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Jun
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Servidores em teletrabalho superam metas de produtividade nos tribunais

 

Diversos tribunais brasileiros têm relatado aumento de produtividade de servidores em regime de teletrabalho, que permite a execução das tarefas fora das dependências da unidade judiciária, com a utilização de recursos tecnológicos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a disciplinar a modalidade por meio da Resolução n. 227/2015, recém-aprovada em Plenário, que tem por objetivo, entre outros, aumentar a produtividade e a qualidade de trabalho dos servidores.

 

O teletrabalho já é realidade no Poder Judiciário e vem sendo disciplinado por normas internas de cada tribunal. Somente na 4ª Região da Justiça Federal, que corresponde aos três Estados da Região Sul do país, por exemplo, há 403 servidores em regime de teletrabalho, sendo 62 no Tribunal Regional Federal (TRF-4).

 

A Resolução CNJ n. 227/2015 limita a oportunidade de teletrabalho a 30% da lotação, admitida excepcionalmente majoração para 50%, a critério da presidência do tribunal. De acordo com a norma, verificada a adequação do perfil do servidor ao teletrabalho, terão prioridades aqueles com deficiência, que tenham filhos, cônjuge ou dependentes com deficiência, gestante e lactantes, que demonstrem comprometimento e habilidade de gerenciamento do tempo e organização ou que estejam gozando de licença para acompanhamento de cônjuge.

 

A norma determina ainda que a meta de desempenho estipulada aos servidores em regime de teletrabalho será superior aos demais, conforme plano de trabalho estabelecido, e que os tribunais promoverão o acompanhamento e a capacitação de gestores e servidores envolvidos com o regime de teletrabalho. A resolução veda a modalidade de teletrabalho aos servidores que estejam fora do país, salvo na hipótese de servidores que tenham direito à licença para acompanhar o cônjuge.

 

Justiça Estadual – Na Justiça Estadual, em geral, a implantação do teletrabalho ainda é incipiente e adotada em caráter experimental. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que recebe o maior volume processual do país, possui atualmente 68 escreventes técnicos judiciários na Capital, enquanto o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (TJMS) conta com apenas quatro.

 

Bons resultados – O teletrabalho foi instituído pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em 2013 com limite de 30% da lotação efetiva de servidores por unidade. No entanto, devido aos bons resultados de produtividade dos servidores em regime de teletrabalho, em 2015 o limite foi ampliado para 40%, pela Resolução n.53/2015 do tribunal, podendo ser superior ao percentual quando apresentado plano de gestão e demonstração, por escrito, de que a medida não comprometerá o adequado funcionamento da unidade.

 

A norma do tribunal determina que a meta de desempenho exigida do servidor em regime de teletrabalho em domicílio deverá ser igual ou até 10%¨superior àquela estipulada para os demais servidores, e é possível também realizar a modalidade semipresencial, em que o servidor realiza o trabalho à distância, por exemplo, em dois dias na semana.

 

De acordo com Carlos Alberto Colombo, diretor de Recursos Humanos do TRF-4, foi estabelecida uma estratégia de acompanhamento individual do servidor em regime de teletrabalho, com entrevistas periódicas e oficinas de capacitação. “Quando a escolha é feita de forma segura, há um grande ganho de motivação, o servidor reconhece a autonomia recebida e isso se reverte em produtividade”, diz Colombo. Na opinião dele, ainda existem preconceitos e desconhecimento em relação ao teletrabalho.

 

O teletrabalho é uma opção pessoal do servidor, mas precisa ser aceita pelo gestor responsável por seu trabalho. “Não são todos que possuem o perfil adequado para exercer o teletrabalho, já tivemos casos em que foi detectado, por exemplo, um isolamento social e o servidor voltou ao regime presencial de trabalho”, diz Colombo.

 

Metas e produtividade elevadas – No Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), o teletrabalho foi regulamentado pela Instrução Normativa TJPE n. 6, de 1º/2/2016, que fixa condições e metas de produtividade. O regime começou a funcionar, em caráter experimental, em abril, com adesão de 19 servidores que, de acordo com as informações do tribunal, estão superando as metas de produtividade estabelecidas na norma. No documento, a  presidência do Tribunal expressa preocupação com os problemas de mobilidade em grandes centros urbanos, que provocam impacto na produtividade e na qualidade de vida dos servidores.

 

De acordo com a instrução, os que atuam exclusivamente de forma presencial na Diretoria Cível do 1º Grau devem atingir meta mensal de 500 atos ou movimentações nos processos de sua responsabilidade. Enquanto isso, aqueles incluídos no regime de teletrabalho integral – todos os dias da semana – deverão ter um incremento de 30% na meta, enquanto os que atuam em regime de teletrabalho parcial (durante 2 ou 3 dias por semana) têm meta 10% mais elevada. O relatório de produtividade aponta que os servidores em regime de teletrabalho integral têm superado em quase 10% a meta estabelecida e os que estão em regime parcial superam em 16,56% o índice fixado.

 

Curso preparatório – Em abril, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) deu início a um projeto-piloto de teletrabalho com 12 servidores de 1ª instância e dos juizados especiais da comarca de Belo Horizonte e da segunda instância, por meio da Portaria Conjunta 493/PR/2016. De acordo com a assessoria de comunicação do tribunal, o projeto está permitindo “sair” da cultura da jornada, com ponto de entrada e saída e a exigência da presença física do servidor na instituição, para a ideia do trabalho por produtividade e metas.

