19
Set
14

Dispositivo de constituição de SP sobre indenização à Sabesp é inconstitucional

 

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo que trata de indenização devida à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em caso de extinção do contrato de concessão por municípios paulistas. A decisão unânime foi tomada na sessão desta quinta-feira (18) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1746, em que os demais ministros seguiram o voto do relator, ministro Marco Aurélio.

 

O artigo 293 da Constituição de São Paulo diz que os municípios atendidos pela Sabesp poderão criar e organizar serviços autônomos de água e esgoto. O parágrafo único desse dispositivo, suspenso por liminar anteriormente deferida pelo Plenário, prevê que a indenização devida à companhia em casos de encampação (retomada) da concessão deverá ser paga após realização de auditoria conjunta entre estado e município, no prazo de até 25 anos.

 

O representante da procuradoria do Estado de São Paulo, em sustentação oral na tribuna, afirmou que o ente público, ao celebrar contratos de concessão, “não se despoja de suas prerrogativas” e pode retomar os serviços em determinadas circunstâncias. “Só que toda a doutrina administrativa deixa muito claro que a encampação se dá sob indenização prévia”, disse. Afirmou, ainda, que a Assembleia estadual não tem competência para dispor sobre normas de prazo de pagamento de indenização em virtude de encampação. Esses temas, “por força do inciso 1º, parágrafo único, do artigo 175, da Constituição da República, deveriam ser objeto de lei federal” e, nesse sentido, destacou a Lei 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. O procurador ressaltou que os contratos de concessão já vigoravam antes da Constituição estadual. “Ela alterou os contratos celebrados para impor o prazo de indenizações de 25 anos”, disse.

 

Relator

 

Para o ministro Marco Aurélio, relator da ação, a norma questionada modifica substancialmente a relação original referente a encargos e vantagens do contrato pactuado entre a Sabesp e os municípios. “A dilação do prazo de ressarcimento, no caso de encampação, para até 25 anos traz grave ônus financeiro à contratada”, afirmou. Segundo o ministro, os contratos de concessão de serviços preveem vantagens e encargos recíprocos entre a concessionária e o ente contratante, sendo que o poder concedente pode mudar, de forma unilateral, as regras do contrato, desde que as mudanças sejam em favor do interesse público e para a melhoria do atendimento aos usuários. “Eventual modificação, no entanto, não pode desrespeitar o equilíbrio econômico-financeiro do pacto e as vantagens inicialmente asseguradas à empresa concessionária”, sustentou.

 

Em observância ao ato jurídico perfeito e ao princípio da segurança jurídica, “o poder de modificar unilateralmente o contrato constitui prerrogativa à disposição da administração para atender ao interesse público. E não instrumento de arbitrariedade e fonte de enriquecimento ilícito do estado”, sustentou o relator. Por fim, o ministro ressaltou que “o constituinte estadual legislou em matéria reservada à União”, pois compete a lei federal a regulação de normas gerais sobre licitação e contratações públicas, e concluiu pela inconstitucionalidade do dispositivo da Constituição estadual de São Paulo.

 

Fonte: site do STF, de 19/09/2014

 

 

 

MS não é via adequada para questionar a PEC 33, diz PGR

 

A PGR, em manifestação protocolada nesta quinta-feira, 18, denega a segurança impetrada no STF pelo deputado Carlos Sampaio contra a PEC 33, que trata de alteração na sistemática do controle de constitucionalidade de normas realizado por tribunais e pela Suprema Corte.

 

O MS é relatado pelo ministro Toffoli, que infederiu liminar em 2013 para suspender a tramitação da PEC.

 

O procurador-Geral da República Rodrigo Janot afirma na manifestação que inexiste direito líquido e certo a ser tutelado, “pois o parlamentar não se encontra obrigado a deliberar sobre a proposta de emenda à Constituição”, podendo se abster ou votar contra a proposta, “sem necessidade de intervenção do Judiciário”.

 

“Inadequada a utilização do mandado de segurança como sucedâneo de controle preventivo de constitucionalidade, sob pena de se criar mecanismo de controle abstrato prévio não previsto na Constituição, conferindo a parlamentar prerrogativa não concedida nem mesmo aos legitimados para acionar o controle repressivo de constitucionalidade.”

