociedade convive com sucessivos escândalos, de
toda sorte, envolvendo malversação de recursos públicos por
parte de pessoas que deveriam – em tese – defender o
patrimônio que pertence a todos os brasileiros. Esses desvios
de caráter e postura aética ocasionam sérios danos à
cidadania, resultando em falta de escolas, hospitais,
moradias, estradas, saneamento e infra-estrutura básica, que
garantam o bem-estar coletivo. Portanto, cabe à advocacia
pública zelar pelo patrimônio e interesse coletivos, para
que os já escassos recursos sejam realmente empregados em
benefício do povo.
O Procurador
- A maioria dos governadores
tem se posicionado contra a inserção constitucional de
autonomia à advocacia pública, alegando que, se essa
autonomia surgir, eles, governadores, ficariam "sem
defesa". O senhor acredita nisso?
D’Urso
- Não acredito, pois a advocacia pública trabalha
exclusivamente para aprimorar a administração pública em
todos os níveis, para proteger os interesses coletivos e a
autonomia será um instrumento importante para o desempenho da
função institucional da advocacia pública. A atuação
imparcial na orientação jurídica especializada, para que
normas, regulamentos e atos administrativos sejam editados
dentro da legalidade que se espera do Estado, assim como para
questionar administrativamente todos os atos governamentais
para que haja transparência do governo. Precisamos refletir
sobre os mecanismos disponíveis para o controle da
administração pública para aprimorá-los ainda mais, pois
– como tem demonstrado nossa história remota e recente –
esses mecanismos não conseguiram impedir desmandos de muitos
entes públicos.
O Procurador
- Um argumento muito comum
contra a inserção constitucional de autonomia à advocacia
pública é que "já basta o Ministério Público, que se
tornou independente e causa muito aborrecimento". O
senhor avalia que a advocacia pública autônoma também
causaria aborrecimento e para quem?
D’Urso
- Os advogados públicos têm as mesmas prerrogativas de toda
a classe dos advogados e de servidor público, com a
diferença que o advogado público exerce o controle da
legalidade dentro do Estado Democrático, devendo ter uma
atuação livre e independente, para fazer prevalecer o
interesse público. Uma atuação autônoma, como tem sido
proposto para o trabalho da advocacia pública, incomodaria
órgãos e agentes do Poder Executivo que agissem fora dos
limites estabelecidos pela Constituição Federal.
O Procurador
- Uma advocacia pública
autônoma poderia ser poderoso instrumento para assegurar o
cumprimento da ordem constitucional de pagamento dos
precatórios judiciais. Isso, de algum modo, interferiria na
boa administração do Estado?
D’Urso
- Seria muito bem-vindo esse instrumento munido de poder para
assegurar o cumprimento da ordem constitucional no que
concerne ao pagamento dos precatórios. Sistematicamente, o
governo do Estado – assim como as outras esferas da
administração pública – tem ignorado as ordens judiciais
para quitar precatórios, estabelecendo um confronto entre
poderes, desacreditando o Judiciário e comprometendo a
estabilidade legal. Levantamentos da Comissão de Precatórios
da OAB SP indicam que o Estado de São Paulo deve um montante
de R$ 15 bilhões e a prefeitura de São Paulo, cerca de R$
4,5 bilhões. A Comissão vem fazendo o levantamento dos
débitos junto aos demais municípios do Estado e certamente
chegaremos a um número impactante. A OAB SP também tem
atuado junto aos Tribunais de Contas do Estado e Município,
para que as administrações públicas não tenham suas contas
aprovadas, enquanto não sanarem seus débitos. Desde 1998, o
pagamento dos precatórios está parado, constituindo um
verdadeiro "calote oficial". Há mais de 450 mil
credores pessoas físicas e mais de 25 mil já faleceram antes
de receber seus créditos. Esse quadro compromete o estado
democrático de direito e uma advocacia pública autônoma
pode ajudar a reverter essa grave situação.
O Procurador
- Qual a sua opinião a
respeito da criação da Defensoria Pública no Estado de São
Paulo? O senhor vê alguma contradição entre a criação
desta e a manutenção do convênio de assistência
judiciária com a OAB?
D’Urso
- No Estado de São Paulo, a instalação da Defensoria
Pública vem sendo protelada pelo governo do estado, sob
alegação de falta de recursos, embora seja um direito
constitucional ao hipossuficiente. A OAB SP entende que, mesmo
com a instalação da Defensoria, a manutenção do convênio
de assistência judiciária com a Procuradoria Geral do Estado
continuará, porque os concursos não conseguirão dar conta
da demanda, uma vez que temos quase 50 mil advogados
conveniados. De outro lado, a implantação de uma Defensoria
Pública forte ampliará o mercado de trabalho do advogado,
que poderá ingressar na carreira pública. O fortalecimento
das carreiras públicas, com o necessário preenchimento de
cargos vagos, providos por concurso público, vem de encontro
à visão da OAB SP no tocante à ampliação do mercado de
trabalho para os advogados, ao fortalecimento da Advocacia
Pública e do Estado Democrático de Direito.