 

A seleção dos teletrabalhadores para o projeto-piloto foi feita por indicação dos gestores das varas selecionadas, com base em seus perfis profissionais. Os servidores passaram por um curso de formação, organizado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), que abrangeu informações sobre administração do tempo, orientações sobre ergonomia, estruturação jurídica, entre outros temas. No TJMG, o projeto-piloto abrange, exclusivamente, o trabalho com processos eletrônicos.

 

Justiça do Trabalho – Na Justiça Trabalhista, o número de servidores em regime de teletrabalho, subordinados aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), também está aumentando: o TRT do Maranhão possui atualmente 22 servidores que atuam na modalidade; o TRT da Paraíba adotou o regime em 2013, que já foi aderido por 36 servidores que estão desempenhando suas funções em suas próprias casas; o TRT do Piauí, que possui 415 servidores, registra 23 deles no teletrabalho e, no TRT de Goiás, existem 54 servidores no regime.

 

Fonte: Agência CNJ de Notícias, de 22/6/2016

 

 

 

Funcionário de cartório extrajudicial pode trabalhar a distância, decide CNJ

 

A Corregedoria Nacional de Justiça decidiu liberar que funcionários das serventias extrajudiciais, conhecidas como cartórios, trabalhem remotamente. A autorização do teletrabalho foi reconhecida no Provimento 55, assinado na última terça-feira (21/6), e vale para as atividades de notários, tabeliães, oficiais de registro ou registradores.

 

O regime alternativo do trabalho depende de autorização do titular do serviço notarial. A medida não pode provocar prejuízo nas atividades, de acordo com a norma assinada pela corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi.

 

O texto aponta que o home office acaba de ser regulamentado no Poder Judiciário, aprovado no dia 14 de junho pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça. Com a Resolução 227/2016, a corregedora considerou necessário uniformizar a modalidade de trabalho também nas serventias extrajudiciais.

 

Nos cartórios judiciais, o serviço remoto é vedado àqueles que estejam em estágio probatório e ocupem cargo de direção ou chefia, por exemplo. Cabe ao próprio servidor providenciar e manter estruturas física e tecnológica necessárias para executar o serviço. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

 

Fonte: Conjur, de 22/6/2016

 

 

 

Os falsos doentes de R$ 9,5 milhões

 

Capítulo 1

 

Como o SUS gastou essa bolada com diagnósticos fajutos

 

O comerciante Gaspar Landim dos Reis, de 64 anos, não rasga dinheiro. Desde que abriu um boteco na esquina de casa, num bairro popular de São José dos Campos, no interior paulista, ele tratou de deixar bem claras as regras do estabelecimento. A plaqueta pregada numa das paredes vermelhas da birosca sem eira nem beira alerta: “Se você não tem vergonha de pedir fiado, não tenho vergonha de dizer não”. Enquanto servia uma dose de Jurubeba Leão do Norte a um cliente assíduo, ele contou a ÉPOCA como se viu envolvido num esquema que provocou um prejuízo de R$ 9,5 milhões à Secretaria Estadual de Saúde. Se não tivesse sido descoberto a tempo, o caso poderia ter consumido cerca de R$ 40 milhões. Bem mais complexo que o boteco de Reis, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido obrigado pela Justiça a rasgar dinheiro todos os dias.

 

O volume crescente de ações judiciais para fornecimento de medicamentos de alto custo (um fenômeno conhecido como judicialização) desorganiza o planejamento orçamentário das secretarias de Saúde nas três esferas de poder. É um problema para a União, os Estados e, principalmente, para os pequenos municípios. Não há milagre. Para atender às demandas urgentes de poucos pacientes que exigem tratamentos caríssimos (muitas vezes, sem benefício e com riscos inaceitáveis), os gestores deslocam verbas destinadas ao cuidado de milhares ou milhões de outros cidadãos. Assim como a corrupção e a má gestão, a judicialização da saúde é uma das importantes causas de desperdício de dinheiro público. Ela não pode mais ser ignorada, principalmente no momento em que se discute a redução de gastos sociais. Quando os médicos e a indústria farmacêutica estabelecem relações indevidas, quem perde é a população. Desta vez, elas viraram caso de polícia.

 

O metalúrgico aposentado que conta os trocados ganhos no bar decadente levou um susto quando foi intimado a dar explicações na delegacia. Lá, soube que havia obrigado o SUS a fornecer a ele um remédio importado para baixar o colesterol. Cada cápsula de Juxtapid (lomitapida), da empresa americana Aegerion Pharmaceuticals, custa cerca de US$ 1.000 por dia. São US$ 30 mil por mês e US$ 360 mil por ano. Mais de R$ 1 milhão por paciente. “Não sabia que tinha processado o Estado”, disse Reis a ÉPOCA. “Minha consciência está limpa.” O depoimento dele e de outros cidadãos convenceu as autoridades. No Estado de São Paulo, 46 pessoas exigiram o fornecimento do Juxtapid. “A maioria não sabia que havia entrado com ação judicial e nem sequer tinha a doença”, afirma Ivan Agostinho, corregedor-geral da Administração do Estado de São Paulo. “Os juízes foram ludibriados pelos laudos assinados pelos médicos. É puro estelionato, pago pelo cidadão”, diz.

