ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

   


 

Saiba como votou o Conselho da PGE

 

Contra                                                                            

Carlos Toledo                                                     

Cíntia Orefice                                                    

Jivago Petrucci                                                  

José Alexandre Campos                                        

Maria Inez Vanz                                                  

Maria Luisa Grieco

Rogério Pereira da Silva

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Voto do Conselheiro Carlos Toledo

Processo CPGE nº 4092/2006

Interessado: Conselho da Procuradoria Geral do Estado

Assunto: Adm. Superior. Legislação. Leis, Projetos de Lei, Resoluções, Portarias.

Complemento do assunto: Cópia da minuta de projeto de Lei Complementar a respectiva exposição de motivos, encaminhada ao Governador do Estado, objetivando alterar a Lei Orgânica da PGE 

 

 

 

VOTO-VISTA n.º  

 

 

Senhor Presidente, 

Senhoras e Senhores Conselheiros,

 

 

                            Com a devida vênia dos argumentos trazidos na exposição de motivos do Sr. Procurador Geral e do percuciente parecer da relatora e Subprocuradora Geral da Consultoria, ouso discordar integralmente da proposta de alteração de nossa Lei Complementar, já enviada ao Sr. Governador do Estado e, ao que se sabe, prestes a ser encaminhada à Assembléia Legislativa do Estado.

 

                            Essa discordância se coloca de forma um tanto desconfortável, por inócua, em razão do trâmite aqui adotado: primeiro leva-se o projeto ao Governador, depois se colhe a opinião do Conselho. É certo que a competência do colegiado é opinativa, mas no presente caso, ela acabou reduzida a menos que isso, pois opinar sobre um fato consumado chega a ser uma perda de tempo.

 

                            Sem embargo desse desconforto, lanço aqui algumas reflexões, para que possamos debater em nossa Instituição a proposta em pauta, que modificará de forma muito sensível nossas atribuições. Assim, quem sabe, possamos formar uma opinião que possa ser levada à Assembléia, em abono ou desabono do projeto, de molde a influir naquela Casa.

 

                            Em nosso ver, o projeto em questão é resultado de um silogismo que nos parece falho. Tal silogismo tem como premissa maior a sentença: “um agente público, atuando no interesse do ente público deve ser desonerado do custeio de advogado em ações relativas a essa atuação”; a premissa menor seria o “os Procuradores do Estado defendem o interesse do ente público”; a conclusão: “os Procuradores do Estado devem defender o agente público que for acionado em razão da atuação no interesse do ente público”.

 

                            Observa-se em tal silogismo uma imperfeição lógica e uma imperfeição conceitual.

 

                            A imperfeição lógica: o fato do agente público atuar em favor de presumida satisfação do interesse estatal e de também os Procuradores do Estado buscarem esse mesmo objetivo, no exercício de suas funções, não leva necessariamente à conclusão de que estes devam defender aquele.

 

                            A imperfeição conceitual: os Procuradores do Estado não são meros defensores do interesse do ente público – o que de resto, todos os agentes públicos devem ser. Os Procuradores do Estado representam judicialmente o ente público e este é reconhecidamente o cerne de sua atividade.

 

                            A nossa Constituição Federal define assim a atuação dos Procuradores do Estado:

 

“Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.”

 

                            A Constituição Estadual, obviamente, não discrepa dessa definição:

 

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, da Administração direta e autarquias e pela assessoria e consultoria jurídica do Poder Executivo, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.”

 

                            As normas constitucionais em comento estabelecem as diretrizes essenciais da instituição Procuradoria Geral do Estado e da atuação de seus integrantes, não podendo o legislador infraconstitucional se afastar desses lineamentos, ainda que movido por bem-intencionadas razões de cunho administrativo.

 

                            O fato de a Constituição Estadual delegar à lei a definição de tarefas outras, que não as mencionadas em seu artigo 99, não permite a atribuição indiscriminada de competências que fujam do cerne institucional da atividade dos Procuradores do Estado: representar judicialmente e prestar assessoria e consultoria jurídica ao Estado.

 

                            Observe-se que todas as competências enunciadas no artigo 99 da Constituição Estadual se dirigem a este objetivo, sendo que a única que parece fugir à regra seria a constante do inciso VIII (“prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei”). Mas observe-se que essa “assistência” tem se limitado à atividade de assessoria e consultoria e não de representação judicial dos entes municipais – que, saliente-se, também são entes públicos. Ademais, tal assistência se justifica em face do intuito de harmonizar a legislação municipal com a Constituição Estadual, sendo que a PGE participa do controle de constitucionalidade dessas normas (CE, art. 90, § 2º).

  

                            Não quadra, portanto, com as funções constitucionalmente definidas dos Procuradores do Estado a defesa pessoal de agentes públicos, defesa essa que descaracterizaria de forma flagrante o exercício da “Advocacia Pública” mencionada na Constituição Federal ou da “Advocacia do Estado” mencionada na Constituição Estadual.

 

                            Ninguém pode servir bem a dois senhores: aceitando o procuratório do agente público, estaria o Procurador do Estado atuando como advogado privado – ainda que remunerado pelo erário – em ações envolvendo o ente público, o que, a par das evidentes implicações éticas dessa confusão, resultaria numa eventual ineficiência na defesa de um dos clientes, visto que nem sempre as alegações que convém a um servem a outro.

 

                            Observe-se que mesmo em ações em que o agente público figura no pólo passivo, como autoridade coatora – como no caso do mandado de segurança e do habeas data ele apenas atua como substituto do ente público, fazendo-lhes as vezes, por uma razão de conveniência processual.

 

                            O ente público, nessas situações, é o verdadeiro réu da demanda, conforme posição pacificada no Superior Tribunal de Justiça. Exempli gratia:

 

 

 

 

 

                                      Ou ainda, no mesmo sentido:

 

 

                            Advocacia pública e advocacia privada são, pois, atividades muito distintas, o que se observa inclusive pelo regime de outorga da representação, que não é um mero detalhe procedimental, mas um elemento que qualifica e diferencia as funções. Nesse sentido, veja-se a lição de Rodolfo Camargo Mancuso:

 

