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A turma do fundão
Nas
regionais de Presidente Prudente, Araçatuba e Marília os
procuradores
fazem "clínica geral" para atender às mais
diversas demandas
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Não
importa o assunto, no fundão do Estado os procuradores sabem de
tudo um pouco.Atuam na Assistência Judiciária, no Contencioso
Judicial, Fiscal, Imobiliário, o que chamam de clínica geral. E
não podia ser diferente. Além de enfrentar a falta de pessoal,
quando alguém está doente, em férias ou em licença-prêmio, a
banca sobra para os colegas e a situação se agrava.
"Em que condições você vai fazer a peça,
só Deus sabe", preocupa-se a procuradora Cláudia Alvez da
Silva, de Araçatuba. Com onze anos de Procuradoria, ela dividia no
início de fevereiro, com o colega Tamer Vidotto de Souza, três
bancas – em razão de férias de colegas – e faziam em média
120 atendimentos diários.
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Nilton,
Chelli, Tamer, Doclácio, Edson e Cláudia (no
detalhe), em sala da sede de Araçatuba, reformada às próprias
custas. Sem fôlego "nem para escrever bilhetinhos",
que dirá teses ou livros |
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A sensação geral é de que, em condições mais
dignas, as peças poderiam ser melhor elaboradas e o serviço, mais
bem planejado. Após buscar os processos nas distantes cidades, o
procurador permanece com ele de uma semana a dez dias. Essa grande
perda de tempo teria solução, segundo Thiago Pucci Bego, 29 anos,
o segundo mais jovem procurador do estado: "Propus fazermos
convênio com os Correios, assim não precisaríamos mais viajar
para buscar os autos". Thiago atua no Contencioso da regional
de Marília. Uma vez por semana, viaja para cidades como Tupã,
Paraguaçu Paulista, Bastos e Quatá, em média 200 km por semana.
"Os dias são quentes, não podemos nem usar terno e gravata
porque temos que carregar pilhas de processo de um lado para o
outro. Viajo com meu próprio carro, sem regime de quilometragem e
isso pesa. Quando entrei na Procuradoria, há cinco anos e meio, o
litro da gasolina custava 80 centavos. Hoje, 2,10 reais",
descreve.
Thiago, de Marília, há cinco anos, gasolina a R$ 0,80,
hoje a R$ 2,10; e Marcos, de Prudente: 2 mil km por
semana. Desgastes no carro e bolso
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O
procurador Marcos de Azevedo, de Presidente
Prudente, sabe bem essa conta. Afinal, para cobrir cinco comarcas
percorre uma média de 2 mil quilômetros por semana em carro
próprio. "As estradas são ruins, às vezes prefiro pernoitar
na cidade e a vida pessoal também é prejudicada". Marcos foi
vereador da cidade e é representante da Apesp na regional.
"Essa gestão esforçou-se para dar maior atenção ao pessoal
do interior, descentralizando ações", destaca, observando que
estar longe da capital – 560 km – significa ainda distância de
cursos e de atividades culturais. O procurador-chefe da regional,
Théo Mário Nardim, faz coro. "É lá que são realizados os
grandes eventos da Procuradoria." |
Terras devolutas – A regional de Presidente
Prudente tem suas peculiaridades. O Pontal do Paranapanema concentra
mais de 350 mil hectares de terras devolutas. São milhares de
ações discriminatórias por intermédio das quais o Estado tenta
recuperar terras públicas da posse indevida de particulares.
"São ações demoradas, nem sei se daqui a dez anos essa
situação estará resolvida", avalia o procurador Sérgio
Nogueira Barhum, há 21 anos na regional, que acumula também uma
chefia administrativa e, ainda, atua na área tributária. Ele
explica que as terras nessas condições têm títulos com muitos
vícios, daí a morosidade. Uma legislação mais recente permite a
regularização de terras de até 500 hectares. "Mas isso
abrange somente cerca de 20% dos 350 mil hectares em
discussão", pondera.
Para Barhum, enquanto essa situação não for
definida, não haverá retomada da economia da região. Seu colega
José Roberto Fernandes Castilho concorda que esses problemas
fundiários são um entrave ao desenvolvimento da região.
"Temos também três reservas florestais. Uma delas, a Grande
Reserva do Pontal, criada por decreto de 1943 e que só existe no
papel, está ocupada por fazendas que não podem produzir por
estarem nessa área."
Otimismo – Marília exemplifica ao pé da
letra o ditado segundo o qual dinheiro atrai dinheiro. Se nas demais
cidades a presença dos presídios é vista como agravante dos
problemas sócio-econômicos do "fundão", a opinião dos
procuradores dessa regional é diferente. "Cada penitenciária
instalada gera cerca de cem empregos diretos", estima o
procurador-chefe da regional, Paulo Roberto Viviani Valença, para
quem, com isso, a economia da região foi incrementada. São catorze
unidades prisionais, com média de mil presos em cada uma.
"Tínhamos umas sete, depois do Carandiru esse número dobrou e
estão todas superlotadas", avisa o procurador José Correa
Carlos, coordenador do atendimento a presídios, "mas sem o
pró-labore", completa.
Correa avalia que seria necessário construir
três presídios por mês. "A polícia tem 30 mil mandados para
cumprir. Se cumprir, não tem onde pôr", revela. Correa é
auxiliado por outros dois procuradores e por mais dez advogados da
Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel (Funap): "Sem a
Funap, a execução criminal pára". Ele e os dois procuradores
atendem em média noventa pessoas, cada um, por dia na AJ.