 

Não é de hoje que parte da indústria farmacêutica faz um jogo triplo: estimula os médicos a prescrever drogas de alto custo ainda não disponíveis no SUS; financia associações de pacientes para que elas ofereçam apoio jurídico gratuito aos interessados em processar o Estado; e, por fim, determina livremente o preço dos produtos (quase sempre importados) ao gestor pressionado pelo tempo e pela ameaça de prisão. Essa prática eticamente questionável drena os recursos do SUS, mas não é ilegal. O caso Juxtapid é um escândalo de outra natureza. Depois de dois anos de inquérito policial, o esquema pode levar ao inédito indiciamento de 13 médicos de sete municípios, de representantes da empresa Aegerion e demais envolvidos. É o resultado da Operação Asclépio, batizada com o nome do deus grego da medicina.

 

O delegado Fernando Bardi, da divisão de investigações sobre crimes contra a administração, está convencido de que eles cometeram falsidade ideológica e crime contra a saúde pública. “Os médicos assinaram laudos falsos e a empresa encontrou uma forma de obrigar o Estado a importar um medicamento, antes mesmo da aprovação dele no Brasil”, afirma Bardi. Enquanto não tiver o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a droga não pode ser vendida no Brasil nem promovida nos consultórios pelos representantes de vendas.

 

Os cardiologistas investigados assinaram laudos (muitos deles idênticos até nos erros de português) nos quais afirmavam que os doentes corriam risco de morte, caso não recebessem o remédio importado. O Juxtapid não se destina a combater o colesterol alto que 30% dos brasileiros têm. Ele foi aprovado nos Estados Unidos apenas para uso nos raros casos de uma doença genética chamada de hipercolesterolemia familiar homozigótica. Esse distúrbio acomete cerca de uma pessoa a cada 1 milhão, segundo a Organização Mundial da Saúde. Para desenvolvê-lo, é preciso ter a infelicidade de herdar um gene defeituoso do pai e outro da mãe. Não é uma condição trivial, dessas que os especialistas veem muitas vezes na vida. “Em 40 anos de formado, vi meia dúzia de casos desse tipo”, diz Marcelo Bertolami, diretor da Divisão Científica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo. Essa condição gravíssima impede a remoção do colesterol ruim (LDL) do sangue. Em geral, os pacientes têm mais que 600 miligramas por decilitro de sangue (nível seis vezes superior ao considerado satisfatório). Não só isso. Ocorrem outras complicações, como entupimento prematuro e progressivo das artérias e extensos xantomas (tumores benignos de pele, compostos de gordura, que podem aparecer em qualquer parte do corpo). A maioria dos pacientes não alcança os 30 anos.

 

A descrição em nada se parece com a condição física do comerciante Reis. Aos 64 anos, ele se mantém produtivo. Usa bengala por causa de uma artrose no quadril. Dois stents cardíacos, colocados no ano passado, ajudam a manter as artérias desobstruídas. “Em 2013, quando o médico receitou o Juxtapid, meu colesterol estava um pouco mais alto, mas não muito”, diz. “Entendi que ele estava ajeitando para a gente pegar um medicamento mais em conta – não que eu estivesse processando o Estado”, afirma. Segundo Reis, o cardiologista José Eduardo Guimarães agendou um dia para que os pacientes conversassem, no próprio consultório, com um propagandista da Aegerion e assinassem um documento. Assim foi feito. Algum tempo depois, Reis recebeu um telefonema de Curitiba, no Paraná. Uma funcionária da Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas (Andora) avisava que o remédio já estava disponível para retirada num posto de atendimento da Secretaria Estadual de Saúde, em Taubaté, uma cidade vizinha.

 

Reis não viu vantagem em ter de se deslocar 40 quilômetros só para pegar umas cápsulas. Achou mais fácil continuar com os remédios que já usava: metformina para o diabetes e sinvastatina para o colesterol. Esse medicamento, considerado o tratamento-padrão nesses casos, custa menos de R$ 1 por dia. “Nunca fui buscar esse tal de Juxtapid”, diz. A ordem judicial obrigava o Estado a fornecer a Reis seis caixas de 5 miligramas e mais seis caixas de 10 miligramas. A cotação de preços feita em cinco importadoras foi infrutífera. A Aegerion mantinha acordo de exclusividade com uma única importadora e determinava o preço: US$ 28.600 foi o valor cobrado da Secretaria Estadual de Saúde por uma caixinha de 28 comprimidos, em agosto de 2014. Na ocasião, o dólar valia R$ 2,515. E assim o governo paulista gastou R$ 71.900 por mês com um redutor de colesterol que o paciente nunca foi buscar. Rasgou dinheiro público, mas acatou a ordem judicial. Se Reis não tivesse desistido, o tratamento completo determinado pelo juiz custaria R$ 914 mil por ano.

 

Capítulo 2

 

A investigação do estranho “surto” de São José dos Campos

 

Esse roteiro nonsense poderia ter consumido cerca de R$ 40 milhões sem que as autoridades percebessem o disparate. O que despertou desconfiança foi o grande número de laudos assinados pelo mesmo médico: o cardiologista José Eduardo Guimarães. Se a doença rara acomete uma pessoa a cada 1 milhão, como um único profissional teria alcançado a proeza de localizar 19 portadores em São José dos Campos, uma cidade de apenas 680 mil habitantes?