“Na advocacia pública (Procuradoria da União, da Fazenda Nacional, dos Estados e dos Municípios e seus entes descentraliza­dos), a representação tem caráter oficial, institucional, decorrendo de atribuição le­gal a certo agente e a certo órgão para a intermediação técnica e a defesa dos inte­resses do órgão público, em geral perante os órgãos judiciais e, em especial, perante certos órgãos para-jurisdicionais, como ocorre com as Procuradorias Fazendeiras junto aos Tribunais de Contas. Em casos que tais o fundamento jurídico da repre­sentação técnico-processual não repousa numa relação de mandato (como na advocacia privada - CPC, art. 37), mas numa relação estatutária, institucional, em que o agente é investido de um ‘munus publico’ que o credencia a tal intermediação técnica, como deixa claro o art. 12, II do CPC, dizendo que o Município é representado em Juízo "por seu Prefeito ou Procurador". Como anotam Nery & Nery: ‘Os procuradores das pessoas jurídicas de direito público não necessitam de mandato especial para agir em juízo, pois pela nome­ação para o cargo estão ipso facto, inves­tidos do poder de representação.’”[1]

 

 

                            Dárcio Augusto Chaves Faria, em premiado trabalho sobre a ética profissional dos advogados públicos, ressaltando as diferenças decorrentes o regime de representação, observa:

 

“O Procurador Público, não obstante exercer a advocacia em favor da pessoa jurídica de direito público, não se encontra na posição de profissional liberal, i. e., não se apresenta como o advogado tradicional. A representação judicial do ente público importa numa prestação de serviço público e, como tal, deve estar inserida no quadro da organização deste, através da presença de um órgão ou instituição”

 

                            E prosseguindo neste raciocínio, o autor conclui pela unicidade e indivisibilidade da atuação das instituições de advocacia pública:

 

“Todos os Procuradores Públicos detêm o mesmo poder de representação e podem atuar substituindo-se reciprocamente, sem que esta se descaracterize (...)”.[2]

 

                            A natureza estatutária do regime de representação dos advogados públicos estabelece um ordenamento ético em parte diferenciado e mais exigente do que se aplica aos advogados privados, no que tange à aceitação, condução e recusa ou abandono da causa, além da submissão a um sistema próprio de responsabilidade, perante os órgãos correcionais internos a que estão submetidos.

 

                            Compare-se agora com as notas que costumam caracterizar a relação entre o advogado e seu cliente, na esfera privada, conforme magistério de José Renato Nalini:

 

“A relação de confiança do cliente e do advogado é personalíssima. Sem concordância do cliente, o advogado não pode substabelecer o mandato, ou seja, atribuir a um colega poderes iguais aos que recebeu do constituinte (...)

O advogado não é obrigado a aceitar a imposição de seu cliente quanto a trabalhar em conjunto com outros advogados. A prestação de serviços é individual e personalíssima. Representa dever ético do advogado recusar-se a atuar com outros colegas, quando isso não resulte de sua própria vontade.”[3]

 

                            E ainda Nalini, em outro trecho:

 

 “O operador jurídico ainda exerce uma artesania do direito. Prevalece o caráter essencialmente individual de qualquer das atuações no campo do direito, onde o profissional é escolhido mercê de atributos personalíssimos e não intercambiáveis. Essa realidade é muito mais próxima à advocacia do que às carreiras jurídicas públicas.” [4](grifos nossos)  

                           

                            Evidente que o eminente autor se refere, no caso, à advocacia privada, na qual existe um “caráter fiduciário na relação entre advogado/cliente”.[5]

                            Parece-nos que a transformação proposta pelo projeto em comento gerará um hibridismo que não beneficiará institucionalmente a advocacia pública, e que contrasta com o momento em que ela, no nosso Estado, acaba por se diferenciar das funções de defensoria pública, agora a cargo de outra instituição.

                            Vale perguntar: deixamos de prestar assistência jurídica aos necessitados para prestá-la aos agentes públicos? Isso contribui para nossa consolidação institucional como órgão de advocacia de Estado?

                            Parece-nos que não e isso ofende não somente os Textos Constitucionais Federal e Estadual, como também contraria a tendência evolutiva observada na PGE ao longo dos anos, no sentido de tornar sua atuação o mais impessoal possível, dada a sua natureza de órgão permanente do Estado, voltado à defesa da legalidade e do interesse público.

                            Os argumentos trazidos a este colegiado, no sentido da viabilidade jurídica e conveniência político-administrativa da medida não nos convenceram.

                            Argumenta-se que já há norma legal estadual estabelecendo semelhante competência aos Procuradores do Estado, para a defesa das autoridades fazendárias. Soma-se a isso a existência de lei atribuindo aos Advogados da União a competência para atuar em defesa das autoridades federais. A essa soma de precedentes, somente podemos retorquir com a sentença: dois erros não fazem um acerto.

                            No que tange à norma estadual, deve-se preferir o questionamento de sua constitucionalidade  a produzir uma outra semelhante, ainda que melhorada. Quanto à norma que deu aos Advogados da União a competência já mencionada, a própria exposição de motivos acostada nestes autos adverte que há Ação Direta de Inconstitucionalidade pendente no STF, não obstante se conheça a posição do relator, Ministro Gilmar Mendes – que, como se sabe, atuou como Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (1996 a 2000) e como Advogado Geral da União (2000 a 2002), sendo-lhe possível atribuir, sem a necessidade de exame de DNA, a paternidade do dispositivo vigente.

                            Outra linha de argumentação, em favor da proposta, enaltece os benefícios dela decorrentes. De nossa parte, não duvidamos da necessidade ou da utilidade do custeio da defesa do agente público quando, no exercício de sua função e orientado juridicamente pelo órgão administrativo competente, acaba por sofrer de forma imoderada o ônus de demandas decorrentes de sua atuação oficial. Tampouco discordamos da necessidade de condicionar tal benefício ao alinhamento do agente público às orientações jurídicas da PGE e que isso redundará também em benefício institucional, dando mais autoridade à atuação do órgão de Advocacia Pública do Estado.

                            O que questionamos, duvidamos e rechaçamos é que essa defesa seja feita pelos Procuradores do Estado, parcialmente destituídos de seu status constitucional de representantes do ente público para desempenhar, paralelamente, a função de defensores do interesse particular – pois se trata de interesse particular, ainda que entrelaçado ao interesse público – de pessoas que desempenham função pública.

                            Outra solução, que seja mais satisfatória do ponto de vista jurídico e administrativo, pode ser encontrada, se para isso houver disposição.  

 

                            Assim, meu voto é no sentido de:

a) rechaçar a proposta de alteração de Lei Orgânica apresentada pelo Sr. Procurador Geral do Estado, sem embargo de suas nobres motivações, que poderão ser veiculadas de forma mais adequada por meio de outros instrumentos jurídico-administrativos;

b) em caráter sucessivo, na hipótese da proposta “a” não ser referendada pelos meus pares, voto no sentido de serem acolhidos os aperfeiçoamentos propostos pela relatora, acrescentando-se outra modificação do texto do projeto, para que dele conste, ao invés de “atos praticados no exercício do cargo”, a expressão “atos jurídicos praticados no exercício do cargo”. Justifica-se tal acréscimo, pois o que se busca preservar é a coerência na atuação jurídica do ente público e respaldar o agente que pratica atos jurídicos respaldados em orientação da PGE. Afasta-se, assim, a defesa de meros atos materiais que certamente não são objeto da supervisão da PGE, embora possam estar, de forma mediata e longínqua, respaldados em seus pareceres e orientações.