 

O texto da PEC prevê a necessidade de quatro quintos dos votos dos membros de tribunais ou de respectivos órgãos especiais para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de emendas à Constituição.

 

O parlamentar autor do MS destacou que, de acordo a proposta, “os efeitos da declaração [de inconstitucionalidade de emendas] passariam a depender da aquiescência do Congresso Nacional e, até, de um referendo popular”.

 

Fonte: Migalhas, de 18/09/2014

 

 

 

Salário de membros do MP deve ser divulgado com relação de nomes

 

Os quatro ramos do Ministério Público da União e as unidades de todos os estados do país devem divulgar o salário de seus membros em lista nominal, como forma de transparência. A regra foi aprovada na última sessão do Conselho Nacional do Ministério Público e modifica texto de uma resolução criada em 2012 para regulamentar o uso da Lei de Acesso à Informação nas atividades do órgão.

 

A Resolução 89 já obrigava a divulgação dos salários, mas não deixava claro se os nomes de promotores, procuradores e demais servidores precisavam aparecer. Isso dava margem para que MPs informassem apenas a matrícula dos membros, por exemplo. Segundo o conselheiro Leonardo de Farias Duarte, relator da proposta, o efeito prático da medida é reduzido, pois a indicação nominal já é adotada pela maioria dos órgãos.

 

Embora o tema tenha gerado controvérsia no plenário do CNMP, a alteração do texto venceu por maioria de votos. “Havia receio de que isso pudesse estimular alguma prática criminosa perante algum membro. No entanto, a experiência demonstrou que esse receio não se justifica, pois o Judiciário já adotou esse critério e não se tem notícia de nenhum juiz que tenha sofrido qualquer tipo de violência ou risco à sua integridade física porque a informação foi disponibilizada”, afirma Duarte (foto).

 

“Quem está no serviço público deve prestar informações. É natural que haja esse avanço a fim de que a informação seja oferecida de forma mais objetiva, mais clara e mais fácil a qualquer interessado”, diz o conselheiro. A ideia foi apresentada em setembro de 2013 pelo ex-conselheiro Mario Bonsaglia, hoje subprocurador-geral da República.

 

Fonte: Conjur, de 18/09/2014

 

 

 

Candidato que ganha direito a vaga precisa ser avisado sobre nomeação

 

O candidato que ganha na Justiça o direito de ser nomeado para cargo público não precisa ficar vigiando os órgãos de publicação oficial em busca de sua nomeação, mesmo que não haja previsão expressa de comunicação pessoal no edital do concurso ou na decisão judicial. Com este entendimento unânime, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mandou o estado fazer nova nomeação de um candidato aprovado no concurso para o magistério, desta vez com a devida comunicação pessoal.

 

Embora tenha sido condenado a fazê-lo, com decisão transitada em julgado, o estado alegou que o autor não atentou para o Diário Oficial, deixando de atender as formalidades de nomeação, o que inviabilizou sua contratação no serviço público.

 

‘‘Note-se como é curioso e peculiar o caso ora em julgamento: o estado do Rio Grande do Sul, notório recalcitrante no cumprimento de decisões judiciais, que detém impressionante passivo de precatórios, inadimplidos por cerca de uma década, pretende furtar-se ao cumprimento de decisão judicial sob o argumento de que a cumpriu, aqui, antes mesmo de ser solicitada a execução da sentença, e que o candidato é que se desinteressou no provimento da vaga (a qual, de resto, somente foi reconhecida judicialmente, em processo iniciado em 2010)’’, escreveu no acórdão o relator do caso no TJ-RS, desembargador Eduardo Uhlein.

 

Entretanto, conforme o relator, cabia ao Estado — que está sendo executado — comprovar o fiel cumprimento do julgado, para atender o disposto no artigo 14 do Código de Processo Civil. O dispositivo diz que, no embate judicial, as partes têm de proceder com lealdade e boa fé, cumprindo com exatidão os provimentos mandamentais.