 

As coisas começaram a fazer sentido quando os investigadores descobriram a relação de Guimarães com o representante comercial James Ramos de Siqueira. O perfil dele na rede social Linkedln sugere um profissional experiente na área de criação de demanda para medicamentos de alto custo, com passagem por três empresas farmacêuticas. Como gerente de vendas da Aegerion, Siqueira era responsável pela divulgação do Juxtapid no interior de São Paulo. Os pacientes entrevistados por ÉPOCA contaram como foram abordados por ele dentro do consultório de Guimarães.

 

A dona de casa Aparecida de Fátima Souza, de 55 anos, se trata com o mesmo cardiologista há mais de dez anos. Numa consulta de rotina, percebeu que Siqueira puxava conversa com os pacientes na recepção. Ela e a filha, a técnica de enfermagem Fernanda de Oliveira Souza, de 27 anos, têm colesterol alto. Para controlá-lo, sempre tomaram sinvastatina. Os índices oscilam. Em alguns exames de sangue, eles aparecem dentro da normalidade. Em outros, na faixa considerada muito elevada (índice maior ou igual a 190 mg/dL). Em nenhum dos exames mostrados por Aparecida a ÉPOCA os níveis ultrapassam os 600 mg/dL (um dos sintomas da hipercolesterolemia familiar homozigótica). Como milhões de outros brasileiros, Aparecida precisa tomar remédios contra o colesterol porque tem vários fatores de risco para doença cardiovascular. Sofreu um infarto aos 45 anos, que exigiu a colocação de duas pontes de safena e uma mamária. Outras duas angioplastias foram necessárias para instalar seis stents. É diabética e hipertensa. Ainda assim, não aparenta sofrer dos graves sintomas da doença rara. Nem ela nem a filha foram orientadas a fazer o exame genético que poderia confirmar o diagnóstico. A abordagem feita pelo propagandista Siqueira foi direta. Segundo Aparecida, ele perguntou se elas tinham interesse de preencher um cadastro para receber de graça um novo remédio contra o colesterol. No mesmo dia, o médico perguntou se elas gostariam de experimentar o Juxtapid. Ambas aceitaram.

 

Guimarães preencheu um relatório médico idêntico no qual afirma que elas eram portadoras de distúrbio genético raro que ameaçava a vida. Ressalta que a lomitapida seria a única droga capaz de controlar o colesterol. Na recepção, o propagandista Siqueira registrou os dados pessoais dos documentos das pacientes e os resultados dos exames num laptop e pediu que elas assinassem um documento. Ambas afirmam não ter recebido uma cópia. “O médico disse que ia passar os resultados dos nossos exames para o propagandista para comprovar que tínhamos colesterol alto há muito tempo”, diz Fernanda. “Em nenhum momento eles nos explicaram que estávamos processando o Estado.”

 

Algum tempo depois, elas receberam os telefonemas da Andora, a associação de pacientes do Paraná. Exatamente como aconteceu com o comerciante Reis. O Juxtapid começou a ser entregue pela farmácia da Secretaria Estadual de Saúde, em Taubaté. O fornecimento era irregular. Às vezes chegavam as caixinhas de Fernanda, mas não as da mãe. Certa vez, o advogado designado pela Andora marcou um encontro com Aparecida em Taubaté para exigir o fornecimento do produto. Incomodadas com a confusão e sem notar os benefícios do Juxtapid, elas desistiram de tomar o remédio. Mãe e filha contam que só perceberam onde haviam se metido quando foram chamadas à delegacia. “Fomos enganadas”, diz Aparecida. “Envolver a gente numa coisa horrorosa, sem consentimento, é muita falta de respeito.” Aparecida não perdeu a confiança no médico. Continua a se tratar com ele. Diz que Guimarães sempre foi dedicado e atencioso. “Acho que ele foi vítima como nós.”

 

A maior vítima foi o SUS. Aparecida e Fernanda retiraram o remédio durante quatro meses. Com uma única família, o Estado gastou R$ 686 mil. Nenhuma delas percebeu ganhos de saúde. Por sorte, não sofreram graves efeitos colaterais, como alguns dos outros pacientes que tomaram lomitapida. “Houve relatos de náuseas, dores de cabeça e problemas hepáticos. Um dos pacientes sofreu paralisia temporária de um dos braços”, diz o delegado Fernando Bardi. O remédio pode causar acúmulo de gordura no fígado. O risco de cirrose e insuficiência hepática é elevado demais para que o Juxtapid seja visto como uma opção segura para qualquer paciente em luta contra o colesterol alto. A história da droga é prova disso.

 

Desenvolvida nos anos 1990 por químicos da gigante Bristol-Myers Squibb, a lomitapida passou por estudos clínicos em 1997. A expectativa de que pudesse se tornar um blockbuster como outros redutores de colesterol caiu por terra quando os testes apontaram efeitos colaterais inaceitáveis. A solução foi destiná-la ao tratamento de um público restrito: os portadores da severa hipercolesterolemia familiar homozigótica. Em 2006, a droga foi licenciada pela Aegerion para uso somente nesses casos. Atualmente, a empresa dispõe de apenas dois produtos.   