                            

É o meu voto, que submeto à apreciação de meus pares.

 

                            CPGE, 23 de maio de 2006

 

Carlos José Teixeira de Toledo

Procurador do Estado

Conselheiro eleito

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Voto do Conselheiro Jivago Petrucci

Processo CPGE nº 4092/2006

Interessado: Conselho da Procuradoria Geral do Estado

Assunto: Adm. Superior. Legislação. Leis, Projetos de Lei, Resoluções, Portarias.

Complemento do assunto: Cópia da minuta de projeto de Lei Complementar a respectiva exposição de motivos, encaminhada ao Governador do Estado, objetivando alterar a Lei Orgânica da PGE. 

 

 

VOTO-VISTA n.º  

 

 

Senhor Presidente, 

Senhoras e Senhores Conselheiros,

 

 

                            Trata-se de proposta de alteração da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado, a fim de que passe a ser atribuição da instituição a defesa, em processos judiciais e administrativos, das autoridades do Poder Executivo e das autarquias, desde que tenham agido nos limites da sua competência e em consonância com as orientações gerais ou específicas do respectivo órgão jurídico.

 

                            O voto da nobre relatora, Conselheira Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi, propugna pela aprovação da proposta, com alguns aprimoramentos de ordem redacional, sustentando que a medida resguarda o interesse público e fortalece o controle interno de legalidade do Poder Executivo.

 

                            Em caminho oposto, o voto proferido pelo Conselheiro Carlos José Teixeira de Toledo opina pela rejeição da proposta, tendo em vista a disciplina constitucional dada à Procuradoria do Estado, bem como as ontológicas diferenças existentes entre a advocacia pública e a advocacia privada.

 

                            Faço juntar aos autos, para melhor análise do caso, o material que me foi fornecido pela Conselheira Ana Rinaldi, com o texto integral da emenda nº 1 à referida proposta – que já tramita na Assembléia Legislativa do Estado -, da lavra do Deputado Ricardo Trípoli, atribuindo à PGE a competência para representar não apenas as autoridades do Poder Executivo e das autarquias, mas também todo e qualquer servidor público, nas situações ali descritas.

 

                            Em que pese a tramitação legislativa já iniciada no caso em tela, creio ser de extrema importância o pronunciamento desse colegiado sobre a questão e o encaminhamento das conclusões à Casa paulista de leis, tendo em vista que, caso aprovada a modificação, haverá uma mudança significativa no perfil institucional da Procuradoria Geral do Estado.

 

                            Destarte, como muito bem frisado pelo voto do Conselheiro Carlos Toledo, estamos diante de um momento importantíssimo na história da PGE. Com a criação da Defensoria Pública em nosso Estado, a Procuradoria tem a oportunidade de reforçar a sua imagem institucional de defesa do interesse público e de controladora interna da legalidade dos atos da administração. Essa oportunidade restaria seriamente obscurecida com a confusão entre a defesa do Estado e a defesa do governante que, em última análise, seria o principal efeito da alteração legislativa que ora debatemos.

 

                            Mas a par de argumentos de ordem político-institucional, acredito haver intransponíveis empecilhos de ordem constitucional para a provação da alteração proposta.

 

                            Com efeito, a Procuradoria dos Estados é instituição que possui raízes constitucionais, cujas diretrizes básicas estão assentadas no artigo 132 do texto constitucional em vigor. Ali se encontra delineada, em seus contornos principais, a função própria da instituição: representação judicial e consultoria jurídica das unidades federadas.

                           

                            É óbvio que o texto constitucional deve ser desenvolvido pela legislação inferior, que lhe busca dar aplicabilidade. Entretanto, é também óbvio que esse desenvolvimento deve ater-se aos limites traçados pelo próprio texto maior, sob pena de evidente inconstitucionalidade. Como muito bem frisou o voto do douto Conselheiro Carlos Toledo, as normas constitucionais traçam as “diretrizes essenciais da instituição Procuradoria Geral do Estado e da atuação de seus integrantes, não podendo o legislador infraconstitucional se afastar desses lineamentos, ainda que movido por bem-intencionadas razões de cunho administrativo”.

 

                            Quando o texto constitucional fixa como atribuições das Procuradorias dos Estados a representação judicial e a consultoria jurídica das unidades federadas está circunscrevendo, com tinta indelével, a atividade de todo e qualquer procurador do Estado à defesa do interesse público, à representação judicial e à consultoria jurídica da pessoa jurídica de direito público interno. Não há espaço, pois, para atribuir à instituição a defesa de interesses privados, ainda que diretamente relacionados ao exercício de uma função pública.

 

                                      Escrevendo sobre as funções essenciais à Justiça, ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto que:

 

                                      A Constituição cria três tipos institucionais de procuraturas, estas encarregadas das funções essenciais à justiça, exercendo, cada uma delas, atribuições consultivas e postulatórias, todas bem definidas a nível constitucional (artigos 127, 129, 131, 132, 133 e 134, CF) e infraconstitucional (Constituições estaduais e respectivas legislações), voltadas a três conjuntos de interesse caracterizados.

 

                                      O primeiro conjunto de interesses abrange, basicamente, dois importantes subconjuntos: os interesses difusos da defesa da ordem jurídica e do regime democrático; os interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, caput, da Constituição) detalhados em rol de funções (artigo 129, CF), em relação aberta, pois pode ser acrescida de outras funções, desde que compatíveis com a finalidade institucional (artigo 129, IX). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é advocacia da sociedade e a procuratura que tem a seu cargo é o Ministério Público, em seus ramos federal, distrito federal e estaduais.

 

                                      O segundo conjunto de interesses são os interesses públicos, assim entendidos os estabelecidos em lei e cometidos ao Estado, em seus desdobramentos políticos (União, Estados e Distrito Federal). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é a advocacia do Estado (artigo 131, para a União, e 132, para os Estados e Distrito Federal) e as procuraturas que tem a seu cargo são a Advocacia Geral da União (órgão coletivo) e as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (órgãos similares).

