18
Ago
15

STJ define prazo para execução de ação coletiva

 

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu recentemente uma decisão que afeta os consumidores. Os ministros entenderam que o prazo de prescrição de processo individual que busca benefício obtido em ação civil pública começa a correr com a publicação em Diário Oficial da decisão final, contra a qual não cabe mais recurso. Para os ministros, não é preciso aguardar publicação em jornal, por exemplo.

 

Não é incomum consumidores perderem o prazo para entrar com execução de ação civil pública, segundo Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. "Essas ações demoram tanto que as pessoas mudam de endereço ou até não sabem mais quem procurar na associação", diz. Assuntos relevantes são discutidos por meio dessas ações – como a correção monetária das poupanças em planos econômicos.

 

Depois da decisão em ação civil pública, o beneficiado tem um prazo para entrar com a execução. No recurso julgado pelo STJ, eram cinco anos. Mas o tempo pode variar de acordo com a matéria em questão, segundo a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, do Lescher Lefèvre Advogados Associados.

 

A decisão da 1ª Seção, dada em recurso repetitivo, terá efeito em todas as ações civis públicas, de acordo com a advogada. O entendimento beneficia os bancos nas execuções referentes aos planos econômicos, por exemplo. "A prescrição é discutida nas execuções individuais. É algo que os bancos alegam", afirma.

 

O processo analisado pela 1ª Seção envolve ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público (MP) do Paraná, pela qual pediu a revisão de pensões por morte de pessoas "hipossuficientes". Em abril de 2002, foram publicados editais no Diário Oficial sobre o trânsito em julgado da sentença contra o Estado.

 

Em maio de 2010, após a publicação de reportagem sobre a ação civil pública, uma beneficiada propôs ação de execução contra o Estado. Como o direito foi declarado prescrito, ela recorreu ao STJ.

 

Para ela, a prescrição estaria em contradição com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O artigo 94 do código determina que o marco inicial da prescrição deve ser contado a partir da "publicidade efetiva da sentença", o que, de acordo com o MP, só seria possível com a divulgação em meios de comunicação de massa.

 

Ao analisar o caso, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, considerou que a ampla publicidade seria dada com a publicação em jornais de grande circulação. Para o magistrado, o Diário Oficial não tem apelo popular.

 

No entanto, prevaleceu o voto divergente do ministro Og Fernandes. O magistrado observou que o artigo 94 do CDC não estabelece como deve ser feita a divulgação do resultado de um julgamento. "Não é possível suprir a ausência de previsão legal de ampla divulgação midiática sem romper a harmonia entre os poderes", diz.

 

Aguardar a publicação em jornais, por exemplo, poderia criar insegurança jurídica, segundo Karina Penna Neves, sócia do Innocenti Advogados. "A decisão do STJ organiza a situação. O consumidor poderia alegar que ficou sabendo pela imprensa em qualquer data", afirma a advogada, que representa consumidores em muitas causas. De acordo com Karina, a beneficiada até poderia tentar recorrer, mas dificilmente teria um meio hábil para alterar o entendimento.

 

Com o posicionamento, o STJ prestigiou o Diário Oficial, veículo por excelência de divulgação das decisões oficiais, segundo Marcus Vinicius Vita Ferreira, do Wald e Associados Advogados. No entanto, o advogado ressalta que não é o meio mais popular para os consumidores. Por isso, as associações de defesa dos consumidores poderiam dar ampla divulgação às ações coletivas de interesse de seus beneficiados. "Não é uma obrigação do Judiciário. As pessoas têm que prestar atenção no andamento do processo e buscar informação nas associações", diz.

 

Com a decisão, a 1ª Seção firmou a tese de que o prazo prescricional para a execução individual é contado a partir do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a publicação indicada no artigo 94 da Lei nº 8.078, de 1990.

 

Procurado pelo Valor, o Ministério Público do Estado do Paraná informou que ainda não foi intimado da decisão.

