APESP

 
 

   

 


TJ gaúcho inova em casos de precatório

Fernando Teixeira

A primeira e a segunda câmaras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) vêm adotando desde meados deste ano uma posição inovadora quanto à compensação de débitos tributários com precatórios. Os desembargadores vêm admitindo os pedidos dos contribuintes sob a argumentação de que a compensação é um direito garantido pela Constituição Federal, e portanto dispensa leis infraconstitucionais autorizando a prática.

A posição proferida em duas das seis câmaras de direito público do TJRS rompe com a posição tradicional da corte, que aceitava a compensação apenas com autorização em lei. No Rio Grande do Sul, entre 2002 e o início de 2004 vigorou uma lei que autorizava a compensação de precatórios. Como os pedidos administrativos não surtiam efeito - as empresas nunca conseguiam compensar diretamente os créditos - a Justiça local formou uma extensa jurisprudência em favor da compensação, devido à existência da lei. Uma vez revogada a lei local, o respaldo judicial para as compensações também foi derrubado - até as decisões recentes.

A posição inovadora, contudo, ainda têm um longo trajeto para se consolidar. Além de não ter a adesão de outras turmas da casa, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a posição é contrária à compensação sem previsão em lei. Segundo o advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda e Lacerda, especializado em operações com precatórios, a tese adotada por parte dos desembargadores gaúchos ainda é nova e não foi avaliada pelo STJ.

A disputa em torno da compensação parte da interpretação do artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN). O artigo afirma que a lei pode autorizar e estipular condições para a compensação. Há interpretações segundo a qual o artigo implica que a compensação deve ser autorizada em lei. Mas segundo a posição alternativa, o Estado não pode se beneficiar por se furtar à regulamentação das regras para compensação, engessando o direito do contribuinte.

Fonte: Valor Econômico, de 06/11/2006

 


Pessoa Jurídica no Programa de Recuperação Fiscal torna suspensa a execução fiscal

A Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em sessão realizada no dia 6 de outubro, decidiu, por unanimidade, manter a sentença proferida pelo Juízo de Primeiro Grau, favorável à suspensão da execução fiscal movida pela Fazenda Nacional contra a Usina Mendonça Agroindustrial e Comercial Ltda. Isso em razão de a executada ter comprovado que o débito, consubstanciado no título exeqüendo, havia sido incluído na confissão da dívida, passando a integrar o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS).

A executada peticionou comunicando ao juízo de primeiro grau sua adesão ao REFIS e requereu a suspensão da execução da Dívida Ativa 60 6 92 000579-60. Para comprovar sua situação, carreou aos autos documentos da dívida consolidada, constando da relação de Declaração do REFIS a Certidão de Dívida Ativa (CDA) em execução.

Constatou o Juízo monocrático que a executada, ora agravada, desde a data da adesão ao REFIS vem pagando as parcelas de seu débito, sem notícia de qualquer oposição por parte do Comitê Gestor do Programa. E é justamente o Comitê que, na esfera administrativa, delibera acerca da permanência da devedora no citado programa.

A Fazenda argumentou que a administração da dívida para com o extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) passou à Secretaria da Receita Federal (DL 2.471/88). Entendeu que somente poderão ser incluídas no REFIS as contribuições cujos fatos geradores tenham ocorrido a partir do dia 10 de maio de 1988, ou cujos lançamentos tenham sido efetuados pela Secretaria da Receita Federal, asseverando que a dívida não está nem nunca esteve inserida no REFIS.

Estando comprovado, nos autos, estar o débito exeqüendo incluído no REFIS e não demonstrando a Fazenda Nacional ter sido a Usina Mendonça Agroindustrial e Comercia LTDA excluída do Programa, merece confirmação a decisão que declarou suspensa a execução. Isso em razão do entendimento de que não houve deliberação de cunho administrativo de exclusão do débito exeqüendo junto ao Programa, oriunda do órgão competente. Sendo assim, sua exigibilidade ficará vinculada ao parcelamento concedido à executada, ora agravada.

