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SP paga R$ 440 mi em precatórios

 

Dois dias antes de a PEC dos Precatórios ser aprovada no Congresso, na última quarta-feira, o governo de São Paulo liberou cerca de R$ 440 milhões para o pagamento de títulos não-alimentares relacionados ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER). O pagamento foi criticado por credores de precatórios de natureza alimentar, que acusam o governo de antecipar a liberação dos recursos por causa da aprovação da emenda.

 

A PEC dos Precatórios prevê uma série de mudanças nas normas para o pagamento dessas dívidas, decorrentes de decisões judiciais. Os precatórios alimentares se referem a ações trabalhistas, enquanto os não-alimentares se aplicam a casos como a desapropriação de terras. Entre as mudanças previstas, está o estabelecimento de limites para o comprometimento dos orçamentos estaduais e municipais para o pagamento de precatórios. Ou ainda a possibilidade de 50% das dívidas serem pagas pela ordem cronológica, enquanto a outra metade poderá ser quitada por meio leilão ou conciliação.

 

O texto prevê, também, que seja dada prioridade ao pagamento das dívidas de natureza alimentar e a credores idosos ou portadores de doença grave.

 

O vice-presidente do Movimento dos Advogados em Defesa de Credores Alimentares (Madeca), Carlos Toffoli, acusa o governo de priorizar os pagamentos a empreiteiras e entes que mantêm relações com a administração estadual. "Independentemente de quem está no governo, esse grupo que recebe aqui em São Paulo é sempre o mesmo. São as pessoas que mantêm relação com o governo, que fazem negócios com o governo", afirma.

 

De acordo com ele, R$ 140 milhões seriam suficientes para quitar precatórios alimentares referentes ao ano de 1998, que ainda aguardam na fila de pagamento. Toffoli afirma que há precatórios alimentares no valor de R$ 1.000 pendentes de pagamento. "Funcionários públicos, pensionistas e aposentados sempre foram excluídos."

 

A Procuradoria-Geral do Estado, que diz trabalhar em esquema de mutirão para se adequar às novas regras assim que a emenda for promulgada, nega que o pagamento tenha sido antecipado. De acordo com o órgão, os recursos que foram liberados, no dia 30, referem-se a requisições de pequeno valor previstas em 511 processos de 7.165 credores, que somam aproximadamente R$ 49 milhões. A isso, se soma o pagamento dos décimos constitucionais de 1.474 precatórios da administração indireta, no valor aproximado de R$ 390 milhões.

 

A Procuradoria-Geral alega que, ao liberar o dinheiro, está apenas cumprindo as normas constitucionais. "A aplicação das inovações da emenda constitucional não é imediata, pois depende da edição de ato específico", informou o órgão, em referência à promulgação. "E, no corrente exercício, por estar prestes a terminar, tem alcance limitado."

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 8/12/2009

 

 

 


Ministro concede liminar a município paulista

 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar à prefeitura de Valinhos (SP), dando efeito suspensivo ao recurso extraordinário que discute a incidência de juros compensatórios e de mora no período regular do parcelamento de precatórios previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O ministro entendeu que havia questão de urgência que justificasse a cautelar.

 

Lewandowski lembrou que a matéria constitucional teve sua repercussão geral reconhecida no RE 590.451. Observou que o Plenário do STF, ao examinar questão de ordem na AC 2.177, firmou orientação no sentido de que compete ao tribunal de origem apreciar ações cautelares, ainda que o recurso extraordinário já tenha obtido o primeiro juízo de admissibilidade, quando o recurso estiver sobrestado em face do reconhecimento da existência de repercussão geral.

 

Por outro lado, afirmou que o STF já decidiu de acordo com entendimento do ministro Celso de Mello de que compete extraordinariamente ao ministro-relator do recurso extraordinário examinar pedidos de medida liminar nas hipóteses em que os autos se encontrarem fisicamente no STF, já que determinado o sobrestamento de seu curso, se ocorrer “situação de urgência que justifique a prática imediata da jurisdição cautelar”. O ministro concedeu a liminar ao município, entendendo ser este o caso. A liminar terá vigência até o exame de mérito do RE 416.716.

 

A prefeitura de Valinhos entrou com ação cautelar no Supremo para suspender o pagamento de juros compensatórios no valor de R$ 2,398 milhões referentes a precatório judicial relacionado a uma dívida do município com o espólio de Heloísa de Carvalho Crissiuma Pisciotta, em uma ação de desapropriação.