 

Fonte: Valor Econômico, de 18/08/2015

 

 

 

ADI questiona normas sobre cobrança de ICMS em Minas Gerais

 

O partido Solidariedade (SD) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5363) para questionar dispositivos do Decreto nº 43.080/2002, com redação dada pelos artigos 1º e 2º do Decreto Estadual 45.515/2010 e pelo artigo 1º do Decreto Estadual 46.354/2013, de Minas Gerais, que regulamenta a cobrança de ICMS no Estado. De acordo com a ADI, dispositivos do decreto estadual estabeleceram créditos presumidos e reduções de bases de cálculo de ICMS apenas aos residentes no Estado de Minas Gerais, e estabeleceram regimes de substituição tributária para as mercadorias advindas de outros estados sem tais benefícios.

 

O Solidariedade alega afronta ao artigo 152 da Constituição Federal, que diz que “é vedado aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”. Na ADI 5363, o partido pede a concessão de medida cautelar para a suspender a eficácia dos dispositivos do Decreto nº 43.080/2002, que discriminam a cobrança de ICMS pela procedência, visto que limitaram sua incidência aos residentes no Estado de Minas Gerais. O relator da ação é o ministro Luiz Fux.

 

Fonte: site do STF, de 17/08/2015

 

 

 

STJ vai aguardar decisão do STF para julgar correção de precatórios

 

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu na última quarta-feira (13/8), por maioria de votos, sobrestar o julgamento dos recursos especiais que tratam da incidência de correção monetária e juros de mora em condenações impostas à Fazenda Pública. Os recursos estão submetidos ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recursos repetitivos).

 

Os processos discutem a legitimidade do artigo 1º-F da Lei 9.494/97 (redação dada pela Lei 11.960/09) para fins de atualização monetária e compensação da mora, com previsão de aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança.

 

O tema foi levado a julgamento, mas o relator, ministro Mauro Campbell Marques, entendeu pelo sobrestamento dos recursos em virtude de a mesma matéria estar pendente de apreciação no Supremo Tribunal Federal.

 

Repercussão geral

 

Em 2013, o STF declarou inconstitucional o regime especial de precatórios instituído pela Emenda 62, que possibilitou aos estados e municípios o parcelamento de suas dívidas em até 15 anos. A decisão também declarou que parte do artigo 1º-F da Lei 9.494 é inconstitucional.

 

Apesar dessa declaração de inconstitucionalidade, a decisão que reconheceu a existência de repercussão geral do tema, no âmbito do STF, consignou que a questão relativa à atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, em momento anterior à expedição do requisitório, não foi objeto de pronunciamento expresso daquele tribunal.

 

Agora, em repercussão geral, o STF vai se posicionar sobre a constitucionalidade do artigo 1º-F para atualização do valor das condenações impostas à Fazenda Pública, e por isso o ministro Campbell considerou prudente aguardar essa definição. Segundo ele, ainda que o STJ julgasse o recurso repetitivo, o recurso extraordinário constante do mesmo processo ficaria à espera da posição do STF. A submissão dos recursos ao regime do artigo 543-C do CPC foi mantida.

 

Fonte: Assessoria de Imprensa do STJ, de 17/08/2015

 

 

 

STF contra os recursos abusivos

 

A ministra Cármen Lúcia aposta na disposição do Supremo Tribunal Federal de inibir os recursos protelatórios, expedientes cuja finalidade não é o direito de defesa, mas a criação de embaraços para obter a prescrição dos crimes.

 

Em entrevista à Folha, neste domingo (16), Cármen Lúcia afirmou: “Vejo a tendência de que a presteza dê à sociedade a certeza de que quem estiver correto, será absolvido em prazo curto, e o condenado, idem. Por outro lado, o processo tem sua fase de amadurecimento que não é bem percebida pelo cidadão. ‘Já votou uma vez, por que votar de novo?’ Tenho de garantir o direito à defesa, mas com celeridade”.