A relatora do acórdão, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, asseverou que não merece censura a decisão proferida, não assistindo razão à Fazenda Nacional. Sendo assim, a Oitava Turma negou provimento ao recurso - Agravo de Instrumento - interposto pela Fazenda Nacional. Além disso, declarou que deve ser suspensa a execução durante todo o tempo de permanência da pessoa jurídica no REFIS. Somente em caso de descumprimento das exigências previstas na legislação do REFIS, é que poderá ocorrer a execução.

Fonte: Justiça Federal

 


Raio-X do Ministério Público brasileiro

PIERPAOLO CRUZ BOTTINI e MARIA TEREZA SADEK

A REFORMA e o aprimoramento do sistema judicial brasileiro dependem fundamentalmente do conhecimento de suas instituições: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e demais órgãos com atribuições de solucionar conflitos, garantir direitos e o respeito à lei e às normas. Sem dados confiáveis, todo e qualquer diagnóstico não passa de uma suposição, com alto risco de não retratar, de fato, a realidade.

A deficiência de informações é amplamente reconhecida. Os dados disponíveis sobre a atividade de juízes, promotores, defensores e procuradores são incompletos e deficientes.

Não há entre nós uma cultura de compilação, sistematização e padronização de informações estatísticas. Essas limitações dificultam sobremaneira a elaboração de políticas públicas com o objetivo de aprimorar e ampliar os serviços das instituições que compõem o sistema judicial.

Em conseqüência, muitas soluções apresentadas estão mais ligadas a percepções pessoais do que fundadas em constatações de problemas reais com que se deparam essas instituições.

Para tentar suprir essas lacunas, o Ministério da Justiça tem atuado no sentido de levantar informações sobre as diferentes instituições jurídicas. Já foram publicados diagnósticos do Judiciário, das Defensorias Públicas e, com o apoio do Cebepej (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), dos Juizados Especiais Cíveis. Tais estudos têm estimulado o aprofundamento do debate e o desenvolvimento de alternativas de melhora de atuação desses órgãos.

Recentemente, foi lançado o "Diagnóstico do Ministério Público dos Estados", realizado em conjunto com a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e com o CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça), sob a coordenação da professora Maria Tereza Sadek.

Esse estudo é o primeiro de âmbito nacional. Nele estão contempladas características institucionais e dos integrantes da instituição. Os resultados alcançados constituem instrumentos importantes, os quais permitirão às unidades federadas conhecer os pontos fortes e fracos de cada Ministério Público e, com base nessas informações, desenvolver estratégias para superar as vicissitudes e suprir suas necessidades.

Apesar das grandes discrepâncias regionais, especialmente no que diz respeito à estrutura dos Ministérios Públicos nos diferentes Estados, é possível extrair algumas informações importantes de cunho nacional, como aquelas referentes ao número de integrantes da instituição.

Foi possível verificar que o número de promotores e procuradores é equiparável, no Brasil, ao número de magistrados. Verifica-se, a despeito de variações regionais, que há uma correlação nacional de 0,9 membro do Ministério Público para cada membro do Poder Judiciário.

Porém, essa semelhança estrutural não ocorre quando se comparam os números de servidores das instituições. Para cada servidor ativo do Judiciário, há 0,07 servidor no Ministério Público. Há uma defasagem expressiva na equipe auxiliar dos promotores que se reflete, sem dúvida, na capacidade de cada membro exercer suas atividades funcionais. Assim, o estudo mostra, por exemplo, que os investimentos necessários para consolidar o Ministério Público devem se voltar para o corpo de servidores, prioritariamente.

Esse é um exemplo da utilidade dos diagnósticos, que revelam informações preciosas, possibilitando o desenvolvimento de estratégias racionais e concretas para o fortalecimento das instituições. Inúmeras outras informações foram levantadas, como o perfil demográfico e sociológico de promotores e procuradores, bem como sua avaliação sobre uma série de temas e sobre seu relacionamento com várias instituições, entre elas o Executivo, o Legislativo e a imprensa.

O estudo ainda aponta os valores gastos com o órgão, os vencimentos dos membros e outros dados relevantes. Tais dados e informações estão disponíveis e publicados (podem ser vistos em www.mj.gov.br/reforma).