 

O município sustenta na ação que não são cabíveis juros compensatórios durante o prazo previsto para pagamento da segunda moratória judicial, nos termos da Emenda Constitucional 30/2000. Entretanto, alegou a prefeitura, o juízo de primeiro grau estaria pressionando o município a pagar o débito com a inclusão de todos os juros compensatórios e moratórios, “atendendo plenamente o interesse do credor particular, em evidente detrimento do interesse público”. Também alegou que o pagamento do valor requisitado “é ato de difícil reparação”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

 

Fonte: Conjur, de 7/12/2009

 

 

 


Um Estado permanentemente imoral

 

QUANDO UM ministro do período de exceção declarou que o Estado é, necessariamente, aético, ele disse uma verdade que, no Brasil, constitui a essência do exercício do poder.

 

O administrador público brasileiro, em geral, gere mal as contas públicas e é um agente fantasticamente caloteiro, que não cumpre obrigações pecuniárias do Estado para com o cidadão, muito embora, na prática de uma autêntica "vampiragem tributária", retire muito mais recursos do povo do que seria necessário para os maus serviços públicos que presta.

Se um contribuinte deixar de entregar parcela do fruto de seu trabalho ou patrimônio para pagamento de tributo no prazo de vencimento, corre o risco de ser preso. Se o administrador público deixar de pagar o que o Estado deve em virtude de sua má administração, basta recorrer ao Congresso para afastar a obrigação.

 

O monopólio do calote é oficial, público e reiteradamente praticado, apesar de a Constituição de 1988 garantir o direito de propriedade, há décadas, no país.

 

União, Estados e municípios que não pagam o que devem em precatórios tornam seus administradores maus gestores e aéticos. E permanecem em conluio com o Parlamento para que o confisco do patrimônio do cidadão seja viabilizado por sucessivas PECs.

 

Já o "banditismo oficial" é endeusado, gabando-se a "eficiência" de quem deve, mas não paga, nada obstante destinar, pelo Orçamento, fantásticos benefícios aos detentores do poder (burocratas e políticos), com aumentos muito acima da inflação e muito além dos reajustes que têm os cidadãos do segmento não governamental, que trabalham na sociedade.

 

A nova PEC dos Precatórios mereceria contra seu progenitor e aqueles que a aprovaram no Senado ações popular ou civil pública, por representar violação ao mais rígido princípio constitucional que rege a administração pública, que é o princípio da moralidade, olimpicamente ignorado por seus autores no Congresso.

 

Pela nova PEC, em vez de pagar, o poder público devedor destinará pequena parcela do orçamento para ser leiloada, todos os anos, recebendo, aqueles que entrarem no leilão, parte ínfima de seu crédito. Se não quiser se submeter ao "assalto público", terá o "direito" de nunca receber, porque nunca haverá dinheiro para pagá-lo.

 

Se o poder público destinasse apenas o que gasta em desnecessária e, por vezes, ilegal publicidade para pagar o que deve, já teria sido reduzida consideravelmente a inadimplência dos precatórios.

 

Recentemente, quando recebi a cátedra "Lloyd Braga", na Universidade do Minho, em Portugal, ao narrar em exposição sobre moralidade pública que, no Brasil, os governos não pagam o que devem, mesmo quando condenados, a informação causou espanto.

 

Na última reunião do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, o presidente da Comissão dos Precatórios da OAB, dr. Flávio Brando, relatou fato semelhante -que, ao expor nos Estados Unidos o permanente descumprimento de obrigações pelo poder público, a plateia ficou espantada ao saber que quem deveria dar o exemplo termina por dar a pior das lições, ensinando que, no Brasil, "calote" é uma "técnica" da administração pública.

 

O projeto de emenda constitucional aprovado no Senado tem, pelo menos, cinco inconstitucionalidades. Viola: o princípio da igualdade, pois tais favores não são estendidos aos contribuintes credores; o princípio da dignidade humana, pelo tratamento humilhante que dá aos credores, confiscando-lhes o patrimônio; o direito à propriedade, com um acintoso "devo, mas não pago"; a coisa julgada, pelo desrespeito às decisões judiciais definitivas; o princípio da razoável duração do processo, já que, se os precatórios não são cumpridos, a prestação jurisdicional não é entregue.

 

Espero que, se for aprovada definitivamente a referida PEC, o Ministério Público e a OAB ingressem com ação direta de inconstitucionalidade.

