ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO



 

Debate

___________________________________________________________________


A escolha do corregedor e a prática da democracia


Na votação para compor a lista tríplice de nomes a serem encaminhados ao governador 
para a escolha do corregedor-geral da PGE, os conselheiros devem emitir votos 
uninominais ou plurinominais? Em torno dessa questão, o Conselho da PGE viu-se 
envolvido em junho numa grave controvérsia, que poderá se repetir no futuro.
 Em debate, o ponto de vista da PGE e de seus conselheiros
 



Conselheiros durante reunião do Conselho da PGE

Um conselho para todos

De início, consigno meu aplauso à diretoria da Apesp, que franqueou este espaço para a discussão. Como sublinhei no comunicado de 28 de junho p.p., a submissão de opiniões à arena pública é marca do Estado Democrático de Direito, inconfundível com os anos de arbítrio que a muitos de nós coube viver – triste privilégio – no início de nossas vidas adultas.

A questão proposta poderia ser reformulada nos seguintes termos: qual a forma de voto que mais se harmoniza com o regime democrático, com o pluralismo político? É sabido que o corregedor-geral da PGE é nomeado pelo governador dentre integrantes da carreira indicados em lista tríplice pelo Conselho (LOPGE, art. 14, § 1º), o que conduz ao debate sobre como confeccionar essa lista. A composição do Colegiado (LOPGE, art. 11), por sua vez, evidencia que o legislador possibilitou a formação de uma maioria política opositora ao GPG. É legítimo e democrático que assim seja, e é inegável que essa é a nossa realidade atual.

Como não se cansou de repetir o presidente do Conselho, a confecção da lista deveria observar o princípio da representação proporcional, a exemplo das comissões parlamentares (CF, art. 58, §§ 1º e 4º), de modo a não tornar nula a atuação política da minoria. E, sejamos francos, a votação plurinominal – cada Conselheiro votando em 3 nomes – aniquilaria a vontade proporcional da minoria, a despeito de esta contar mais de 1/3 dos membros do Colegiado. Por outro lado, no reverso do mesmo raciocínio, a votação uninominal era a única capaz de garantir à minoria a inclusão de ao menos 1 nome na lista, assegurando sua representação proporcional. Portanto, ao decidir questão de ordem sobre o procedimento de votação da referida matéria (uninominal), no uso da competência conferida pelo Regimento Interno (art. 5º, XV), o presidente apenas evitou que o exercício do poder político pela maioria se desse com exclusão dos direitos da minoria.

Como assinalei no já referido comunicado, a polêmica suscitada no Conselho – representação proporcional e proteção dos direitos da minoria – está na ordem do dia. Se a Constituição, para usar célebre brocardo do Direito norte-americano, é o que a Suprema Corte diz que ela é, então devemos atentar para o decidido pelo Plenário do STF no julgamento do MS nº 24.831-9-DF (CPI dos Bingos). O substancioso voto do ministro Celso de Mello (já disponível no site do STF) contém preciosa lição em que são relacionados cerradamente o conceito de regime democrático e o estatuto constitucional das minorias parlamentares. Recorda-se ali que democracia não se confunde com representação apenas da maioria, exigindo antes a de todos, incluídas, em sua devida escala, as minorias. Pondera-se que "ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República" (destaques do original).

Espero ter demonstrado que a opção do Presidente do Conselho, longe de uma virada arbitrária de mesa, constituiu decisão fundamentada, à luz da Constituição Federal e do Regimento Interno. E, embora a mim pareça irrepreensível, não pretendo com isto negar a possibilidade de que outros entendimentos, também devidamente motivados, venham a lume. Vamos debatê-los, sem jamais perder de vista a legitimidade do dissenso, vital à democracia.

José do Carmo Mendes Júnior é procurador-geral do Estado adjunto, e se encontra no exercício do cargo de procurador-geral do Estado

Democracia anulando a maioria?

A PGE é regida pela LC 478/86 que define como órgãos superiores da instituição o Gabinete, o Conselho e a Corregedoria. O Gabinete é comandado pelo procurador-geral, escolhido livremente pelo governador entre os membros da carreira; o Conselho é composto por integrantes do Gabinete (os natos) e, em sua maioria, por representantes eleitos pela carreira; e a Corregedoria é dirigida pelo corregedor-geral, escolhido pelo governador entre três nomes indicados pelo Conselho. A lei cria, pois, um equilíbrio entre os órgãos superiores, que devem atuar de forma coordenada, mas sem relação de subordinação.

Essa sistemática foi frontalmente desrespeitada pela forma de votação imposta pelo procurador-geral no recente episódio da indicação do novo corregedor, que, numa atitude claramente casuísta e através de uma interpretação tendenciosa do Regimento Interno, fez com que nomes não sufragados pela maioria dos integrantes do colegiado compusessem a lista tríplice.

É inegável que as deliberações do colegiado devem ser tomadas por maioria, o que exigiria uma votação trinominal. Essa, aliás, é a forma prevista em quase todas as leis que disciplinam a elaboração de listas tríplices em outras instituições, e já havia sido a acolhida pelo próprio Conselho em votações anteriores.

A posição adotada pelo procurador-geral teria dois fundamentos: seria atribuição da Presidência decidir sobre a forma de votação, e o "princípio da proporcionalidade" exigiria que da lista constassem também nomes indicados pela minoria. Ambas as afirmações são absolutamente equivocadas.

O Regimento Interno é claro ao estabelecer que "As deliberações do Conselho, ressalvada previsão legal ou regimental expressa em sentido contrário, serão tomadas pelo voto da maioria dos conselheiros presentes..." (art. 13, § 2°). Essa regra não pode ser abandonada na interpretação das demais normas regimentais, inclusive a que atribui à Presidência o poder de decidir sobre o "procedimento" de discussão e votação das matérias (art. 5°, XV). Se o presidente pudesse alterar o quorum de votação do colegiado, seus poderes seriam tão amplos que tornariam inúteis todos os demais artigos do Regimento.

Mesmo se a forma de votação não estivesse claramente prevista, o voto do plenário seria a única maneira de disciplinar a questão, como dispõe o próprio Regimento em seu art. 25. Por outro lado, a "proporcionalidade" é própria das atividades parlamentares, e só tem vez na composição de órgãos colegiados – espécie na qual o cargo de corregedor não se enquadra. Ademais, se houvesse direito da minoria de incluir um nome na lista tríplice, a finalidade da eleição seria aniquilada, já que é essa minoria – composta pelos conselheiros natos - que tem o poder de influir na escolha junto ao governador. O equilíbrio estabelecido pela LOPGE estaria quebrado.

A inédita posição do procurador-geral, portanto, foi fabricada sob medida para a situação, e esteve a serviço de um único objetivo: indicar para o cargo de corregedor-geral alguém de sua particular confiança, ainda que isso representasse solapar uma das (poucas) competências decisórias da instância mais representativa da PGE: o Conselho.

Carlos José Teixeira de Toledo, Cíntia Oréfice, Jivago Petrucci, Maria Inez Vanz, Rogério Pereira da Silva, Roque Jerônimo Andrade e Victor Hugo Albernaz Júnior são conselheiros eleitos pela chapa Dignidade e Luta

E

[1] [2] [3] [4/5] [6] [7] [8]

F