 

Em longo artigo sob o título “História sem fim“, o procurador da República Vladimir Aras registrou recentemente em seu blog duas iniciativas da ministra –uma frustrada, outra bem-sucedida– no sentido de conter os recursos que se multiplicam para postergar e frustrar a decisão da Justiça.(*)

 

A primeira tentativa ocorreu em 2009, quando Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Menezes Direito ficaram vencidos no julgamento do Habeas Corpus 84.078/MG.

 

“Nesse leading case, o STF deu uma derrapada: vedou a execução de decisão penal condenatória na pendência de recursos especial ou extraordinário e, com isso, fomentou a notória indústria dos agravos e dos embargos de declaração encadeados, enfileirados e sem fim. São os elos de uma corrente usada para amarrar a Justiça, frustrar as vítimas, desesperançar a sociedade e manietar o Ministério Público“, afirma Aras.

 

Naquele julgamento, formaram a maioria os ministros Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Eros Grau, Marco Aurélio e Celso de Mello.

 

“Depois de iludir-se pelo canto mavioso das sereias do Direito no HC 84.078/MG, aos poucos a Corte vem recobrando o tino e reconhecendo o erro que cometeu em 2009“, comenta o procurador.

 

Vladimir Aras aplaude o “admirável mea culpa” de Gilmar Mendes, reconhecido em entrevista que o ministro concedeu ao “Conjur“, em julho último. Questionado se examinava a hipótese de antecipação da pena após a manutenção da condenação na segunda instância, Mendes respondeu:

 

“Sim, nós tínhamos uma jurisprudência sólida, consolidada, que permitia a execução da pena já com a decisão de segundo grau. Depois, a partir de um impulso, uma proposta trazida pelo ministro Cezar Peluso, revertemos essa orientação, entendendo que era preciso trânsito em julgado. E parece que a ortodoxia deveria rezar nesse sentido. Mas, se examinarmos os casos concretos, em geral, vamos ver que cada vez mais se afigura difícil chegar ao trânsito em julgado, e até que essa jurisprudência estimulou bastante os expedientes para dificultar o trânsito em julgado, com reiterados embargos de declaração, por exemplo, com reiterados recursos de nítido caráter protelatório, quando já se sabe que não vai mudar a jurisprudência, a decisão que já foi fixada“.

 

A segunda iniciativa da ministra Cármen Lúcia ocorreu em 2013 e foi assim comentada por Aras:

 

“Uma das primeiras reações da Corte Suprema a essa prática latitante e morosa –-que busca a prescrição por meio do abuso recursal-– veio com a decisão da ministra Cármen Lúcia na Ação Penal 396/RO, que, em junho de 2013, determinou a antecipação do trânsito em julgado da condenação do ex-deputado Natan Donadon, mesmo na pendência de embargos de declaração, tidos como protelatórios. O direito de recorrer é sagrado; o abuso desse direito não.”

 

Merecem registro duas outras decisões do Supremo –pois vão na mesma direção no sentido de fechar a porteira para expedientes procrastinatórios.

 

Em janeiro de 2013, a Segunda Turma do STF rejeitou, por unanimidade, embargos de declaração em habeas corpus impetrado pelo ex-desembargador Paulo Theotonio Costa –afastado do TRF-3, condenado por corrupção passiva–, e “determinou a imediata remessa dos autos à origem, nos termos do voto do relator”. Ou seja, o Supremo mandou baixar os autos ao Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da publicação do acórdão.

 

Na época, essa decisão do relator, ministro Gilmar Mendes, surpreendeu o Ministério Público Federal, que criticava os recursos da defesa para evitar a prisão do magistrado.

 

Em 5 de novembro de 2014, por unanimidade, o plenário do Supremo manteve a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que decretara o trânsito em julgado numa das ações contra Luiz Estevão, determinando a prisão do ex-senador.

 

Ao rejeitar duas questões de ordem levantadas pela defesa, vários ministros elogiaram a decisão do relator, reconhecendo o caráter procrastinatório desses recursos, que tinham o objetivo de alcançar a prescrição e evitar o cumprimento da pena.