 

                                      O terceiro conjunto de interesses são os individuais, coletivos e até difusos, mas todos qualificados pela insuficiência de recursos daqueles que devam ou queiram defendê-los: são os interesses dos necessitados (artigo 5º, LXXIV, da Constituição). Para esse conjunto, função essencial à justiça que lhe corresponde á advocacia dos necessitados e procuratura que a tem a seu cargo é a defensoria Pública, federal, distrital federal e estadual (artigo 134, CF).” (“As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais”. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Procuradoria Geral do Estado, 1992, p. 48, grifos nossos).

 

 

                                      É clara, pois, na lição do festejado administrativista, a vinculação entre a advocacia do Estado e a função de defesa do interesse público.

 

                                      Da mesma forma, ensina Mário Bernardo Sesta que:

 

                                      Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal.“ (A Advocacia de Estado. Posição Institucional”. In Revista de Informação Legislativa, n.117, p.191, grifos nossos).

 

                                      A perfeita distinção entre advocacia do Estado e advocacia dos governantes é tão fundamental que foi até mesmo objeto das didáticas considerações constantes da Cartilha sobre Advocacia Pública, elaborada pela comissão do advogado público da OAB-SP. Ali se encontra a seguinte passagem, que pedimos vênia para transcrever:

 

                                     “... cabe ao advogado público promover a defesa do Estado (pessoa jurídica de direito público), que não se confunde com a defesa do Governante. O advogado público não é e não pode ser o defensor do Presidente, do Governador ou do Prefeito. Deve defender o interesse público e o cumprimento das finalidades constitucionais e legais da entidade a que pertence. Pode-se afirmar que os advogados públicos são os “advogados da legalidade”, na medida em que têm por dever não só agir em obediência à lei, mas assessorar a Administração Pública na edição de seus atos, para que estes estejam sempre em conformidade com a ordenação normativa. Defendem, em suma, os interesses permanentes do Estado, e não os interesses daqueles que transitoriamente ocupam o poder”.

 

                            De se ressaltar ainda que, se interpretadas à luz do princípio constitucional da impessoalidade, as atribuições cometidas à advocacia pública restam ainda mais fortemente atreladas à defesa do interesse público da respectiva entidade federada, na mesma medida em que distanciadas da defesa do interesse particular do administrador.

 

                            De fato, no princípio da impessoalidade “se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia”, conforme ensina Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 8ª ed. rev. e atual., p. 68).

 

                            Parece-me claro, nessa linha, que a proposta de alteração ora sob comento atribui à PGE, inequivocamente, a defesa judicial e administrativa de interesses particulares.

 

                            Sempre que uma ação judicial traz em seu pólo passivo o agente público, na condição de pessoa física, só pode ter como objetivo o agravamento de seu patrimônio particular. Ou, caso contrário, estaríamos diante de uma evidente ilegitimidade de parte.

 

                            Por outro lado, se além do patrimônio particular do agente público a demanda também busca atingir o patrimônio estatal, é evidente a legitimidade do ente federado para ingressar no feito. Nesta hipótese, ainda que haja uma coincidência entre as teses de defesa utilizadas pelo agente público, que atuou nos estreitos limites da lei, e aquelas colacionadas pelo ente público ao qual ele pertence, continua a existir uma inegável diferenciação entre os interesses envolvidos naquela eventual demanda: o ente público entabula seus argumentos em defesa do interesse público, enquanto que o agente público traça seus arrazoados em defesa do seu particular interesse.

 

                            Não me parece correto, portanto, afirmar que a atuação da Procuradoria na representação judicial dos agentes públicos estaria sustentada na defesa do interesse público. Caso efetivamente o interesse público esteja em jogo nas demandas judiciais e administrativas direcionadas ao agente público, configura-se a hipótese – ao menos na área cível – de intervenção de terceiro, onde o próprio ente público estará legitimado a, pelos seus procuradores, defender seu interesse. Na hipótese negativa – ou seja, não havendo interesse público em jogo na ação – é evidente que a intervenção estará desautorizada, mas também é indubitável que a atuação dos advogados públicos em prol do agente acionado representaria tutela de interesse particular.

 

                            Não se despreza, aqui, a situação realmente grave que a proposta de alteração pretende tutelar. Não se desconhece a delicada posição em que são colocados os administradores públicos em virtude do grande número de ações judiciais que lhe são direcionadas.

 

                            Entretanto, não é possível, em virtude das atribuições constitucionalmente delimitadas para as Procuradorias dos entes federados, atribuir a defesa de tais agentes à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

 

                            A solução da complexa questão em que são colocados os administradores públicos em virtude das demandas judiciais que lhe são opostas, merece, sim, solução, mas por outras vias que preservem as atribuições constitucionalmente fixadas para a Procuradoria Geral do Estado.

 

                            Além disso, mesmo sob o aspecto de uma eventual valorização da atuação da PGE no que se refere ao controle interno de legalidade, não consigo vislumbrar que da proposta possa advir algum avanço institucional.

 

                            No desenho institucional hoje em vigor, as atribuições de direção superior da instituição estão concentradas na figura do Procurador Geral do Estado. Portanto, a última palavra, no âmbito administrativo, sobre quais atos praticados pelas autoridades estaduais são legais ou não é, sem sombra de dúvida, uma prerrogativa isolada do chefe da instituição.

 

                            Entretanto, o cargo de Procurador Geral é de livre provimento pelo Governador do Estado, ainda que a sua liberdade de escolha esteja – pelo entendimento hoje ainda prevalecente - circunscrita ao rol dos integrantes da carreira de Procurador do Estado.

 

                            Isso significa dizer que, caso a atribuição de defesa dos atos dos agentes públicos seja acometida à PGE, a aferição interna da legalidade do ato praticado pela autoridade será feito, em última instância, por quem está diretamente ligado ao Governador do Estado por um laço de confiança.

 

                            Portanto, a par da inconstitucionalidade supra retratada, não me parece recomendável que, no atual estágio de desenvolvimento institucional da PGE, nos seja atribuída a incumbência de defesa dos agentes públicos nas ações que contestem a legalidade de seus atos.

 

                            Opino, portanto, pela rejeição integral da proposta de alteração legislativa apresentada a este colegiado.

 

                            É o meu voto, que submeto à apreciação de meus pares.

 

                            CPGE, 01 de junho de 2006.

 

JIVAGO PETRUCCI

Procurador do Estado

Conselheiro eleito

 

 

 

A favor

Ana Rinaldi

José Renato

Luiz Avólio

Sérgio D'Amico

Silvia Furtado

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Voto da Conselheira Ana Rinaldi

 

Referência:    Processo CPGE n°4092/2006

Interessado:  Conselho da Procuradoria Geral do Estado

Localidade :  São Paulo  

Assunto :   Anteprojeto de lei complementar e respectiva exposição de motivos,   encaminhado ao Governador do Estado, objetivando alterar a Lei orgânica da PGE.  