 

O cardiologista Marcelo Bertolami, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, analisou cerca de 40 casos de pacientes que exigiram o Juxtapid na Justiça. Avaliou pessoalmente 11 desses pacientes e estudou as informações registradas nos prontuários médicos apreendidos pela polícia nos consultórios investigados. Concluiu que apenas dois pacientes eram portadores da doença rara. “Não chegamos a fazer exames genéticos”, diz Bertolami. “Basta olhar para reconhecer uma doença como essa. É um desastre, algo grave, raro e de evolução muito ruim.” Felizmente, segundo ele, os pacientes que receberam o medicamento não chegaram a tomá-lo ou o usaram por pouco tempo. Uma das hipóteses levantadas pela Polícia Civil é que a empresa estivesse observando os efeitos da droga em pacientes sem a doença genética rara. O objetivo seria analisar se o remédio poderia ter outras indicações, além do uso para o qual foi aprovado nos Estados Unidos – o chamado off label.

 

Em seu site, a Aegerion afirma que a segurança e a efetividade do Juxtapid não foram estabelecidas em pacientes que têm colesterol alto provocado por outras causas – e não pela doença genética rara. No balanço financeiro publicado no primeiro quadrimestre de 2016, a empresa informa aos investidores que “a aceitação do produto fora dos Estados Unidos, inclusive no Brasil, pode ser menor do que a prevista”.

 

Capítulo 3

 

Como as relações perigosas entre os médicos e a indústria afetam o SUS

 

Relações indevidas entre os profissionais de saúde e a indústria de medicamentos e equipamentos sempre existiram. Em maior ou menor grau, essa é uma convivência marcada por agrados e favorecimentos eticamente questionáveis. Quem nunca se incomodou com a presença nos consultórios médicos de divulgadores de produtos que distribuem presentinhos, elogios e amostras grátis para as secretárias em troca da possibilidade de furar a fila dos pacientes e chegar aos médicos? Quando o doutor é o que a indústria chama de “formador de opinião”, o assédio costuma ir além. “Em qualquer outro segmento profissional, a oferta de viagens para congressos ou outras vantagens poderia ser entendida como corrupção ou leniência. Na medicina, parece que é normal”, diz Bardi.

 

Por mais que pareçam habituais, essas práticas geram claros conflitos de interesse. Quando as relações comerciais extrapolam os limites, quem perde é o doente. “Não há dúvida do que aconteceu nesse caso”, diz o secretário estadual de Saúde, David Uip. “Vamos pegar os responsáveis e cobrar o ressarcimento aos cofres públicos.” Um dos objetivos da investigação é revelar se os médicos receberam dinheiro ou outras vantagens para prescrever o Juxtapid. Eles negam. Somente um deles confessou ter recebido da empresa uma viagem para um congresso em Buenos Aires. A Justiça paulista negou a quebra de sigilo bancário e telefônico dos médicos e a apreensão de documentos na empresa. “Ela deve ter jogado tudo fora. Essa  prova foi perdida de forma irreversível”, afirma o corregedor Ivan Agostinho. No exterior, as normas são outras. Os pagamentos feitos a médicos ingleses estão relatados no site da Aegerion. É uma exigência legal de países como o Reino Unido. Em 2014, a empresa afirma ter pagado 22.400 libras a 13 médicos por consultoria, participação em pesquisa de marketing e outros serviços. Sobre o Brasil, não há nenhuma informação.

 

O Juxtapid é só uma parte do problema. São Paulo destina R$ 1 bilhão por ano para cumprir 47 mil demandas judiciais para fornecimento de medicamentos. É quase o dobro do que o Estado gasta (R$ 600 milhões) com a distribuição regular de remédios para 700 mil cidadãos. A maioria das ações é ingressada por advogados particulares e se baseia em laudos e prescrições de médicos privados. Apenas 13% dos processos têm origem na Defensoria Pública, que atende pessoas com renda familiar mensal de até três salários mínimos. O mau uso do dinheiro público é explícito. Em cerca de 30% dos casos, os medicamentos fornecidos por ordem judicial não são retirados pelos pacientes. Na esfera federal, os gastos cresceram sete vezes entre 2010 e 2015 e consumiram R$ 3 bilhões. No ano passado, o Ministério da Saúde recebeu 3.900 demandas. O Juxtapid, exigido por 59 pessoas, custou R$ 51,8 milhões.

 

A judicialização da saúde é um fenômeno brasileiro, fruto da interpretação literal feita por alguns juízes do Artigo 196 da Constituição. Aquele segundo o qual “saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. A suposição de que o poder público seja obrigado a prover toda e qualquer invenção da indústria não prospera em outros países. Toda nação com bom sistema público de saúde oferece apenas os tratamentos e procedimentos previstos numa lista. É assim no Reino Unido, na França, na Espanha, no Canadá.  Todos fazem escolhas e arcam com a impopularidade delas. Se adotasse a solução britânica, talvez o Brasil conseguisse fazer mais e melhor. Desde 1999, o Instituto Nacional para a Saúde e a Excelência Clínica (Nice), no Reino Unido, é o órgão responsável por comparar os custos e benefícios oferecidos por diferentes formas de cuidado médico. São os chamados estudos de custo-efetividade. A instituição realiza reuniões com representantes da sociedade (pacientes, médicos, indústria farmacêutica) para debater o que deve ou não ser oferecido pelo National Health Service (NHS), o sistema que banca 95% de toda a saúde no país. O que o Nice decide vale para todos.