 

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(*) https://blogdovladimir.wordpress.com/2015/08/01/historia-sem-fim/

 

Fonte: Blog do Fred, de 17/08/2015

 

 

 

STF deve rever decisão que aceitou estados como amicus curae na ADI 5.296

 

Por Márcia Maria Barreta Fernandes Semer

 

Desde seu ajuizamento, em abril de 2015, a ADI 5.296 proposta para questionar a constitucionalidade da autonomia atribuída pela EC 74/2013 à Defensoria Pública da União já agrega doze pedidos de ingresso como amicus curiae.

 

Tamanho interesse de entidades e órgãos no feito demonstra, inequivocamente, a repercussão causada pela iniciativa equivocada — a nosso juízo — da presidente, assim como a importância e o prestígio conquistados pela Defensoria Pública no cenário das instituições de Estado essenciais à Justiça no Brasil.

 

Dos doze pedidos de ingresso como amicus curiae apresentados perante o Supremo Tribunal Federal três particularmente chamam a atenção e merecem de fato o olhar atento dos operadores do direito.

 

Referimo-nos aos pedidos de ingresso como amicus curiae subscritos pelos procuradores-gerais dos estados de São Paulo, Espírito Santo e Acre, apresentados em abono à tese federal, mas utilizados também para sugerir ou suscitar, ainda que por via oblíqua, a inconstitucionalidade da autonomia das defensorias estaduais, derivada da EC 45/2004.

 

No trecho que segue, constante em idêntico teor nas peças deduzidas por São Paulo e pelo Acre, o propósito é evidente:

 

“Não obstante a questão tratada nessa ADI refira-se a servidores federais e do Distrito Federal, o Estado de São Paulo/do Acre tem total interesse na discussão nela presente, na medida em que Emenda à Constituição pode, no futuro, vir a tratar de servidores estaduais, matéria cuja iniciativa legislativa é privativa do Governador do Estado.

 

A título de exemplo, consigne-se que a Emenda à Constituição Federal nº 45, de 2004, também de iniciativa parlamentar, ao incluir o § 2º ao art. 134 da Constituição Federal, tratou de regime jurídico de uma categoria de servidores estaduais, matéria reservada ao Governador do Estado.”

 

A iniciativa paulista de pleitear o ingresso como amicus curiae — levada a efeito no dia 19 de maio, Dia Nacional da Defensoria Pública — provocou imediata reação, repercutida na mídia, tanto por parte das Defensorias Estaduais — o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais dos Estados emitiu nota de repúdio — quanto das entidades representativas dos Defensores Públicos e dos Procuradores do Estado de São Paulo.

 

Os pedidos do Espírito Santo e do Acre, da mesma forma, geraram matérias da revista Consultor Jurídico publicadas nos dias 9 e 17 de agosto, respectivamente.

 

Mas para além da contestação política externada pelos organismos que vêm se manifestando sobre o tema para pôr em relevo a importância de preservação da plena capacidade da Defensoria Pública como instituição fiadora da defesa dos direitos dos hipossuficientes, parece-nos oportuno trazer à reflexão dos operadores do direito a dimensão jurídica dos atos desses procuradores-gerais, porquanto direcionados, ao que tudo indica, à defesa de entendimento contrário e potencialmente prejudicial à higidez do ordenamento consagrado no espaço territorial de seus Estados relativamente às respectivas Defensorias Públicas estaduais.

 

É dever do procurador do estado e por certo também dos procuradores-gerais dos estados a defesa ou proteção do ordenamento jurídico da unidade federativa que representa, assim como é dever do advogado-geral da União a defesa dos atos legais ou normativos federais.

 

No Estado de São Paulo, a autonomia da Defensoria Pública está consagrada na Constituição do Estado (artigo 103, parágrafo 2º, da CE/89, na redação dada pela EC 21/2006) e na Lei Orgânica estadual (LC 988/2006, artigo 7º) desde 2006, decorrendo, ademais, da EC 45/2004.

 

Essa autonomia jamais sofreu questionamento quanto à sua constitucionalidade por parte de quaisquer das autoridades legitimadas para tanto a teor do artigo 103 da Constituição Federal. Situação semelhante vigora no Espírito Santo e no Acre.