 

Na sua visão, o processo judicial e a execução da sentença não podem ser transformados num jogo, em que movimentos rápidos ou dissimulados são admitidos para desconcertar o adversário ou obscurecer o direito e a coisa julgada. "Assim, se já não fosse bastante o dever de lealdade, boa fé objetiva e transparência impositivos à Administração Pública, há a necessidade de que os atos do processo sejam fielmente executados", arrematou no acórdão, lavrado na sessão de 21 de maio.

 

O caso

 

O autor contou à Justiça que o estado do Rio Grande do Sul não providenciou sua nomeação para o cargo de professor do quadro de carreira do magistério público estadual, após ter sido aprovado num concurso que expirou em setembro de 2007. Disse que sua nomeação vem sendo preterida em razão das contratações temporárias para o cargo. Na ação ordinária, datada de abril de 2010, pediu sua imediata nomeação e, ainda, indenização correspondente aos dias em que deveria ter desempenhado suas funções como nomeado.

 

O Estado se defendeu. Preliminarmente, alegou a decadência do direito, em vista do prazo de validade do concurso já ter expirado. Disse que a nomeação dos aprovados obedece ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública; ou seja, trata-se de ato discricionário. Sustentou que o provimento de cargo público é ato de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo, nos termos do artigo 84, inciso XXV, da Constituição Federal.

 

Em sentença proferida em outubro de 2011, a juíza Eliziana da Siveira Perez, da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, acolheu a preliminar de decadência e julgou improcedente a demanda.

 

Virada no tribunal

 

Inconformado, o autor entrou com Apelação na 4ª Câmara Cível. De início, o relator do recurso, desembargador Eduardo Uhlein, citou a Súmula 41 do TJ-RS para afastar a preliminar de decadência quinquenal. "Somente após o término do prazo de validade do concurso público é que se inicia o prazo para o exercício de ação em que o candidato busca o direito subjetivo à nomeação, em razão de omissão da administração", registra a jurisprudência, assentada na corte desde 13 de abril de 2012.

 

Na análise de mérito, o relator observou que as contratações emergenciais, em muito maior número do que a classificação ordinária do autor no certame, evidenciam sua preterição. Neste caso, destacou, a mera expectativa de direito se converte em direito subjetivo à nomeação, conforme reconhece a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

 

O relator negou, entretanto, o pedido de pagamento de indenização a título de danos morais, por não ter vislumbrado qualquer tipo de sofrimento em razão da não-nomeação do autor. "Por outro lado, inviável cogitar-se de indenização dos valores correspondentes aos dias em que o autor deveria ter desempenhado suas funções. Ora, em não tendo havido efetivo exercício, não há que se falar, evidentemente, em contraprestação pecuniária por trabalho não realizado", anotou no acórdão, lavrado em julho de 2012.

 

Assim, o colegiado deu parcial provimento ao recurso para determinar que o estado do Rio Grande do Sul proceda à nomeação no cargo de professor, nas disciplinas em que foi aprovado. A decisão transitou em julgado outubro do mesmo ano.

 

Cumprimento da decisão: novo combate

 

Intimado pelo juízo de origem a demonstrar a posse efetiva do autor, o estado informou que a nomeação fora tornada sem efeito em maio de 2013, sob a alegação de que este deixou de comparecer à Secretaria de Educação para realizar os atos imprescindíveis a sua contratação. Comprovou com a publicação, no Diário Oficial do Estado, do ato derrubando a nomeação.

 

Assim, em despacho de 14 de janeiro de 2014, a juíza Márcia Kern Papaleo chancelou o procedimento administrativo de nomeação do autor adotado pelo estado. Conforme a juíza, cumpria ao autor acompanhar as publicações oficiais e informar-se acerca do processo. Observou, também, que a decisão proferida pelo TJ-RS não fez qualquer menção no sentido de ser procedida também a notificação pessoal, de modo a dar ciência da nomeação.

 

"O estado procedeu nos ditames da lei, nomeando o autor, em cumprimento à decisão do TJ, e tornou público tal ato através da publicação no DOE. Não há, pois, compelir o demandado a agir de forma diversa, vez que atuou da forma prevista no Edital do Concurso", escreveu no despacho, citando jurisprudência de apoio.