 

                                                                                    

Senhor Presidente do Conselho da Procuradoria Geral do Estado.

Senhores Conselheiros.                     

 

1. Cuida a espécie de proposta de alteração da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado – LC 478/86. Segundo se verifica de fl.04, em decorrência de tratativas diversas entre a Chefia da Instituição e a do Executivo, foi encaminhada minuta para acrescentar dispositivos que possibilitem à PGE representar autoridades estaduais em processos judiciais e administrativos decorrentes de atos praticados no exercício regular do cargo ou função e desde que em conformidade com orientação do respectivo órgão jurídico.

 

2. Constam do procedimento:

 

a)   minuta do anteprojeto (fls. 05);

b)  Exposição de Motivos (fls.06 a 12);

c)   despacho determinando imediata remessa da matéria ao Conselho da PGE, na forma prevista nos incisos I (“pronunciar-se sobre qualquer matéria que lhe seja encaminhada pelo Procurador Geral”) e II (“sugerir e opinar sobre alterações na estrutura da Procuradoria Geral do Estado e respectivas atribuições”) do artigo 13 da LOPGE (fl.13).

 

3. Relatado, desde logo passo – tendo em vista a recomendação de tramitação prioritária e célere, bem como a extrema relevância do assunto – a proferir o meu voto.

                                          

4. É fundamental a mudança legislativa que se propõe, tratando-se de medida que, além de resguardar o interesse público, permitirá fortalecer os mecanismos de controle interno do Poder Executivo. Com efeito, todos os agentes políticos e públicos terão bem claro o fato de que, se agirem em conformidade com a orientação fixada pelo órgão jurídico, terão a garantia de pela Procuradoria Geral do Estado terem seus atos defendidos em Juízo ou administrativamente. Isso reforça a posição de quem tem o dever constitucional de dar consultoria e assessoria jurídica e de representar o Estado – e, a partir da alteração legislativa, o administrador – judicial e extrajudicialmente, o que implicará a constante oitiva do respectivo órgão jurídico e, em regra, a prática do ato em consonância com a orientação por ele dada.

 

5. Ademais, é a meu ver medida de justiça. Não é razoável que alguém tenha de contratar em nome próprio a defesa de ato praticado exclusivamente em razão do cargo ou função ocupado. Lembro-me de caso em que sequer prática de ato havia: um Delegado de Polícia foi investido na condição de fiel depositário de um barco e, ao tentar obter a liberação do encargo, foi ameaçado de prisão! Não me parecia admissível que o Delegado tivesse de arcar com as despesas para contratar defensor ou tivesse de assumir encargo para o qual havia sido escolhido unicamente por ocupar cargo público. Ante a manifestação contrária à defesa pela PGE, desenvolvi intensa movimentação para conseguir a substituição da autoridade policial, obtendo sucesso com integrante do Corpo de Bombeiros que se apresentou para o Juízo como adequado depositário do bem. Ora, se isso não tivesse acontecido, evidente o prejuízo para todos: (1) para a Justiça, pois havia risco de perda do bem com a indicação de depositário que não tinha condições mínimas de desincumbir-se do encargo; (2) para o interesse público, na administração da justiça e pela responsabilidade imposta a quem já tinha inúmeras e distintas responsabilidades decorrentes do exercício de cargo público; (3) para o Delegado envolvido, que teve de se deslocar perante o Judiciário e junto à Consultoria Jurídica para liberar-se de imposição absurda e ainda teria de arcar com o custo de contratar advogado e ingressar em Juízo ou locar espaço para guardar a referida embarcação.

 

6. A alteração legislativa que ora é examinada resolverá casos como esse, vindo em muito boa hora. Mais não é necessário dizer, bastando endossar a primorosa Exposição de Motivos (EM). Opino pelo acolhimento da proposta em comento e sugiro pequenas alterações formais: na minuta de anteprojeto, a redação do inciso I do art. 1º poderia referir “agentes políticos e administrativos” em lugar de “autoridades”; “processos judiciais e administrativos em que sejam partes” conforme mencionado na EM e – exemplifico – em consonância com o texto do art. 105, II, “c”, da Constituição da República; supressão do adjetivo “regular”, que me parece implícito no dispositivo; menção genérica a “função pública”; e, finalmente, alusão expressa a órgão da PGE. Sugiro, destarte, a seguinte redação:

 

“I – (...)

 

‘XVII – representar, mediante requerimento expresso do interessado, os agentes políticos e administrativos do Poder Executivo e das autarquias do Estado, exceto das universidades públicas, nos processos judiciais e administrativos em que sejam partes por atos praticados no exercício da função pública, desde que em consonância com as orientações gerais ou específicas do respectivo órgão da Procuradoria Geral do Estado.’

(...)”.

 

É como voto.

 

cpge, 17 de maio de 2006.

 

 

Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi

Conselheira relatora

Subprocuradora Geral do Estado – Consultoria

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Saiba como votou o Conselho Assessor da APESP

 

Contra                                                                            

Ada Pellegrini Grinover                                         

Ana Cristina Leite Arruda

Carmen Lúcia Brandão

Nilson Berenchtein Júnior

Tânia Henriqueta Lotto

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Voto da Conselheira Ada Pellegrini

 

ADA PELLEGRINI GRINOVER

Procuradora do Estado

Membro do Conselho Assessor da APESP

 

 

Processo CPGE n. 4092/2006

 

Assunto: Proposta de Lei Complementar objetivando alterar a Lei Orgânica da PGE

 

Senhor Presidente:

 

            Instada a me manifestar, na qualidade de membro do Conselho Assessor da AASP, sobre a proposta de Lei Complementar  que objetiva alterar a Lei Orgânica da PGE, venho fazê-lo nos termos que seguem.

 

            Trata-se de proposta que visa a permitir que servidores públicos processados por atos praticados no exercício da função sejam defendidos por Procuradores do Estado, desde que tais atos tenham sido praticados em consonância com as orientações gerais ou específicas do respectivo órgão jurídico.

 

            Louve-se a preocupação mostrada pela proposta no sentido de poupar a saúde financeira dos servidores públicos que agiram dentro da lei, evitando que tenham que gastar com a defesa técnica. E louve-se, também, o cuidado tomado pela fórmula de terem eles agido em consonância com a orientação do órgão jurídico.

 

            No entanto, manifesto-me contrariamente à proposta.