 

Afigura-se-nos, portanto, impróprio, indevido, ilegítimo que os procuradores-gerais desses Estados, e de tantos outros em semelhante situação, submetidos que estão ao dever de guarda de um ordenamento inquestionado por quem tem competência para fazê-lo, patrocinem, de per si, seja na Administração, seja em juízo, qualquer ato preordenado a por em questão ou malferir referido atributo institucional da Defensoria Pública.

 

A específica iniciativa dos procuradores-gerais de São Paulo, Espírito Santo e Acre de requerer ao STF o ingresso como amicus curiae dos respectivos Estados na ADI 5.296 para advogar a inconstitucionalidade do processo legislativo que consagrou a autonomia conferida à Defensoria da União pela EC 74/2013, sob a justificativa fundamental de semelhança entre o processo legislativo que resultou na EC 74/2013 e aquele da EC 45/2004 que conferiu autonomia às Defensorias Estaduais, põe em xeque — e essa é nossa compreensão — o interesse jurídico dos Estados que representam na manutenção da ordem legal vigente em seu território, sagradora da autonomia como atributo institucional da Defensoria Pública.

 

Trata-se, portanto, de iniciativa ilegítima, que mereceria ser repelida pelo STF, mediante a não admissão desses Estados no processo em questão. Talvez a ministra Rosa Weber ainda possa rever a decisão de admiti-los, porque efetivamente falta legitimidade aos procuradores-gerais requerentes.

 

De outra parte, patrocinar causa que contraria o interesse jurídico do ente federativo que representa é conduta grave para um advogado público, máxime para um procurador-geral do Estado. Constitui, em princípio e nessa linha de entendimento, uso indevido e abusivo do cargo, manejado em direto desvio de finalidade.

 

Por ofender, ademais, os deveres imanentes à função pública de respeito à legalidade e lealdade às instituições pode ensejar processamento por ato de improbidade (Lei 8.429/92, artigo 11, caput), por crime de responsabilidade e provocar o impeachment, nos termos da Lei 1.079/50, artigo 9.

 

A preservação do Estado Democrático de Direito exige que sejamos atentos aos papéis ou competências atribuídos a cada um dos atores estatais, garantindo que cada qual atue nos estritos limites de suas responsabilidades constitucionais e legais.

 

A repartição de competências ou atribuições é, afinal, o cerne da vida democrática, de modo que a observância ou respeito aos limites daí decorrentes constitui o divisor de águas entre a democracia e a barbárie.

 

O procurador-geral do Estado tem por papel defender as instituições de Estado. Aquele que desborda ou desvia desse caminho, seja lá qual for a motivação, não compreendeu adequadamente o seu lugar no concerto das relações de Estado. E essa compreensão é fundamental para que não se confunda autonomia com independência. A independência é atributo dos Poderes, não das funções essenciais à Justiça.

 

Márcia Maria Barreta Fernandes Semer é procuradora do Estado de São Paulo. Especialista e mestre em Direito do Estado pela Fadusp. Presidente do Conselho Consultivo da Associação Nacional dos Procuradores, integra ainda a Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos da OAB-SP.

 

Fonte: Conjur, de 18/08/2015

 

 

 

Advocacia Pública somente se vincula ao órgão jurídico que a integra

 

Por Allan Titonelli Nunes

 

O Título IV da Constituição regulamentou e disciplinou a Organização dos Poderes, entre o Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Funções Essenciais à Justiça. Entre as Funções Essenciais à Justiça a Carta Magna não fez qualquer menção à prevalência de uma instituição ou órgão, colocando no mesmo patamar o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e a Advocacia stricto senso, cabendo a todos esses órgãos/instituições exercerem a preservação da “Justiça” entre seus deveres mediatos.

 

O capítulo referente às Funções Essenciais à Justiça encontra-se dentro do Título IV, Da Organização dos Poderes. Essa sistematização foi observada para atender os preceitos modernos do Estado Democrático de Direito.