 

Como não conseguiu o efeito suspensivo da medida, o autor impetrou Agravo de Instrumento na mesma câmara cível. No recurso, afirmou que foi orientado, pela Secretaria da Educação, a aguardar o contato de sua coordenadoria. Disse que não recebeu qualquer comunicação a respeito da nomeação, o que demonstra a afronta ao princípio da publicidade do ato administrativo. Tanto que o estado deixou de afixar o ato de nomeação nos painéis existentes para este fim nas respectivas Coordenadorias Regionais de Educação e na Divisão de Porto Alegre, do Departamento de Coordenação das Regionais.

 

No Agravo, pediu a concessão do efeito suspensivo e, ao final, que o estado seja compelido a realizar novo ato de nomeação, mediante comunicação prévia, para possibilitar a sua posse no cargo. O pedido foi atendido.

 

Fonte: Última Instância, de 18/09/2014

 

 

 

A guerra fiscal do IPVA

 

Muitos brasileiros já vivenciaram a seguinte situação: residir em uma localidade, utilizar o veículo automotor adquirido no mesmo local e, tempos depois, passar a residir em outra cidade sem promover a transferência da placa de seu veículo para a nova residência.

 

À parte dos casos daqueles que não "regularizam" a situação, talvez por vicissitudes da vida cotidiana, é de conhecimento geral a existência de inúmeras empresas que emplacam seus automóveis em determinado Estado da federação, cujo IPVA é mais benéfico, e circulam com os veículos em localidade diversa: aumentam-se os congestionamentos e todas as externalidades negativas trazidas pelos carros, sem que haja a contrapartida do pagamento do imposto para o local onde efetivamente circulam e mantêm domicílio.

 

No dia 20 de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da discussão relativa ao "local a ser pago o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, se em favor do Estado no qual se encontra sediado ou domiciliado o contribuinte, ou onde registrado e licenciado o veículo automotor cuja propriedade constitui fato gerador do tributo" (ARE 784.682/MG). Isso significa que a decisão a ser futuramente tomada pelo Supremo refletirá em incontáveis relações fático-jurídicas que se encaixam em tais premissas.

 

Em face da inércia legislativa, o Supremo mais uma vez toma as rédeas da situação e assume o papel de legislador positivo

 

Nas palavras do ministro Marco Aurélio, relator do caso, está em curso uma verdadeira guerra fiscal envolvendo o IPVA, ainda que esta envolva números bem mais modestos do que os relativos à batalha do ICMS.

 

Por mais que a questão transpareça, para alguns, discussão jurídica prosaica, o tema transborda os limites estanques do direito positivo e busca os liames fáticos das situações jurídicas. Há casos que chegam a ser "grosseiros": imagine-se, hipoteticamente, uma empresa que possua cinco mil veículos em sua frota, todos emplacados em determinado Estado, mas que circulam, na prática, em outra unidade federativa.

 

A solução para tais situações, não obstante a complexidade fática da questão, seria relativamente simples. Nos termos da Constituição, todos os impostos devem ser disciplinados por normas gerais, editadas pela União na forma de leis complementares. O objetivo, aqui, é assegurar certa uniformidade na instituição e cobrança de tais exações, além de minimizar potenciais conflitos entre os entes da federação. Com o IPVA, não seria diferente: a Constituição exige uma lei complementar que lhe trace os contornos mínimos, tais quais fato gerador, base de cálculo e contribuintes. Em face dela e dos parâmetros ali estabelecidos, os Estados poderiam exercer sua competência para a criação do imposto.

 

Contudo, em que pese ter a Constituição mais de 25 anos, nosso ordenamento jurídico não possui tal norma para fins do IPVA. Como resultado, temos a chamada "competência legislativa plena" dos Estados: isso significa que cada ente federativo pode editar sua própria norma, estabelecendo o critério espacial do IPVA, independentemente de observar um padrão geral e uniforme. Nesse caso, cada Estado observa seu próprio interesse arrecadatório, sem se preocupar com o todo que a Federação representa.