 

No Brasil, nem todas as ações judiciais para fornecimento de medicamento são descabidas. Elas representam um instrumento legítimo, principalmente quando o Estado deixa de cumprir aquilo que, inegavelmente, é sua obrigação. A falta de atualização das listas para a inclusão de novos tratamentos no SUS é uma reclamação frequente. Não há dúvida de que parte dos pedidos é justa e fundamentada. A maioria dos juízes, no entanto, não tem condições técnicas de avaliar se um medicamento importado garante mais benefícios de saúde que o tratamento convencional. Nem se a droga exigida pode colocar o paciente em risco. Com uma canetada, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, fez o Juxtapid chegar à dona de casa Aparecida de Fátima Souza. Uma decisão que rendeu um prejuízo de R$ 304 mil à Secretaria Estadual de Saúde e nenhum benefício à paciente. Ele afirma ter agido de acordo com os fundamentos jurídicos e confiado no relatório do cardiologista José Eduardo Guimarães. “A presunção do juiz é de que um pedido assinado por médico e advogado seja lícito”, diz. “Não havia como suspeitar de fraude.”

 

Segundo Migliano Neto, o juiz não tem de se preocupar com os aspectos técnicos das drogas exigidas pelos cidadãos. “Penso que do outro lado há um ser humano e, muitas vezes, somos a última esperança dele.” O advogado de Aparecida argumentava que, sem o remédio, ela poderia morrer do coração. O juiz, que infartou duas vezes, entendeu facilmente o sentido de urgência. Nas demandas judiciais, o destino do dinheiro da saúde não é determinado apenas pela lei. Nem pela real capacidade do tratamento de mitigar o sofrimento. Um juiz é produto de suas convicções e experiências. Com elas, ele decide. Na maior parte de seus dias, Migliano Neto investiga suspeitas de ilícitos cometidos por gestores públicos, como fraudes em licitações. Se um cidadão pede socorro sob o argumento da ausência do Estado, tem chance de convencê-lo. “Quando um advogado chega com uma certidão de óbito e me diz que o cliente não precisa mais do remédio que demorou a ser fornecido, é como se eu estivesse morrendo junto.”

 

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma série de audiências públicas a respeito do impacto das demandas judiciais sobre o sistema de saúde brasileiro. De lá para cá, o fenômeno se agravou a ponto de virar assunto de polícia. “O caso Juxtapid demonstra que os juízes estão sendo manipulados”, diz a advogada Lenir Santos, secretária de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde. “A judicialização foi criada para garantir justiça, mas na saúde ela promove mais desigualdade. Chegou a hora de dizer claramente que o direito à saúde tem limite.” Na primeira semana de junho, o ministro da saúde, Ricardo Barros, firmou uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça. O objetivo é criar núcleos de apoio técnico formados por profissionais de saúde de universidades públicas. Eles emitirão pareceres sobre as drogas requisitadas, com base nas melhores evidências científicas. O material vai servir para a consulta voluntária dos magistrados. A iniciativa pode se mostrar inócua enquanto o Brasil não decidir qual dos direitos à saúde pretende priorizar: o individual ou o coletivo.          

                    

*****

 

Procurado por ÉPOCA, o cardiologista José Eduardo Guimarães não quis dar entrevista. Por e-mail intermediado pela advogada, ele afirma que prescreveu o medicamento porque os pacientes tinham colesterol de difícil controle. Diz não ter recebido do fabricante nenhum pagamento ou viagem. Confirma que o propagandista James Ramos de Siqueira forneceu a ele um modelo-padrão de relatório médico “a fim de instruir o processo de pacientes para os quais o medicamento fosse indicado”. Junto com ele eram anexadas cópias dos exames laboratoriais. Diz que os pacientes liam os documentos antes de assinar. Confirma que eles eram encaminhados para advogados indicados pela Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas (Andora). “Não vejo nada de antiético”, afirma Guimarães. “Minha parte é olhar o melhor interesse do paciente e não do Estado”, diz. “O custo não é algo a ser considerado por mim.”

 

A Andora se recusou a responder às questões objetivas levantadas por ÉPOCA. Em nota, afirma que “o custeio das atividades da associação é feito de forma absolutamente legal a partir da apresentação de projetos de auxílio e orientação para pacientes portadores de doenças raras a entidades que se dispõem a financiá-los”. Nenhum dos responsáveis pela Aegerion no Brasil ou nos Estados Unidos aceitou dar entrevista. Em nota enviada pela sede americana, a empresa afirma ter feito doações à Andora. Segundo o laboratório, o apoio financeiro foi interrompido. “Os funcionários da Aegerion no Brasil não estão autorizados a promover, induzir, incentivar ou recomendar prescrições dos produtos para o propósito aprovado pela FDA ou qualquer outra finalidade.” Localizado no interior de São Paulo, o representante comercial James Ramos de Siqueira também se recusou a dar entrevista. Disse estar desempregado.