 

Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, sendo necessário adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de Direito.

 

Assim, o Poder Constituinte Originário, atento às lições de Montesquieu, positivou, no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante o que preceitua o artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, da CF/88.

 

Entretanto, o Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia e, necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio, incluiu na Organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à Justiça.

 

Nesse novo capítulo, o Constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.

 

Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, serão concretizados, em parte, por meio das Funções Essenciais à Justiça.

 

Ressalta-se, nesse pormenor, que o papel incumbido à Advocacia Pública não está atrelado ao capítulo referente ao Poder Executivo, tendo em vista que a intenção do Legislador Constituinte ao incluir a Advocacia Pública entre as Funções Essenciais à Justiça foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

 

O Constituinte Originário promoveu, assim, a concentração da atividade contenciosa e de consultoria da administração pública em uma única instituição. No âmbito da União, esse papel é exercido pela Advocacia-Geral da União, e nos Estados e Municípios por suas respectivas procuradorias, privilegiando uma racionalidade administrativa no exercício de tão relevantes funções.

 

Assim, atribui-se à Advocacia Pública o mister de representar judicial e extrajudicialmente os entes federados e prestar assessoria e consultoria jurídica ao Poder Executivo.

 

Representar judicial e extrajudicialmente importa exercer a função de representação do ente nas instâncias administrativas e judiciais. Importa, ainda, fazer a defesa judicial dos três Poderes, o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, bem como os Tribunais de Contas, Ministério Público e os demais órgãos que componham o ente.

 

Prestar assessoria e consultoria ao Poder Executivo é exercer a missão de formatação jurídico-constitucional das políticas públicas desenvolvidas pelo citado poder constitucional, com vistas a assegurar e atender os direitos e garantias fundamentais constitucionais dos cidadãos. Mais concretamente, consiste na orientação jurídica a todas as autoridades administrativas responsáveis pela prática de atos administrativos, pela contratação, pela elaboração de atos normativos, em suma, autoridades incumbidas da materialização de políticas públicas.

 

Do texto constitucional exsurgem o destacado papel e a relevância das funções de representação judicial e extrajudicial e de assessoramento e consultoria, sobretudo em relação à análise prévia da conformidade dos atos administrativos com os interesses públicos insculpidos na Constituição Federal e nas leis.

 

A concentração da representação judicial e extrajudicial da União, dos Estados e dos Municípios em uma única instituição, foi o desenho e a vontade do próprio Constituinte Originário.

 

A subordinação administrativa de membros da Advocacia Pública a órgão não jurídico impõe sensível dificuldade a sua livre atuação. Quais limites do que é administrativo e quais os limites do que é subordinação técnica e jurídica, na prática dificilmente se poderia delimitar com clareza.

 

A situação de subordinação dos membros da advocacia pública a órgão estranho à Advocacia-Geral da União, no caso da União, e estranho às Procuradorias-Gerais dos Estados e Municípios, no caso dos estados e municípios, corrompe o modelo institucional de concentração da atividade de representação judicial e extrajudicial e de assessoramento e consultoria jurídica desenhado pelo Constituinte Originário, no artigo 131, caput e parágrafo 1° da Constituição com relação à União, que, por simetria, deve ser aplicado aos estados e municípios.

 

De outra ponta, somente se autorizou a existência de consultorias ou órgãos de assessoramento independentes da instituição central de representação judicial e extrajudicial e assessoria e consultoria jurídica no caso dos Estados-Membros, ainda assim, apenas aquelas que já existiam quando da promulgação da Constituição, nos termos do artigo 69 da ADCT:

 

“Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.”

 

A propósito, pontuou o ministro Gilmar Mendes que “a exceção prevista no artigo 69 do ADCT indica cabalmente que a tolerância do sistema constitucional para com um modelo descentralizado há de ficar limitada às Consultorias Jurídicas separadas da Procuradoria-Geral existentes na data da promulgação da Constituição” (ADI 1.679-GO).