 

            A uma, porque, institucionalmente, a Procuradoria do Estado é destinada à representação judicial do Estado e à consultoria jurídica das respectivas unidades federadas (Art. 152 da CF) e, no âmbito estadual, é responsável pela advocacia do Estado, da Administração direta e das autarquias e pela assessoria e consultoria jurídica do Poder Executivo (art. 98 da Constituição do Estado de São Paulo). Não integra, portanto, as funções institucionais da PGE a defesa de servidores públicos. Observe-se que a permissão da Constituição estadual no sentido de a lei atribuir outras funções, que não as expressamente definidas, à PGE não pode abranger aquelas que escapem de suas funções institucionais.

 

A duas, porque o procurador do Estado, ainda institucionalmente, é encarregado da advocacia pública, que não pode se confundir com a advocacia privada, como o é a defesa dos interesses do servidor. Nesta, o advogado é institucionalmente parcial, defendendo a causa sempre a favor de seu cliente. Naquela, vige o princípio da impessoalidade administrativa, a demandar a defesa do interesse público, acima de qualquer tipo de parcialidade.

 

A três, porque poderá surgir conflito de interesses entre a representação judicial do Estado e a defesa do servidor processado. Data venia da posição sustentada pelo então Advogado Geral da União, Gilmar Mendes, suas razões não me convenceram. Basta pensar numa ação popular, em que a Administração pode mudar de lado, assumindo inclusive posição favorável à do autor popular, propugnando pela ilegalidade do ato impugnado. E pense-se, ainda, numa ação popular fundada na imoralidade administrativa, em que não há sequer como aferir a ilegalidade do ato, mas sim, simplesmente, a ofensa aos princípios do direito administrativo.

 

Finalmente, porque a fórmula prevista pela proposta (“desde que em conformidade com as orientações gerais ou específicas do respectivo órgão jurídico”) não oferece barreira suficiente contra a má atuação do servidor, sobretudo quando se satisfaz ela com orientações gerais, que podem não se adequar ao caso concreto. Não há, nesse caso, como avaliar a priori se efetivamente a conduta do servidor se coadunou com a orientação do órgão jurídico.

 

Tenho, assim, para mim que há incompatibilidade absoluta entre a função do Procurador do Estado e a do advogado do servidor público, o que me leva a condenar a fórmula proposta.

 

Sensível, todavia, à incolumidade financeira do servidor que  não cometeu ilegalidade ou não afrontou a moralidade administrativa, penso que esse exame há de ser feito a posteriori: no caso de improcedência da acusação, terminado o processo, o Estado poderá ressarcir o servidor das despesas que teve com seu advogado, aplicando tabela de honorários que poderá fixar, de acordo com os serviços profissionais prestados.

 

Essa solução, que depende de lei ordinária, poderá servir aos propósitos da proposta em comento, sem riscos para o Estado e sem conspurcar as funções institucionais da PGE e as atividades funcionais de seus membros.

 

Uma última observação: caso a proposta de Lei Complementar venha efetivamente a ser apresentada, que se retire do Projeto a expressão “gerais ou”, exigindo-se sempre a orientação específica do órgão jurídico. Tudo de modo a restringir a aplicação do dispositivo e a não deixar em aberto o que seriam as “orientações gerais”.

 

É o parecer.

 

São Paulo, 19 de junho de 2006

 

Ada Pellegrini Grinover

Procuradora do Estado

Membro do Conselho Assessor da APESP

 

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Voto da Conselheira Ana Cristina Leite Arruda

 

Ref. Ofício 196/2005 – APESP

 

Senhores Diretores da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, 

 

                   Considerando a finalidade da APESP em promover a defesa dos interesses dos Procuradores, manifesto minha opinião contrária ao Projeto de Lei Complementar que altera parcialmente as atribuições dos Procuradores do Estado para ampliar o campo funcional da Instituição, atribuindo à PGE a defesa em processos administrativos e ações judiciais dos servidores públicos processados por atos praticados no exercício da função.

                   Após analisar a exposição de motivos e o voto da Conselheira Relatora, Subprocuradora do Estado da Consultoria, se faz necessário consignar que não coaduno com tal posicionamento, pois entendo que a PGE tem como obrigação legal a defesa do Estado e não do administrador ora em exercício. 

                   No meu entender as alterações propostas são contrárias aos esforços da APESP no sentido de fortalecer a instituição, bem como a luta de todos nós para torná-la independente.

                   Deixo de fazer considerações sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei, confiante de que o Conselho Assessor e a Diretoria da APESP se posicionarão de forma contrária ao Projeto, tomando as medidas necessárias para que o Projeto de Lei não seja aprovado na Assembléia Legislativa, e caso isto ocorra, sejam tomadas as providências cabíveis para questionar a sua legalidade, com contratação de pareceres e promoção das ações judiciais cabíveis.

                   Por fim, vale lamentar a postura do Procurador Geral do Estado que não submeteu a questão a uma  discussão interna da carreira, principalmente considerando que a alteração muda o perfil da PGE, trilhando caminho contrário a independência e ao fortalecimento da Instituição.  

                   São Paulo, 13 de junho de 2.006. 

 

                   Ana Cristina Leite Arruda

                    Conselho Assessor da PGE/SP

 

 

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Voto da Conselheira Carmen Lúcia Brandão

 

São Paulo, 26 de junho de 2006 

 

 

Assunto: Projeto de Lei Complementar alterando parcialmente as atribuições dos Procuradores do Estado

 

 

Senhor Presidente,

 

 

Em atendimento à solicitação de Vossa Sa., e após analisar detidamente a questão proposta pelo Senhor Procurador Geral do Estado, no sentido de permitir que os servidores públicos processados por atos praticados no exercício da função sejam defendidos por Procuradores do Estado, manifesto-me contrariamente ao referido projeto de lei complementar, subscrevendo integralmente o brilhante voto do ilustríssimo conselheiro Carlos José Teixeira Toledo, que soube muito bem esgotar a análise da matéria. 

 

Atenciosamente,

 

Carmen Lúcia Brandão

Conselheira Assessora

 

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Voto do Conselheiro Nilson Berenchtein Junior

 

 

Prezado Marcos

 

Dada a premência temporal estou me servindo do meio eletrônico p/ opinar. Meu entendimento é no sentido de que a proposta de alteração legislativa extrapola as limitações constitucionais acerca das atribuições das Procuradorias dos Estados. Assim, acompanho as razões expostas nos votos prolatados pelos d. Conselheiros eleitos, acrescendo entender ser incontornável a subjetividade que viria a pairar sobre o que consistiria em “consonância com as orientações gerais do respectivo órgão jurídico”.