 

Mas espero, principalmente, que os eleitores não reconduzam ao Congresso os parlamentares que defenderam o imoral e indecente calote oficial. É essa a posição oficial do Conselho Superior de Direito da Fecomercio de São Paulo.

 

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 74, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, de 7/12/2009

 

 

 

 


Para pensar a Semana Nacional da Conciliação

 

COMEÇOU ontem aquilo que o Conselho Nacional de Justiça qualificou como "mobilização nacional do Judiciário" para "estimular o acordo amigável como forma de solucionar conflitos judiciais". É a Semana Nacional da Conciliação, que, segundo se colhe do sítio daquele órgão na internet, "consiste em um esforço conjunto de todos os tribunais brasileiros no intuito de dar vazão aos processos que tramitam na Justiça".

 

Só no Estado de São Paulo, que concentra a maior parte dos processos em tramitação no Brasil, a expectativa, segundo consta do referido sítio, é a de que 70 mil ações "sejam solucionadas", abrangidas aí as que tramitam perante a Justiça comum (estadual e federal) e a Justiça do Trabalho. O slogan da campanha diz: "Com a conciliação todo mundo ganha. Ganha o cidadão. Ganha a Justiça. Ganha o país". Mas, sem pôr em dúvida a relevância e o mérito da empreitada, convém encarar o fato -que não é inédito- com realismo.

 

A superioridade das soluções alcançadas pelas próprias partes, no confronto com aquelas que resultam de decisão adjudicada pelo Estado, é inegável. A atuação do direito no caso concreto não é um objetivo a ser alcançado a qualquer custo. Tão ou mais importante do que isso é o que se convencionou chamar de escopo social da jurisdição: a pacificação pela eliminação da controvérsia.

Quando a superação do conflito resulta da vontade das partes -que fazem concessões recíprocas-, o ganho social é realmente mais expressivo. No entanto é preciso chamar a atenção para outros pontos que não podem ser desconsiderados pelo cidadão comum.

Primeiro, a conciliação não pode e não deve ser prioritariamente vista como forma de desafogar o Poder Judiciário. Ela é desejável essencialmente porque é mais construtiva. O desafogo vem como consequência, e não como a meta principal.

Essa constatação é importante: um enfoque distorcido do problema pode levar a resultados indesejados. Vista como instrumento de administração da máquina judiciária, a conciliação passa a ser uma preocupação com estatísticas.

 

Sua recusa pelas partes -direito mais do que legítimo- passa a ser vista como uma espécie de descumprimento de um dever cívico e, no processo, pode fazer com que se tome como inimigo do Estado aquele que não está disposto a abrir mão de parte do que entende ser seu direito. Daí a reputar a parte intransigente como litigante de má-fé vai um passo curto.

Isso é a negação da garantia constitucional da ação e configura quebra do compromisso assumido pelo Estado de prestar justiça. Esse mesmo Estado proíbe que o cidadão, salvo raras exceções, faça justiça pelas próprias mãos.

 

Segundo, é preciso considerar que a capacidade da conciliação para diminuir a carga do Poder Judiciário é relativa. Isso porque, mesmo à míngua de estatísticas, é sabido que grande parte das demandas e dos recursos pendentes é voltada contra o próprio Estado, cuja possibilidade de transigir é muitíssimo reduzida justamente porque a coisa pública é indisponível.

 

Para que algo diverso ocorra, é preciso que lei autorize. Portanto, a conciliação passa ao largo de uma das principais razões do acúmulo de trabalho no Judiciário.

 

Terceiro, é preciso cuidado para que não se pense na conciliação apenas como forma de resolver um problema que já chegou ao Judiciário. Para usar uma imagem colhida na doutrina norte-americana, esse tipo de raciocínio equivaleria a procurar a saúde nos hospitais. A conciliação deve ser estimulada antes do processo.

Finalmente, é preciso cuidado para não passar à população a imagem de que a conciliação é buscada uma vez por ano. Certamente não é essa a intenção da campanha.

Contudo, ela pode sugerir a ideia errada de que o Poder Judiciário e os operadores do Direito -incluindo aí advogados e membros do Ministério Público- não se empenham constantemente na busca de soluções de consenso.

Que estas considerações sejam lidas e entendidas como forma de reconhecer o valor da conciliação e o mérito da iniciativa. Elas precisam ser bem compreendidas pelos consumidores da Justiça, certamente a preocupação maior do Conselho Nacional de Justiça.

 

FLÁVIO LUIZ YARSHELL, advogado, é professor titular da Faculdade de Direito da USP.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, de 8/12/2009