 

Nesse contexto, em 2008, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 13.296, estabelecendo que o IPVA "será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado" (art. 4º) e que "em se tratando de veículo de propriedade de empresa de arrendamento mercantil (leasing), o imposto será devido no local do domicílio ou residência do arrendatário, nos termos deste artigo" (art. 4º, parágrafo 6º).

 

Tais dispositivos, por si só, denunciam o possível conflito do IPVA paulista com o de outros Estados: ao utilizar como critério a residência ou domicílio do contribuinte, pode-se ter o descolamento entre o local em que o veículo circula e aquele em que o bem foi licenciado, exatamente como ocorre no caso cuja repercussão geral foi reconhecida. Fica muito evidente a tentativa do Estado de São Paulo de barrar as fraudes que tão frequentemente se veem nas ruas de sua capital. Diversos dispositivos dessa lei são alvo da ação direta de inconstitucionalidade nº 4.376, pendente de julgamento. A depender de como o tema se encaminhe no Supremo, o julgamento da ação, que teve a repercussão geral reconhecida, poderá influenciar no resultado dessa ADI.

 

Temos hoje, portanto, um quadro que estimula não apenas a guerra fiscal que atualmente vivenciamos, como, também, esquemas fraudulentos de licenciamento de veículos. Ademais, um outro argumento que não deve se perder de vista é que, ainda que o IPVA seja um imposto estadual, 50% de sua arrecadação é destinada ao município no qual o veículo foi licenciado. Sendo assim, como coordenar determinações legais - tais quais as questionadas no Supremo - com a necessidade de se destinar receitas a esses municípios? Distanciar o local de recolhimento do imposto do município que promoveu o licenciamento certamente resultará em perda de autonomia financeira municipal, dado o menor repasse a tais localidades. Eis aqui um outro problema que se coloca no rodamoinho desta disputa e sobre o qual o Supremo não poderá se furtar de considerar ao tomar a decisão.

 

Reitere-se, portanto, a urgência de se resolver o tema por meio de medida legislativa: uma lei complementar da União que estabelecesse os critérios de incidência do IPVA daria conta de sanar todas as dificuldades e incongruências jurídicas que hoje se vivência em torno do tema. Entretanto, em face da inércia legislativa motivada pela dificuldade política da questão, o Supremo mais uma vez toma as rédeas da situação e assume o papel de legislador positivo.

 

Tathiane Piscitelli e L´Inti Faiad são, respectivamente, professora do mestrado profissional da FGV Direito SP e mestrando em direito na USP; participante do grupo de estudos do Núcleo de Direito Tributário Aplicado e Desenvolvimento do mestrado profissional da FGV Direito SP

 

Fonte: Valor Econômico, de 19/09/2014

 

 

 

Munus público da advocacia é respeito ao cidadão e interesses da sociedade

 

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, reconhecendo o seu exercício como fundamental para a prestação jurisdicional.

 

A Carta Magna consagrou ao advogado um caráter essencial na dinâmica judiciária, sendo ele o elo entre o cidadão e o efetivo acesso à justiça, com base nos fundamentos constitucionais do direito de defesa, do contraditório e do devido processo legal[1].

 

Ao postular em nome do cidadão, o advogado não exerce apenas uma atividade profissional. A atuação de forma independente e desvinculada dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tem o nobre papel de contribuir com a manutenção e fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Ensina o professor José Afonso da Silva que “a advocacia não é apenas uma profissão, é também um munus, é a única habilitação profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Poder Judiciário”[2].

 

Nessa esteira, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994) reforça a indispensabilidade do advogado e a função social que exerce, conforme previsão do artigo 2º, caput, e parágrafos 1º e 2º, que afirmam:

 

Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da Justiça.

 

§ 1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

 

§ 2º. No processo judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

 

Foi atribuído ao exercício da advocacia um caráter de serviço público, mesmo quando exercido em seu ministério privado. Significa dizer que a atividade prestada pelo advogado não interessa de forma restrita às partes de um determinado processo ou procedimento. O seu alcance é muito maior e atinge toda a sociedade. Nas palavras de Paulo Lôbo, “o advogado realiza a função social quando concretiza a aplicação do direito (e não apenas da lei) ou quando obtém a prestação jurisdicional e quando, mercê de seu saber especializado, participa da construção da justiça social”[3].