Para Correa,
da AJ de Marília, depois do Carandiru, número de presídios
dobrou, e estão todos superlotados. Mohamed, AJ de
Prudente: país gasta mais com presídios do que com
educação e combate à miséria |
"O telefone toca de 30 em 30 segundos. Sem os estagiários não
sei o que aconteceria. Mas temos de fazer o melhor. É bom ver
alguém que precisa falando bem do nosso serviço."
A regional de Marília conta com uma viatura em
bom estado para realizar o trabalho da Procuradoria – uma S10
vinda diretamente do gabinete da PGE. Araçatuba tem uma viatura de
1993, sem motorista, e Prudente, duas, com mais de dez anos de uso.
"O motorista acumula o cargo de chefe de almoxarifado",
informa o procurador-chefe da regional de Presidente Prudente, Théo
Mário Nardim, referindo-se a um dos principais problemas da
regional, a falta de pessoal.
Marília tem, ainda, a única biblioteca que
conta, pasmem, com uma bibliotecária. O chefe Paulo Valença diz
ter uma ótima e qualificada equipe de estagiários e de
funcionários de retaguarda. "Todos que vêm aqui falam que
somos privilegiados. Conseguimos equalizar bem os problemas",
acredita Valença, que a exemplo dos outros, reclama mesmo da falta
de procuradores. "Ao longo dos vinte anos que estou aqui, a
estrutura de pessoal é a mesma e a quantidade de trabalho é
crescente. Em 1980, a execução fiscal tinha em torno de 3 mil
processos. Hoje são cerca de 10.500."
Equalizar também parece ser especialidade de
Prudente que, a despeito de todos os problemas, alcançou "a
primeira colocação do interior no projeto Golfinho, da PGE",
informa orgulhoso Théo Nardim.
Convênio – A parceria com a OAB para
atender a população carente desafoga um pouco a AJ. Em Marília,
dos cerca de 4,2 mil processos/mês, 1,2 mil são encaminhados ao
convênio com setecentos advogados. A AJ de Prudente conta com ajuda
de seiscentos advogados inscritos pela OAB para assistir os carentes
nas áreas cível, de família, infância e juventude e criminal.
"A Procuradoria coordena e controla a atuação de todos esses
advogados", informa o responsável pela AJ na regional, Fábio
Imbernon Nascimento.
O procurador Mohamed Ali Sufen Filho coordena a
assistência aos presos em Prudente. Ele conta com a colaboração
de quinze advogados da Funap que atuam em seis unidades prisionais
da região, onde estão encerrados cerca de 5 mil presos, dentre
eles, em Presidente Bernardes, o traficante Fernandinho Beira-Mar.
"A miséria é o item número 1 da violência. Mas no Brasil se
prefere gastar mais com presídio que com educação de
criança", critica Mohamed. Para ele, a região deve ter sido
eleita a mais miserável do Estado, por isso foi
"premiada" com tantos presídios. "Já ouvi dizer que
temos o maior número de presos por metro quadrado do mundo",
ressalta.
Incoerência – A AJ de Araçatuba conta com
8 mil processos de execução criminal e mais 7 mil de execuções
fiscais, segundo o procurador-chefe em exercício Doclácio Dias
Barbosa. Oito presídios, além de dois em construção, habitam a
região. É lá que os procuradores enfrentam o maior número de
dificuldades. Os funcionários de retaguarda são poucos e até os
estagiários são sobrecarregados. Segundo o procurador Nilton
Berenchtein Jr., que completa 26 anos de carreira em junho e cobre
os municípios mais distantes, as estradas são "buracos
ligados por algum trecho de asfalto".
"Não jogamos a toalha porque temos
responsabilidade", emenda Cláudia Ribeiro da Silva. Doclácio
reforça: "A Procuradoria é o maior escritório jurídico da
América Latina, mas, desaparelhada, não consegue combater o
exército de escritórios tributaristas contratados para defender os
interesses privados dos devedores do Estado".
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Sérgio
e Castilho, de Prudente, e a questão fundiária,
terras devolutas e reservas: ações demoradas impedem
produção e economia da região empobrece |
Os procuradores de Araçatuba se ressentem
também dos critérios de avaliação para promoção. "Aqui
não temos perspectivas de ser promovidos", diz Reinaldo
Aparecido Chelli, procurador há nove anos. Os concursos internos de
ascensão de nível levam em conta a realização de cursos – que
só acontecem na capital –, títulos de mestrado, doutorados,
produção de artigos, livros. "Nosso pique não permite
escrever nem bilhete de recados", brinca Chelli. Aliás, o bom
relacionamento da equipe parece ser um combustível a mais para
compensar a falta de infra-estrutura.
Para Doclácio, o fato de estar no fundão do
Estado não é maior o problema. "O problema é não haver
diferenciação em relação à nossa realidade, pois as decisões
são tomadas por quem nunca esteve aqui". O representante local
da Apesp e procurador há quinze anos, Edson Storti Sena, assinala
que o profissionalismo que move a carreira enfrenta um adversário
cruel: o desprestígio. "Nossa responsabilidade, nossa
dedicação, nada disso é prestigiado, reconhecido. Temos prazer de
lutar pelo interesse público, não somos advogados do governador,
somos procuradores do Estado. Os políticos passam, a Procuradoria
continua."
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