 

Fonte: Revista Época, de 21/6/2016

 

 

 

Ivan Agostinho: “É puro estelionato pago pelo cidadão”

 

Quando 46 pessoas exigiram na Justiça que a Secretaria Estadual da Saúde fornecesse um remédio caríssimo (US$ 1.000 por dia) para combater o colesterol, a história despertou a atenção dos técnicos. Aquele não era mais um exemplo corriqueiro da chamada judicialização da saúde, um fenômeno crescente no país e sem solução fácil. Era um ousado caso de polícia, como ÉPOCA conta nesta reportagem.

 

O remédio Juxtapid (lomitapida), da empresa americana Aegerion, não tem registro no país. Foi aprovado nos Estados Unidos para uso apenas por portadores de uma doença genética rara, a hipercolesterolemia familiar homozigótica. Não é destinado ao tratamento de colesterol alto provocado por outras causas. Por ordem da Justiça, o governo estadual gastou R$ 9,5 milhões para fornecer o remédio a cidadãos que não tinham a doença.

 

Depois de dois anos de investigações, a Polícia Civil e a Corregedoria-Geral da Administração do Estado de São Paulo estão convencidas de que houve fraude contra o Sistema Único da Saúde (SUS). Um esquema que envolveu o fabricante do remédio, representantes comerciais da empresa que recrutavam pacientes nos consultórios, médicos, a Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas (Andora), de Curitiba, e advogados.

 

O caso pode levar ao inédito indiciamento de 13 médicos de sete municípios, de responsáveis pela Aegerion no país e demais envolvidos.

 

O corregedor-geral da Administração de São Paulo fala sobre o caso dos falsos doentes que exigiram o remédio lomitapida na Justiça. A fraude consumiu R$ 9,5 milhões e pode levar ao indiciamento de 13 médicos

 

ÉPOCA – Por que a investigação do caso Juxtapid virou atribuição da Corregedoria? Havia suspeita de envolvimento de servidores públicos no esquema?

Ivan Agostinho – Nossa atribuição não é apenas zelar pela conduta dos servidores. Atuamos em questões que envolvem dinheiro público para ver se ele está sendo bem gasto. No caso desse medicamento, os valores elevados e a concentração de casos em algumas cidades {principalmente, em São José dos Campos}, chamou a atenção da Procuradoria- Geral do Estado. Por isso, começamos a investigar. Esse caso é puro estelionato pago pelo cidadão. O recurso escasso da saúde foi jogado no ralo por um bando de gente irresponsável.

 

ÉPOCA – Não é de hoje que parte da indústria farmacêutica estimula os médicos a prescrever drogas de alto custo e, ao mesmo, financia associações de pacientes para que os doentes exijam na Justiça o fornecimento dos produtos fabricados por ela. Por que essa história virou caso de polícia?

Agostinho – As investigações demonstraram que advogados indicados pela Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas {Andora}, de Curitiba, promoviam ações judiciais com base no parecer de um médico. Percebemos que diferentes médicos assinaram laudos idênticos. Até os erros de digitação e de português se repetiam. Era um processo de recorta e cola. O argumento das ações contra o Estado era de que o cidadão morreria se não tomasse o medicamento. Cada cápsula de uso diário da lomitapida custa US$ 1.000. Ninguém compraria um remédio a esse preço, mas o poder público foi obrigado a arcar com isso. O dinheiro para pagamento dessas demandas judiciais fura a fila de qualquer outra coisa que a secretaria fornece.

 

ÉPOCA – Os pacientes precisavam mesmo do Juxtapid?

Agostinho – O inquérito policial demonstrou que a maioria das pessoas nem sequer tinha a doença genética rara para a qual o remédio é indicado {a hipercolesterolemia familiar homozigótica}. Elas têm o colesterol alto provocado por outras causas. Esse que eu e todo mundo têm. Os médicos nem sequer fizeram avaliações laboratoriais para comprovar que o paciente tinha a doença. Simplesmente prescreviam a droga. Esse caso é emblemático porque prescreviam uma droga para uma doença que o paciente não tinha. Uma fraude total.

 

ÉPOCA – Os prontuários dos pacientes foram apreendidos pela polícia nos consultórios médicos. O que eles revelaram?

Agostinho – Dos 46 cidadãos que exigiram o medicamento na Justiça no Estado de São Paulo, só dois tinham a doença. Muitos nem sabiam que haviam entrado com essas ações contra o Estado. Não entenderam o que haviam assinado no consultório dos médicos. Afirmaram que haviam assinado um papel porque o propagandista havia dito que aquilo era necessário para receber o remédio. Os médicos não explicavam.

 

ÉPOCA – Por que eles faziam isso?

Agostinho – Havia um representante comercial do fabricante do remédio que procurava os médicos com todo um dossiê de convencimento. A desconfiança é de que o relatório médico que se repete tenha sido fornecido por esse representante comercial. Os médicos mais flexíveis cediam ao assédio e prescreviam o medicamento.

 

ÉPOCA – O medicamento não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Estimular as ações judiciais movidas pelos pacientes é uma forma que as empresas encontram para vender os produtos importados no Brasil ao preço que elas desejam?