 

Abraço


Nilson Berenchtein Junior

 

 

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Voto da Conselheira Tânia Henriqueta Lotto

 


São Paulo, 12 de junho de 2006

 

 

Senhor Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo

 

Recebido material relativo à alteração que se pretende fazer na Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado, Lei Complementar nº 478, de 18 de julho de 1986, para ali introduzir, entre as atribuições dos Procuradores do Estado, a defesa dos agentes públicos processados por atos praticados em consonância com orientações gerais ou específicas do respectivo órgão jurídico, e atendendo solicitação dessa Ilustre Presidência, venho manifestar minha concordância com os termos do voto do Procurador do Estado Conselheiro Jivago Petrucci, por entender que o cerne da proposta encontra-se em sua constitucionalidade, pois que esbarra e colide, a nosso ver, com a delimitação das atribuições conferidas aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal, pelo artigo 132 da Constituição Federal e pela Constituição do Estado, havendo, ainda que ressaltar que partilho do entendimento de que existem dois modelos distintos de advocacia pública previstos na Constituição Federal: um, o do artigo 131, que confere à Advocacia Geral da União a representação da União, pessoa jurídica, o que, a nosso ver torna inconstitucional o disposto no artigo 22 da Lei nº 9.028/95, introduzido pela Lei nº 9.649/98, mormente em se verificando que a lei complementar que, em decorrência da determinação constitucional instituiu a carreira (AGU), qual seja, a Lei Complementar nº 73, de 10-02-93, em seu artigo 1º, afirma que a AGU é instituição que representa a União,  judicial e extrajudicialmente, e que a ela cabem, na forma do parágrafo único, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. 

 

Assim, a nosso ver, o artigo 131 da Constituição Federal não deixa margem para dúvida nem para complementação ou suplementação quanto à atribuição da AGU: a representação da pessoa jurídica de direito público- União, existindo, apenas, a possibilidade constitucional de sua representação, na execução da dívida ativa tributária, ser exercida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ( § 3º do artigo 131).

 

O outro modelo constitucional é o do artigo 132 que afirma, de maneira categórica, que os Procuradores do Estado e do Distrito Federal, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

 

Entre os dois, uma semelhança: por mais que o legislador infraconstitucional pretenda ampliar as atribuições, esbarrará no preceito limitativo intransponível constitucional. Em maior intensidade em relação aos Procuradores do Estado pois que a Constituição Federal cuida não da instituição mas dos procuradores organizados em carreira.

 

Ainda em relação aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal, o artigo 132, desde sua redação original, aperfeiçoada tecnicamente pela Emenda Constitucional nº 19/98, estabelece  que eles exercerão a representação judicial e extrajudicial das respectivas unidades federadas.

 

Em decorrência dessa redação, outra leitura não pode ser feita do artigo 98 da Constituição do Estado de São Paulo quando estabelece que a Procuradoria Geral do Estado é responsável pela advocacia do Estado - da Administração direta e autarquias, limites em que deve também ser lido o artigo 99, pois que as competências devem restringir-se à pessoa jurídica de direito público - o ente federado. Assim, a nosso ver, não é atribuição constitucional do Procurador do Estado a defesa de agente público, seja ele autoridade ou mero servidor público.

 

Permitimo-nos ressaltar a importância do assunto, que já foi tema em inúmeras teses apresentadas por Procuradores de Estado em seus XXX e XXXI Congressos Nacionais, realizados respectivamente em Belém do Pará e em Florianópolis, Santa Catarina, sempre no sentido de que as atribuições dos Procuradores de Estado são relativas à unidade federada – pessoa jurídica de direito público.

 

As teses foram aprovadas e, por nos parecerem de interesse, inclusive em razão dos elementos de convicção que contêm, permitimo-nos indicar algumas delas:

 

       Do Congresso de Belém

 

-          “ A Autonomia  do Estado frente ao Governo”, do Procurador do Estado do Rio de Janeiro Delcy Alex Linhares.

-          “ Advocacia Pública: advocacia de que interesse público?”, do Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Rafael Farinatti Aymone;

 

 

 Do Congresso de Florianópolis:

 

-          “ Da Autonomia funcional dos Procuradores do Estado em defesas de natureza penal- Impossibilidade de transposição do modelo federal aos Estados-Membro”, do procurador do estado do Rio de Janeiro Márcio Bruno Milech. O autor discute especificamente o artigo 22 da Lei nº 9028/95 ( AGU) e a impossibilidade de sua transposição para os Estados em razão das disposições do artigo 132 da Constituição Federal.

-          “ Autonomia da Advocacia de estado e o Aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito”, do Procurador do Estado do Rio de Janeiro Fernando Barbalho Martins, de onde vale destacar a citação aos argumentos do Ministro Moreira Alves e de Josaphat Marinho.

-          “ Reestruturação das Procuradorias Estaduais e as Perspectivas da Advocacia Pública para o Século XXI”, do Procurador do estado do Rio Grande do Sul Miguel Arcanjo da Costa, em especial quando cuida das atribuições das Consultorias Jurídicas e da necessidade de sua independência e autonomia e refere lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

-            Natureza jurídica do parecer e os limites da responsabilização do Procurador do Estado” da Procuradora do estado do Rio Grande do Sul, Fabiana Azevedo da Cunha, especialmente ao mencionar o disposto nos artigo 1º caput, 132 e 133 da Constituição Federal e os artigos 2º, § 3º e 32 da Lei nº 8.906/94 ( Estatuto dos Advogados)  e o MS 24.073-3-DF em que se reconheceu que o Procurador só pode responder por danos decorrentes de erro grave, inescusável ou de ato ou omissão praticado com culpa, não se enquadrando aqui a divergência doutrinária ou interpretativa.

-          “ Visão elaborativa do parecer e dimensão da independência do Procurador do Estado”, do procurador do estado do Sergipe, Pedro Durão, em especial quando analisa a estrutura formaçl do parecer e conclui que o procurador do Estado não é Procurador do Governo e daí afirma a necesidade de sua independência, citando o artigo 18 do Estatuto dos Advogados e o MS nº 24.073, com o voto do Ministro Carlos Velloso.

-          “ A natureza jurídica dos pareceres e a responsabilização dos Procuradores”, do Procurador do Estado do Pernambuco, Flávio Germano de Sena Teixeira, em especial quando ressalta que os Procuradores, em sua independência e autonomia funcional, quando opinam, o fazem invocando o princípio da razoabilidade no juízo excepcionante da regra aplicativa geral em face de outros valores albergados no sistema normativo e não podem ter uma espada sobre sua cabeça, receosos de que a opção a que aderirem os torne responsáveis em razão de divergência de entendimento.