Trata-se de um primeiro passo para o conhecimento do Ministério Público dos Estados. Esperamos que a leitura, o estudo e a crítica das informações contribuam para o fortalecimento da instituição e para a consolidação do Estado democrático de Direito.

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PIERPAOLO CRUZ BOTTINI , 29, advogado, mestre e doutor em direito penal pela USP, é o secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. É co-organizador do livro "Reforma do Judiciário". MARIA TEREZA SADEK , cientista política, é professora do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora sênior do Cebepej (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais).

Fonte: Folha de S. Paulo, de 05/11/2006

 


A melhor reforma tributária é não fazer nada por 10 anos

por Aline Pinheiro

O Brasil é um país de contradições, em que os três Poderes quase sempre não cumprem suas atribuições. Em matéria tributária, pelo menos, é assim que funciona: “O Executivo busca sempre obter leis que lhe permitam arrecadar mais. O Legislativo quase sempre é subserviente ao Executivo. E o Judiciário funciona como freio, mas nem sempre é eficaz”. A opinião é do advogado tributarista Hugo de Brito Machado, um dos autores mais citados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Para Brito machado, o Legislativo usa e abusa do poder de fazer leis. Deixa muitas vezes a Constituição de lado ou a manipula a seu bel prazer. O Executivo, que deveria se submeter a essas leis, é campeão em desrespeitá-las. Ao Judiciário, então, fica o papel de dizer qual norma é constitucional e fazer com que o Executivo cumpra estas regras. “Na maioria dos julgados, porém, o Judiciário favorece o governo em matéria tributária. Aceita o argumento de que o governo não pode perder receita”. O resultado disso é que o Executivo acaba sendo executado, as leis criadas pelo Legislativo são anuladas e o Judiciário se torna cada vez mais ativo na formação da política tributária do país.

Nesse jogo de interesses, a segurança jurídica fica abalada. As leis mudam sempre, a jurisprudência, muitas vezes, também, e a já complexa legislação tributária se torna cada vez mais confusa. Nesse cenário, Brito Machado acredita que o melhor a se fazer em matéria tributária é não fazer nada. Ou seja, nada de reforma tributária por 10 anos. “Durante esse tempo, uma comissão de financistas e tributaristas poderia estudar uma reforma para, no final desse prazo, ser discutida e votada.”

Leia a entrevista que Hugo de Brito Machado concedeu por e-mail para a Consultor Jurídico.

ConJur — É possível fazer uma reforma tributária?

Hugo de Brito Machado — Sempre é possível reformar qualquer coisa.

ConJur — Qual é a reforma desejável e a possível?

Hugo de Brito Machado — Desejável para quem? Para o governo, é desejável aumentar os tributos. Assim têm sido as reformas tributárias em nosso país. Possível é a que resulta da conciliação dos interesses em conflitos, especialmente interesses do governo federal, dos governadores e dos prefeitos. Como todas as reformas feitas até hoje implicaram aumento de tributos e agravamento das complexidades e da burocracia no sistema tributário, a melhor reforma consiste em proibir toda e qualquer mudança de toda e qualquer norma durante cinco ou dez anos. Durante esse tempo, uma comissão de financistas e tributaristas poderia estudar uma reforma para, no final desse prazo, ser discutida e votada.

ConJur — Como o senhor vê a qualidade e quantidade das leis tributárias editadas pelo Congresso Nacional?

Hugo de Brito Machado —Quanto à qualidade, as leis tributárias deixam muito a desejar. O legislador não cumpre as normas da Lei Complementar 95/98 [que dispõe sobre as regras para elaboração de leis]. A falta de sistematização e o uso de terminologia inadequada são dois graves defeitos de nossa legislação tributária. A quantidade de leis também é lamentável. É indiscutível o exagero na produção normativa em matéria tributária. O Executivo busca sempre obter leis que lhe permitam arrecadar mais. O Legislativo quase sempre é subserviente ao Executivo. E o Judiciário funciona como freio, mas nem sempre eficaz. Aliás, pode-se dizer que, na maioria dos julgados, o Judiciário favorece o governo em matéria tributária. Aceita o argumento de que o governo não pode perder receita. Mas não há dúvida de que, sem o Judiciário, seria muito pior.

