ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO

 


 

Editorial _________________________________________________________________


Evocação de março

Março, 8 – Dia-símbolo da luta mundial das mulheres pela igualdade de gêneros, tão importante quanto as lutas por igualdade social e racial, contra toda opressão, exploração, intolerância. A emancipação plena das mulheres interessa a todos os homens de inteligência e sensibilidade.

Março, 31 – Uma lembrança já em cor sépia: o golpe militar de 1964, que rasgou a Constituição e lançou-nos em 21 anos de horror, tortura e mais tortura, cassações, assassinatos de presos políticos, censura. Milhares de brasileiros em exílio forçado, destruição de vidas e famílias. Até o início da década de 1980, ditaduras homicidas vergaram a América Latina, apenas três países escaparam – Venezuela, Colômbia e Costa Rica. Com o florescimento dos movimentos de redemocratização, a apuração dos crimes dos ditadores progrediu, exceto no Brasil – aqui, sequer os arquivos federais foram abertos. Assassinos e torturadores oficiais daquela época – funcionários públicos fardados e sem farda – concluem atualmente suas carreiras, sob impunidade cínica. Mais de 40 anos após o golpe militar, há ainda perto de 500 famílias brasileiras que sequer sabem o paradeiro dos cadáveres de entes amados.

Março, 2003 – Lula, braços dados com as elites mais retrógradas do país, remetia ao Congresso o projeto de contra-reforma da Previdência Social dos servidores. Um inacreditável petardo socialmente regressivo, tentativa de profunda degola de direitos. A grandiosa mobilização nacional dos servidores – a Apesp integrou a vanguarda – conseguiu amenizar aquele receituário de danações. Extirpamos muito do tumor, sob ranger de dentes de seus mentores. Para os procuradores, uma vitória inesquecível naquela epopéia: em agosto de 2003, na undécima hora das votações do projeto na Câmara dos Deputados, e contra uma frente de aço – Palácio do Planalto/governadores/grande mídia – nossa luta coletiva conseguiu inserir os procuradores no mesmo subteto remuneratório da Magistratura.

Março, 2006 – Novo golpe institucional sendo engatilhado. Desta vez, sem precisar de tanques nas ruas: a PEC 157/03-A. Sob o pretexto de "compactar" a Constituição federal, pretende atribuir "poder constituinte revisor" aos senadores e deputados federais a serem eleitos em 2006. Alguém se ilude sobre o que tencionam desventrar da Constituição? Atentem para o "detalhe": em 1988, o poder constituinte originário estabeleceu que, para se alterar até o mais anódino advérbio da Carta Magna, são necessários 3/5 dos votos da Câmara, mais 3/5 dos votos do Senado. Pela intentona em andamento, o quorum para estraçalhar a Constituição inteira seria rebaixado, bastaria a aprovação da maioria dos membros de cada casa do Congresso – nisso consiste o golpe sem tanques nas ruas. O quorum de 3/5 atrapalha a direitona – tanto a antiga, plutocrata, quanto essa nova, arrivista e convertida ao neoliberalismo. Por isso, querem rebaixá-lo, sem terem a legitimidade do constituinte originário. Reitero o que escrevi: esta combalida, residual classe "média" e os trabalhadores em geral, público e privados, poderão perder muito. Menos direitos, mais lucros, é esse o plano. Se for perpetrado, ganhará velocidade nosso curso de desmoronamento social em direção à barbárie.

Essa PEC do atraso social poderá entrar em debate no plenário da Câmara já em abril. Lutar novamente, aguerridamente, mobilizar o Brasil para travá-la, eis o horizonte. Porque, se aprovada na Câmara, passará com a velocidade de um raio nesse Senado dominado pelos governadores e pelo grande poder econômico.

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Este é meu último editorial. Após ter a honra de ser instrumento de minha carreira durante quatro febris anos, este soldado retorna a seu destacamento de infantaria. Uso, de propósito, a linguagem das batalhas, pois os inimigos de nosso povo não nos deixam alternativa, senão a interminável imersão em combate. Obrigado, amigos, amigas! Na luta, sempre!

José Damião de Lima Trindade
Presidente da Apesp

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