 

Também manifestou sobre a inconstitucionalidade da dupla vinculação hierárquica o professor de Direito Administrativo e Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gustavo Binenbojm, em parecer sobre o projeto da nova Lei Orgânica da AGU, Projeto de Lei Complementar 205/2012, asseverando[1]:

 

“A previsão de dupla subordinação, contudo, desrespeita a Constituição. Em primeiro lugar, ela afronta textualmente o art. 131, §1º, do Texto Maior, que atribui ao Advogado-Geral da União – e somente a ele – a chefia da Instituição.

 

(...)

A letra expressa do dispositivo é muito clara: as carreiras da Advocacia Pública federal têm como único chefe o Advogado-Geral da União. Note-se que o constituinte não fez restrições. Não limitou a relação de chefia a algumas carreiras da AGU, nem restringiu a que tipo de vínculo ela se estenderia – se técnico ou administrativo. Por evidente, onde ao constituinte originário não ocorreu fazer a distinção, por razões lógicas, sistemáticas e institucionais, não cabe ao legislador infraconstitucional pretender fazê-lo.

 

Assim, não somente os Advogados da União, responsáveis pela representação judicial e extrajudicial do ente federal e pela consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, estão sob o comando do Advogado-Geral da União, como também: os Procuradores da Fazenda Nacional, encarregados da representação da União em causas fiscais e pelo assessoramento e consultoria no âmbito do Ministério da Fazenda; os Procuradores Federais, que atuam na representação judicial, extrajudicial, na consultoria e assessoramento jurídicos das autarquias e fundações públicas federais; e os Procuradores do Banco Central, que se submetem, em última instância, ao Advogado-Geral da União. É o AGU o órgão central de todas as carreiras jurídicas da Advocacia Pública federal brasileira por firme determinação da Constituição.

(...)

 

Mas a violação à Constituição vai além. Ela se revela ainda mais grave sob a ótica dos efeitos que a dupla subordinação pode gerar para o exercício da Advocacia de Estado. É que, como se viu, compete à AGU o exercício da função essencial de compatibilizar as políticas públicas legítimas, definidas por agentes públicos eleitos, ao quadro de possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento jurídico. O desempenho de tal tarefa só é possível com a garantia da autonomia técnica. Ocorre que a subordinação ampla de seus membros a órgãos de cúpula da Chefia do Poder Executivo, ainda que no plano administrativo, prejudica severamente o exercício dessas atribuições.

 

Não há como separar o técnico do administrativo de forma plena, sem que um exerça influência sobre o outro. A autonomia administrativa é instrumento para a autonomia técnica. Se o Advogado Público deve obediência a ordens de Ministros de Estado, e se pode inclusive ser responsabilizado por desrespeito a essas ordens (como se viu a propósito do art. 26, §6º, do PLC), sua esfera de autonomia poderá ser tolhida no momento em que chamado a proferir manifestações técnicas. Estará hierarquicamente vinculado; reduzido em sua vontade e atuação independente. E é justamente esse resultado que o constituinte pretendeu evitar ao conferir à Advocacia Pública o status de função essencial à Justiça.”

 

Resta então claro que o modelo do artigo 131 da Constituição Federal deve se aplicar a todos os entes da federação. Apenas os órgãos jurídicos são responsáveis por superintender e coordenar as atividades dos Advogados Públicos, cujo intuito precípuo de estabelecer as melhores diretrizes para o adequado desempenho de seu múnus não pode violar sua livre atuação em favor do interesse público.

 

Ante esses fundamentos a Comissão Nacional da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB editou a súmula 3:

 

Súmula 3 – A Advocacia Pública somente se vincula, direta e exclusivamente, ao órgão jurídico que ela integra, sendo inconstitucional qualquer outro tipo de subordinação.

 

[1] Disponível em: < http://s.conjur.com.br/dl/parecer-gustavo-binenbojm-projeto.pdf> Acesso em: 20.07.2015.

 

Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional, membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública da OAB, ex-presidente do Fórvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.

 

Fonte: Conjur, de 18/08/2015

 
 
 
 

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