ConJur — Cabe ao Supremo, então, um papel ativo na política tributária do país?

Hugo de Brito Machado — A administração pública (o Poder Executivo) insiste na criação e na cobrança de tributos contrariando a Constituição. Por isto é que o Supremo vive abarrotado de questões tributárias.

ConJur — Nesse cenário, como fica a segurança jurídica?

Hugo de Brito Machado — Muito abalada. A jurisprudência, especialmente em razão da demora nos julgamentos e da rapidez com que as leis são alteradas, não tem o chamado efeito didático. Quando uma questão é resolvida definitivamente, a interpretação dada à norma questionada já não tem a utilidade que deveria ter, pois a lei vigente em muitos casos já é outra.

ConJur — O senhor é autor da tese de que o contribuinte não pode ser processado por sonegação fiscal antes do fim do procedimento administrativo. Que mudança essa tese provocou na relação contribuinte-fisco?

Hugo de Brito Machado — Com o acolhimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da tese segundo a qual não se pode admitir ação penal por crime contra a ordem tributária antes da decisão definitiva no processo administrativo, tem-se pelo menos a garantia de que o contribuinte não será processado criminalmente antes de ser apreciada a defesa que tiver apresentado à autoridade administrativa. Evita-se que o contribuinte seja processado por crime que não cometeu. Não são raros os autos de infração com exigência de tributo indevido, ou maior do que o devido. Em alguns, a própria autoridade administrativa (os conselhos de contribuintes, por exemplo) reconhecem que a exigência é indevida, ou que o valor devido é menor. Assim, fica assegurado ao contribuinte o direito de pagar somente o devido e, assim, extinguir a punibilidade do crime que eventualmente tenha cometido.

ConJur — Apesar de essa tese estar praticamente consolidada nos tribunais, o Ministério Público insiste em denunciar contribuintes por sonegação sem que o processo administrativo tenha chegado ao fim. Como isso afeta a segurança jurídica?

Hugo de Brito Machado — Isto afeta significativamente a segurança jurídica porque dá oportunidade para o juízo penal condenar por crime tributário quem na verdade não praticou esse crime. Dá oportunidade a decisões divergentes: uma condenando pelo crime e outra, no juízo cível, dizendo que o contribuinte não é devedor de tributo. Aos poucos, porém, o Judiciário vai tornando pacífico o entendimento segundo o qual é necessário o esgotamento da via administrativa.

ConJur — A ação penal pode ser usada como meio de coação para a cobrança tributária?

Hugo de Brito Machado — Com certeza, não. Na prática, porém, em muitos casos, ela é usada para coagir o contribuinte.

ConJur — Há lugar no Direito Tributário para a transação?

Hugo de Brito Machado — Sim, o Código Tributário Nacional prevê isso expressamente.

ConJur — Qual a sua posição a respeito do lançamento de tributo por homologação?

Hugo de Brito Machado — O lançamento por homologação é uma criação inteligente do mestre Rubens Gomes de Sousa, que o introduziu em nosso Código Tributário Nacional, do qual foi o artífice maior. Para alguns tributaristas, pode haver tributo sem lançamento. Aliás, a maioria dos impostos atualmente existentes em nosso sistema seriam tributos sem lançamento. Não posso concordar com essa tese. Na verdade, não existe tributo sem lançamento. O lançamento sempre existe, ainda que apenas por ficção jurídica, como é o caso do tributo cujo lançamento resulta de homologação tácita, nos termos do artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional.

ConJur — Há lugar para os direitos humanos no Direito Tributário?

Hugo de Brito Machado — Sim. Que o diga o professor Ricardo Lobo Torres, do Rio de Janeiro, que tem sustentado isso em excelentes estudos já publicados e em palestras que faz nos seminários e congressos.

ConJur — O contribuinte deveria ser visto como cliente do fisco?

Hugo de Brito Machado — O cliente assim como o fornecedor podem ser escolhidos. A relação entre eles é voluntária. Situa-se no momento da liberdade. A relação tributária é impositiva. Ninguém é contribuinte porque quer. Em contextos bem específicos, pode ser colocada a relação tributária como relação de consumo, se daí decorrer benefícios para o contribuinte. Como regra geral, todavia, penso que isso não é possível.