 

O advogado, ao extrapolar seus interesses profissionais e particulares, postulando perante o Judiciário em nome do cidadão, está investido de função pública, uma vez que “é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função social que exerce”, conforme preceitua o artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Conforme esclarece Ruy de Azevedo Sodré:

 

“O advogado exerce função social, pois ele atende a uma exigência da sociedade. Basta que se considere o seguinte: sem liberdade, não há advocacia. Sem a intervenção do advogado, não há justiça, sem justiça não há ordenamento jurídico e sem este não há condições de vida para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado é condição imprescritível para que funcione a justiça. Não resta, pois, a menor dúvida de que o advogado exerce função social”[4].

 

Dessa forma, o exercício da advocacia é pautado pela busca da concretização dos interesses públicos, ou seja, de toda a coletividade, visando garantir o acesso à justiça em seu sentido mais amplo, e não restrita ao judiciário. Eis a função social da advocacia, “a sua mais importante e dignificante característica”[5].

 

E para bem cumprir o importante papel que lhe foi dado constitucionalmente, o advogado deve exercer com liberdade e igualdade a sua função social. Importa dizer que inexiste uma hierarquia ou gradação entre as diversas carreiras jurídicas, conforme assegura o artigo 6º do Estatuto da Advocacia e da OAB: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: 

 

“ADMINISTRATIVO - ADVOGADO - DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PUBLICAS - (LEI 4215 - ART. 89, VI, C). A advocacia é serviço público, igual aos demais, prestados pelo estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco, é auxiliar do juiz. Sua atividade, como "particular em colaboração com o Estado" é livre de qualquer vínculo de subordinação para com Magistrados e agentes do Ministério Público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art.89, VI, "C" da Lei n. 4215/63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele - basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida.” (RMS 1.275/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 05/02/1992, DJ 23/03/1992, p. 3429) – grifo nosso.

 

A advocacia está incluída no Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal, que cuida das funções essenciais à justiça, ao lado do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública. No entendimento de Eduardo C. B. Bittar:

 

“Se a advocacia é imprescindível para o exercício da jurisdição e para a ministração e efetivação da justiça, o mesmo há de se dizer quanto às carreiras públicas da advocacia. É nesse ponto que cabe seja ressaltada a atuação de órgãos públicos que, por sua essencialidade no que tange à prestação jurisdicional e ao equilíbrio entre os poderes do Estado, devem conviver harmônica e conjuntamente para a efetivação do escopo jurídico-democrático”[6].

 

As instituições previstas nas funções essenciais à justiça, que interagem de forma conjunta e harmônica, são o meio efetivo de todo processo de concretização da justiça e exercem, de forma substancial, atividades privativas da advocacia. E aqui, cabe destacar especificamente o exercício da advocacia pública como espécie do gênero da advocacia.

 

Estabelece o artigo 3º, parágrafo 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB:

 

Art. 3º, § 1º. Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração direta e fundacional.

 

Entende-se por advocacia pública a atuação do advogado junto ao Poder Público, visando a orientação e controle do exercício da atividade estatal e a defesa jurídica do Estado em juízo ou fora dele. Define o artigo 1º do Provimento 114/2006-CFOAB que “a advocacia pública é exercida por advogado inscrito na OAB, que ocupe cargo ou emprego público ou de direção de órgão jurídico público, em atividade de representação judicial, de consultoria ou de orientação judicial e defesa dos necessitados”.

 

Para o exercício da advocacia, os profissionais que integram a Advocacia-Geral da União, a Defensoria Pública, as Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos estados, do Distrito Federal, dos municípios, e respectivas autarquias públicas, autarquias e fundações, são obrigados à inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e estão sujeitas, também, às normas previstas no Estatuto, no Regulamento e no Código de Ética. Segue jurisprudência da OAB nesse sentido:

 

“Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime do Estatuto da OAB, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União. A postulação perante órgão judiciário e as funções de direção, assessoria e consultoria jurídicas configuram atividade própria de advogado, que integra o tripé da administração da Justiça, ao lado do magistrado e do membro do Ministério Público. Inteligência compreensiva do artigo 133, da Constituição Federal.” (Conselho Federal, Pleno, Proc. CP n. 3.739/93, Ac. CP n. 06/93, Rel. Cons. Paulo Luiz Neto Lôbo – Jornal do Conselho Federal, OAB, n. 35, p. 14, jan./fev. 1994) – grifo nosso.