Agostinho – Esse caso demonstra que a via judicial tornou-se muito mais cômoda para os fabricantes. Se a empresa estivesse buscando clientes no Brasil, pessoas que efetivamente tivessem a doença, a discussão seria outra. O problema é que a Aegerion procurava pessoas para as quais o produto não é indicado. Os efeitos colaterais do Juxtapid são graves. Algumas pessoas que tomaram o remédio tiveram dores abdominais e efeitos tóxicos no fígado. Um cidadão teve parestesia. Ficou com o braço amortecido, sem tato. É muita irresponsabilidade médica. Suspeitamos que os brasileiros estivessem servindo de cobaias para a observação de algum possível uso off label do remédio {para outra indicação, além daquela para a qual a droga é aprovada}.  Não se chegou a descobrir qual seria esse efeito porque o esquema foi abortado. Assim espero.

 

ÉPOCA – Os juízes que concederam o medicamento aos cidadãos não desconfiaram?

Agostinho – Os juízes foram ludibriados. Eles não têm como discutir com médico. A Secretaria Estadual da Saúde criou Câmaras Técnicas formadas por médicos do setor público para dar suporte técnico aos juízes. Ninguém pode obrigá-los a ouvir a recomendação técnica, mas é de boa cautela que ouçam. Se o médico pede o medicamento com nome de marca de determinado laboratório, é esse que a Secretaria da Saúde é obrigada a comprar. Achamos um caso em que o remédio de marca custava R$ 1.300 e o genérico dele só R$ 18. Se o juiz quiser, ele pode perguntar à Câmara Técnica se o genérico teria o mesmo efeito. Se ficar convencido disso, o SUS economiza um dinheirão e o paciente recebe o tratamento adequado.

 

ÉPOCA – Os médicos receberam pagamento ou alguma outra vantagem do fabricante?

Agostinho – Para comprovar, precisaríamos que o juiz de direito tivesse nos deferido a quebra de sigilo bancário dos médicos. Ele indeferiu a quebra de sigilo bancário e telefônico. Também negou a busca e apreensão na Aegerion. Não sei por quê. Ao fazer isso, ele destruiu a prova. No momento em que o primeiro mandado foi cumprido no consultório do primeiro médico, o laboratório já estava avisado e já deve ter jogado tudo fora. Tudo o que fosse arquivo de computador, papel, tudo o que fosse prova. Essa prova foi perdida de forma irreversível. Posso dizer que foi uma decisão irresponsável. O mais estranho é ter sido autorizada a busca e apreensão dos prontuários médicos e negada a busca na empresa. Quebrar o sigilo médico-paciente é algo muito grave. Se nós conseguimos autorização para fazer isso, significa que nossa prova era boa.

 

ÉPOCA – Quem se beneficiou do esquema e de que forma?

Agostinho – Só vamos descobrir seguindo o dinheiro. Aí vamos saber se toda essa relação promíscua que já temos provada teve um reflexo financeiro que favoreceu este ou aquele médico. Para isso, precisamos da quebra de sigilo. Quando a ação penal for proposta, esperamos que o promotor reitere esse pedido e o juiz o defira. O pulo do gato é saber se o laboratório embolsou todo esse dinheiro ou se a associação de paciente, o escritório de advocacia e os médicos também. Ou seja: toda a cadeia que foi alimentada por essa fraude. Para provar que todo mundo abocanhou um pedacinho do dinheiro {é pouco crível que não tenha abocanhado}, vamos precisar da quebra de sigilo.  

 

ÉPOCA – Quais penalidades o laboratório e os médicos podem sofrer?

Agostinho – Acho pouco provável que a empresa consiga o registro definitivo do remédio na Anvisa porque entraram pela porta errada. Poderiam ter feito isso licitamente. Como não tenho nenhuma prova de que um funcionário público compactou com esse esquema, então a parte da Corregedoria é rastrear o dinheiro. Quando for encontrado, vamos para cima dos beneficiados para exigir o ressarcimento ao patrimônio público.

 

ÉPOCA – E a parte criminal?

Agostinho – Vejo estelionato e comercialização de medicamento não aprovado pela Anvisa. Esse é um crime de pena altíssima, inclusive reclusão. Vamos pegar as pessoas físicas. Não consigo punir criminalmente o laboratório – o que é uma pena. Vou punir criminalmente quem administra o laboratório, quem participou dessa fraude, mas sempre a pessoa física que respondia pelo laboratório. Há também a parte administrativa do Conselho Regional de Medicina. Imagino que esses médicos recebam alguma punição do CRM.

 

Fonte: Revista Época, de 22/6/2016

 

 

 

Comunicado do Conselho da PGE

 

PAUTA DA 54ª SESSÃO ORDINÁRIA - BIÊNIO 2015/2016

DATA DA REALIZAÇÃO: 24-06-2016

HORÁRIO 10h

 

HORA DO EXPEDIENTE

I - COMUNICAÇÕES DA PRESIDÊNCIA

II - RELATOS DA SECRETARIA

III - MOMENTO DO PROCURADOR

IV - MOMENTO VIRTUAL DO PROCURADOR

V - MOMENTO DO SERVIDOR

VI - MANIFESTAÇÕES DOS CONSELHEIROS SOBRE ASSUNTOS

 

DIVERSOS

 

ORDEM DO DIA

Processo: 18575-491024/2016

Interessada: Mariangela Sarrubbo Fragata

Assunto: Pedido de afastamento para participar do “Congresso de Direito Processual Civil”, a ser realizado no dia 24-06-2016, em São Paulo/SP.

Relatora: Conselheira Kelly Paulino Venâncio

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 23/6/2016

 
 
 
 

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