ConJur — Qual a opinião do senhor sobre estas questões pontuais?

Hugo de Brito Machado — Crédito prêmio do IPI — Acho que subiste e que é um bom incentivo às exportações;

Local de pagamento do ISS — Como regra, deve ser o local em que está o estabelecimento prestador. Excepcionalmente, pode ser o local da prestação do serviço, conforme, aliás, ficou bem esclarecido na Lei Complementar 116;

Local de pagamento do ICMS — Deve ser no destino e não na origem do produto;

Alíquota zero de insumos — Não gera direito ao crédito do IPI;

Cofins para sociedades de profissionais liberais — Subsiste a isenção, pois uma lei ordinária não pode revogar uma lei complementar. Por outro lado, a Constituição Federal exige que as isenções sejam tratadas em leis específicas (CF/88, art. 150, § 6º) e isto não foi obedecido. Assim, seja por uma, seja pela outra razão, certo é que a norma que se propôs a abolir a isenção da Cofins para as sociedades de profissionais é inconstitucional.

ICMS na base de cálculo da Cofins — Nosso sistema tributário contempla várias situações em que o tributo incide sobre outro tributo, o que é realmente um verdadeiro absurdo. Mesmo assim, não acredito que o ICMS venha a ser excluído da base de cálculo da Cofins, embora isto devesse ocorrer.

ConJur — O senhor defende a limitação de incentivos fiscais. Por quê?

Hugo de Brito Machado — O incentivo fiscal, em princípio, é válido. Mas, infelizmente, é objeto de abusos e distorções. É um instrumento que exige muitas cautelas.

ConJur — Por que a súmula vinculante ainda não foi usada?

Hugo de Brito Machado — Parece que é porque o principal atingido será a administração pública (o fisco) que é quem mais descumpre decisões judiciais. Aliás, por isto mesmo, temos em nosso sistema jurídico a execução contra a Fazenda Pública. O processo de execução é um instrumento destinado a compelir o vencido a cumprir a decisão judicial. Em um Estado de Direito, é um contra-senso pensar em execução contra a Fazenda Pública. O Estado de Direito caracteriza-se precisamente porque se submete ao Direito. Não se explica, portanto, a necessidade de um instrumento para obrigar o Estado a cumprir as decisões judiciais.

ConJur — Embora seja proibido, o governo edita Medida Provisória sobre matéria tributária. O que o senhor pensa disso?

Hugo de Brito Machado — A MP já é, por si mesma, um instrumento de arbítrio, que afeta sensivelmente o princípio da separação dos poderes. Em matéria tributária, não deveria ser possível o seu uso. No caso do Refis 3, tem-se um exemplo do inconveniente. O governo já não tem nenhum interesse na aprovação da MP. Não interessa mais à Fazenda.

ConJur — O senhor defende a responsabilização do agente público por danos causados ao contribuinte. Por quê?

Hugo de Brito Machado — A única forma de conter as práticas arbitrárias em nosso país é a responsabilização pessoal do agente público pelos danos ao cidadão. Não só ao contribuinte, mas aos cidadãos em geral. Se o contribuinte começar a cobrar judicialmente do agente público indenização pelos danos que sofre em decorrência de práticas arbitrárias, com certeza as práticas arbitrárias ficarão reduzidas a bem poucos casos. A indenização tem duas finalidades: reintegrar o patrimônio lesado e castigar aquele que cometeu a ilegalidade. Ocorre que a indenização cobrada da entidade pública (União, estado ou município), embora atenda à primeira dessas duas finalidades, não atende à segunda. O valor correspondente sai dos cofres públicos. Da comunidade, portanto. E o agente público continua, por isso mesmo, agindo de modo irresponsável, pois nada sofre em decorrência da cobrança da indenização. Se a ação de cobrança da indenização for dirigida diretamente ao agente público, por menor que seja o valor da indenização, o efeito didático, educativo, da condenação fará com que o agente público pense duas vezes antes de praticar uma ilegalidade

Fonte: Conjur

 


Penhora online surgiu como a salvação dos credores

Ser credor no Brasil não é fácil. Em primeiro lugar, porque, infelizmente, não é incomum o calote. Depois, porque quando se procura a Justiça colimando o recebimento de crédito, muitos devedores arrastam o processo durante anos, emperrando a satisfação da dívida, através de inúmeros e criativos expedientes.