 

A advocacia, seja pública ou exercida por profissional liberal, tem como finalidade a defesa do interesse público e está associada ao atendimento de encargos coletivos e de ordem social que resultem de forma efetiva no acesso à justiça. Ou seja, ao exercer as suas atividades, o advogado o faz em atendimento de um interesse da sociedade. Ressalta Benedito Calheiros Bonfim:

 

“É preciso formar consciência de que a advocacia é atividade político-jurídica, possui múnus público, conteúdo ético, político e social, constitui uma forma de participação, de inserção da comunidade, de opção de justiça, de luta pelo direito e pela liberdade, de tutela dos interesses da sociedade, de defesa dos valores jurídicos e princípios fundamentais dos direitos dos homens e da dignidade do trabalho”[7].

 

Faz-se necessário um novo olhar sobre o conceito do múnus público atribuído à advocacia, dada a sua importância no mundo jurídico. Em que pese ser de conhecimento geral que múnus quer dizer “encargo, emprego ou função”, no conceito dado por Paulo Lôbo “múnus público é o encargo a que se não pode fugir, dada as circunstâncias, no interesse social”[8], a doutrina é tímida quanto ao assunto.

 

Muito mais que “encargo, emprego ou função”, que obriga o advogado a “observar os princípios da ética profissional; a exercer a profissão com zelo, probidade, dedicação e espírito cívico; a aceitar e exercer, com desvelo, os encargos cometidos pela Ordem dos Advogados, pela Assistência Judiciária ou pelos juízes competentes”[9], o múnus público atribuído à profissão do advogado empresta uma  densidade valorativa que o desloca do significado comum do termo, com uma dimensão constitucional de indispensabilidade que o projeta e vincula diretamente à efetivação dos direitos, princípios e postulados contidos no núcleo pétreo da Constituição da República. A luta pela justiça está intrínseca em cada ato do exercício da advocacia, focado na defesa da cidadania, da liberdade e da democracia, colocando o advogado como protagonista indispensável da prestação jurisdicional.                      

 

Daí a motivação e inspiração para a assertiva “advogado valorizado, cidadão respeitado.

 

Toda advocacia, por essência, é pública, em razão da função social que o advogado exerce. Não é a natureza da personalidade jurídica do constituinte ou empregador que torna a advocacia pública ou privada. Essa classificação não existe. A adjetivação de advocacia pública ou liberal é apenas uma identificação quanto ao exercício da atividade, sem nenhuma qualificação ou classificação. O cliente, se ente público ou não, não tem o condão de diferenciar ou imprimir maior importância ao advogado que o representa. A advocacia é una, e o seu exercício tem como finalidade maior garantir, de forma ampla e irrestrita, o efetivo acesso à justiça.

 

Nesse quadrante de contextualização, o respeito e fortalecimento ao conjunto de normas que instrumentalizam o exercício da advocacia, em especial as contidas nos artigos 6º e 7º da Lei de 8.906/94 — Estatuto da Advocacia e da OAB, pela dimensão de seu múnus público, não significa nenhum privilégio para o advogado, mas, essencialmente, um respeito ao cidadão e aos interesses da sociedade.

 

[1] Art. 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

 

[3] LOBÔ, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

[4] SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. 4 ed. São Paulo: LTr, 1991.

 

[5]  LOBÔ, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

[6]  BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

[7]  BONFIM, Benedito Calheiros. A crise do direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998.

 

[8]  LOBÔ, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

[9] SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. 4 ed. São Paulo: LTr, 1991.

 

Antonio Oneildo Ferreira é diretor tesoureiro do Conselho Federal da OAB.

 

Fonte: Conjur, de 18/09/2014

 

 

 

Comunicado do Centro de Estudos

 

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Clique aqui para o anexo 2

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 19/09/2014

 
 
 
 

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