-          “ O artigo 132 da Constituição Federal- Interpretação e alcance  no âmbito da Administração Pública. Análise Jurisprudencial.” Da Procuradora do Estado do Paraná Marisa Zandonai, especialmente nas considerações que faz de que o modelo de advocacia pública da União não revela simetria com o modelo dos Estados e do Distrito Federal pois que o artigo 132 fala da representação da unidade federada, e que esse conceito passa necessariamente pelo de Estado. A autora vai além, para afirmar que esse conceito se estende para incluir os três poderes, com o que não concordamos, na advocacia pública do ente federado. Cita Celso de Mello ( ADI 881- Espírito Santo) quando afirma que a norma do artigo 132 é de eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas e confere ao Procurador do Estado o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo.

 

Espero, com as informações aqui alinhavadas, poder contribuir para que as conclusões da Diretoria naveguem no sentido de não ser possível a atribuição que se pretende conferir aos Procuradores do Estado por meio da alteração de sua Lei Orgânica, visto que a norma constitucional vigente é vinculante e cogente, permitindo que suas atribuições tenham relação tão somente com a representação da unidade federada.

 

Cordialmente 

 

Tânia Henriqueta Lotto

Conselheira Assessora

 

A favor

Fernanda Dias Meneses de Almeida

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Voto da Conselheira Fernanda Dias Meneses de Almeida

 

 

São Paulo, 12 de junho de 2006.

 

 

Senhor Presidente: 

 

Atendendo a solicitação da Presidência da APESP, venho, na qualidade de membro do Conselho Assessor da entidade, manifestar-me sobre o projeto de lei complementar encaminhado pelo Senhor Procurador Geral do Estado ao Senhor Governador do Estado, com vistas a incluir na Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado, como competência da Instituição, dentro de condições que especifica, a representação de autoridades do Poder Executivo em ações judiciais e processos administrativos de que sejam partes, em razão de atos praticados no exercício regular do cargo.

 

Como se nota pelas manifestações já externadas a respeito no âmbito do Conselho da PGE e anexadas ao expediente que me foi encaminhado, a matéria vem sendo objeto de controvérsias, havendo posicionamentos favoráveis e contrários à alteração legal pretendida, com base em argumentos que me dispenso de reproduzir neste momento, dada a premência de tempo com que devo expressar minha opinião.

 

Sem desrespeito aos que, preocupados, por certo, com a reverência devida aos comandos constitucionais pertinentes e com a preservação do interesse público, hostilizam o projeto de lei em causa, permito-me alinhar-me aos que não vêem óbice de natureza constitucional ao seu acolhimento, nem preterição do interesse público em benefício de interesses particulares.

 

Na verdade, para a sustentação dessa tese nada seria preciso acrescentar à manifestação de cunho jurídico e também de ordem ética do Ministro Gilmar Mendes, constante da exposição de motivos do projeto.

 

 De fato, ainda na condição de Advogado Geral da União, o hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal examinou o mesmo tema no âmbito federal, onde de há muito já vigoram providências como as que ora se discutem. E com o brilho de sempre demonstrou sua compatibilidade com a representação judicial que a Constituição Federal atribui à Advocacia Geral da União (art.131), sendo que, pela similitude das condições, o mesmo se pode afirmar com relação à representação judicial conferida às Procuradorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal, nos planos estadual e distrital (art.132). Demais disso, com igual proficiência, apontou-se então a exigência ética de se atribuir aos mesmos órgãos de representação a defesa dos agentes públicos, na especial circunstância de se terem tornado réus, em razão de atos praticados no exercício de suas funções e em conformidade com a orientação jurídica oficial do Poder Executivo.

 

Endossando esse entendimento, penso não ser adequada, na espécie, uma interpretação restritiva da Constituição Federal, no que toca ao sentido da representação judicial das unidades da Federação, prevista no seu art.132 e reproduzida na dicção do art.99, inciso I, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

Tal representação tem, por óbvio, como razão de ser, a defesa do interesse público na esfera dos Estados-membros. Não há, “data venia”, como dissociar a interpretação da Constituição dos motivos determinantes da previsão constitucional. Ora, se o Estado, para atendimento do interesse público, estabelece normas e práticas a serem observadas pela Administração e se a estrita observância de tais normas e práticas vem a ser, justamente, o fundamento de ações judiciais ou processos administrativos contra os agentes administrativos, é de clareza meridiana que, ao defendê-los a Procuradoria Geral do Estado estará, na verdade, procedendo à defesa do próprio Estado, na pessoa dos servidores que por ele agem e falam, concretizando os desígnios estatais preordenados ao atendimento de seu fim último, que é o interesse público.

 

Haverá sim, nesse contexto, também a presença do interesse particular do servidor processado de contar com o patrocínio do advogado público. Mas sua defesa só se dará porque esse interesse, nos termos do projeto de lei em comento, está umbilicalmente ligado ao interesse público. Defende-se o agente para defender-se o Poder Executivo como Instituição, cuja voz, no caso, é a de seus membros, ao densificarem as diretrizes estatais na sua aplicação aos casos concretos.

 

E cabe dizer mais: o certo é que é possível vislumbrar-se na providência preconizada no projeto mais até do que a defesa de políticas voltadas à satisfação do bem público. Evidencia-se, na espécie, também o objetivo de proteger-se uma outra dimensão do interesse público, qual seja, a de o Estado contar com um quadro de agentes qualificados e preparados para desenvolver as referidas políticas. Sim, porque deixar à própria sorte, com os ônus da contratação de advogado, o servidor que, no exercício regular de suas funções, cumpre as orientações do órgão jurídico competente e por isso é processado, constitui fator de desestímulo à consolidação desse desejável corpo de agentes políticos e administrativos, sobre significar, por outro lado, injustificável negligência sob o prisma da moralidade que deve nortear a ação administrativa, como impõe o art.37 da Constituição Federal.

 

Isto posto, considerando-se o salutar intuito visado pelo projeto, intuito resguardado, de resto, pela cautela de se conferir ao Procurador Geral do Estado o estabelecimento dos limites formais e materiais da representação judicial de que se cogita, e mais, a edição de normas para detalhar o cumprimento do disposto na lei que se vier a editar, opino pelo acolhimento do projeto, sugerindo que sejam levadas em consideração, para fins de seu aprimoramento formal, as modificações de redação propostas na manifestação da Senhora Subprocuradora Geral do Estado, da área de Consultoria.

 

 

                                                                   Este é o meu sentir, s.m.j.

 

 

                                                          Fernanda Dias Menezes de Almeida

                                                          Membro do Conselho Assessor da APESP