Como o processo judicial é um instrumento voltado para o alcance do direito material, não faz sentido que também seja um instrumento favorável ao atraso da prestação devida.

Para tentar remediar ou evitar manobras astuciosas dos devedores, o princípio da efetividade vem sendo aplicado incessantemente, com o fito de conferir resolução justa ao litígio, da forma mais rápida e segura possível. Na vanguarda deste movimento aqui no Brasil, o notável professor José Carlos Barbosa Moreira explica que “será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material”.

Nessa linha, correntes jurisprudenciais e reformas legislativas vêm lutando pelo alcance da efetividade processual, até porque a lenta marcha processual, além de uma injustiça ao credor, representa um atraso da organização social do Estado, pela incapacidade de solucionar adequadamente os litígios. Por outro ângulo, o dinamismo tecnológico e a velocidade dos acontecimentos hodiernos são totalmente antagônicos ao atraso da prestação jurisdicional eficiente.

Acontece que a celeridade, como elemento essencial que é da efetividade, não pode ser aplicada a qualquer custo. Afinal, se o resultado deve ser justo, significa que deve ser conferido a cada parte o que é seu. Logo, existe um equilíbrio de valores a ser sopesado pelo juiz, de modo que a celeridade não seja tamanha a ponto de acarretar um injusto prejuízo a uma ou todas as partes.

Em se tratando de obrigação de pagar (seja originalmente dessa natureza ou derivada de outra obrigação convertida em perdas e danos), a prestação da Justiça será concluída com efetividade quando o credor receber o que realmente lhe é devido, não mais e não menos. Este, então, será o momento da realização do direito material, em que o processo logra êxito no seu ofício instrumental. O ideal, portanto, é o alcance mais rápido possível do recebimento da quantia.

Segundo as lições do professor Barbosa Moreira, “a fim de atingir esse objetivo, o órgão jurisdicional dirige-se ao patrimônio do devedor, que responde por suas dívidas (art. 591), e dele procura retirar os recursos necessários à satisfação do credor”. Muitos devedores sabem que devem e, tendo numerário ou bens suficientes para quitar a dívida, deveriam honestamente e espontaneamente cumprir a obrigação. Todavia, esse comportamento não faz parte do cotidiano brasileiro.

Assim é que o credor provoca o Poder Judiciário, no intuito de procurar bens do devedor, que serão convertidos em dinheiro, para a satisfação do débito. Entretanto, quando logo se encontra dinheiro suficiente, o procedimento tende a ser mais célere, visto que as etapas de conversão serão desnecessárias. Aliás, a preferência por dinheiro é tão importante, que o artigo 655 do Código de Processo Civil o elenca como o primeiro item na ordem de penhora.

Mas onde pode ser encontrado o dinheiro do devedor? Certamente, essa indagação suscita respostas, no mínimo, curiosas, vide os recentes escândalos políticos envolvendo milhões de reais dentro de malas, paredes falsas e até mesmo escondidos sob roupas íntimas. De qualquer forma, usualmente o dinheiro é encontrado nas contas bancárias do devedor.

Como o credor não tem acesso aos dados relativos às contas-correntes do devedor, em virtude das regras atinentes ao sigilo bancário, e considerando não ser factível que o juiz vasculhe, banco por banco, os depósitos do executado, o Banco Central do Brasil criou o sistema “Bacen Jud”, pelo qual os juízes enviam ordens ao Sistema Financeiro Nacional, para que este bloqueie numerário suficiente à garantia do pagamento da dívida.

Inicialmente, esse sistema era caracterizado pelo envio de ofícios (papel) do Tribunal ao Bacen, solicitando o bloqueio de determinada quantia nas contas bancárias do devedor. Acontece que esse procedimento revelou-se inócuo em inúmeros casos, visto que o executado se antecipava e “limpava” sua conta, antes mesmo que o Banco Central recebesse a determinação judicial.

Desta forma, o mecanismo mostrou-se insatisfatório ante o princípio de efetividade processual, o que motivou a criação da penhora online. Através do novo sistema, o juiz emite a ordem de bloqueio via internet, ou seja, de maneira muito mais veloz, sendo que a medida também economiza custos e é bem mais segura. Destarte, a penhora online desempenha papel relevante no contexto da efetividade processual.

Em 2002, o Tribunal Superior do Trabalho celebrou sua parceria com o Banco Central e o resultado até o momento tem sido muito satisfatório, visto que as execuções trabalhistas ganharam agilidade. Um outro fator que comprova o sucesso da penhora online tem sido a crescente adoção da medida por outros tribunais.

Segundo os dados constantes do endereço eletrônico do Banco Central, as ordens judiciais de bloqueio estão sendo cada vez menos emanadas por ofícios de papel, ao passo que as ordens emitidas pelo sistema Bacen Jud 2.0 vêm aumentando em percentual significativo, em todo o território nacional.

Por tudo que foi dito, parece que a penhora online surgiu como a salvação dos credores. De fato, a medida rendeu bons frutos na constante luta pela solução dos litígios e pela desobstrução da máquina judiciária.

Contudo, impende criticar, com a máxima vênia, a posição ainda adotada por alguns magistrados, no sentido de que o bloqueio online de contas bancárias deve ser utilizado como última alternativa na localização dos bens do devedor.

Não foram poucas as decisões que recusaram a adoção, ab initio, da penhora online. Segundo esse entendimento, a medida em exame desrespeita o princípio da execução menos gravosa para o devedor, de forma que sua aplicação deve ser subsidiária.

Com efeito, é dever do juiz acautelar os direitos do devedor, de forma que o mesmo não sofra limitação desproporcional e injusta em seu patrimônio. Por outro lado, não se pode desconsiderar que a penhora online incide sobre dinheiro, o qual, vale repisar, é o bem preferencial na ordem do artigo 655 do CPC.

Diante de algumas decisões conflitantes, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Enunciado 4 do último Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis, assentou o entendimento de que a penhora online, de regra, não ofende o princípio da execução menos gravosa para o devedor, especialmente porque respeita a gradação legal do artigo 655 do CPC.

Percebe-se que o tribunal fluminense abordou o tema de forma bem sensata. Afinal, essa medida permite que a garantia ao juízo seja feita em dinheiro, de forma imediata e segura, com base no artigo 655 do CPC, prestigiando, assim, a efetividade processual.

Muito pertinente, também, a observação, no referido enunciado, de que a penhora online, em regra, não fere o princípio da execução menos gravosa ao devedor. Tal como editada, essa proposição confere ao magistrado a flexibilidade de sopesar os valores e bens jurídicos em jogo, para, com base na sua experiência, no seu discernimento e no princípio da proporcionalidade, definir se prevalecerá, no caso concreto, o princípio da execução menos gravosa ao devedor ou o princípio da celeridade.  

Ora, ninguém discute que é precipitada a penhora da conta bancária de um aposentado, que receba baixa pensão, especialmente quando executado por um banco. De outro modo, se uma sociedade de grande porte tem sua conta penhorada em quantia que não afete seu capital de giro, é patente a conveniência do bloqueio online.

Portanto, a adoção prima facie da penhora online é bastante proveitosa e representa um relevante avanço metodológico, com expressivos resultados positivos no cotidiano forense. Nesse sentido, é irrefragável sua relação com o princípio da efetividade processual. Alguns juízes ainda relutam contra a sua aplicação imediata, mas muitos outros operadores do Direito esperam que o teor daquele enunciado do Tribunal de Justiça fluminense seja incluído no corpo do Código de Processo Civil, o quanto antes.

Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2006

Sobre o autor

Bruno da Costa Aronne: é advogado do escritório Nelson Schver Advogados.

Fonte: Conjur

 


O precatório como forma de garantia

Adriano Tadeu Troli

Só quem tem um precatório em mãos sabe como é difícil recebê-lo. Em alguns casos, a espera pode levar até uma década, sem contar o tempo que a ação levou para ser julgada. Ocorre que nos últimos tempos o Poder Judiciário passou a considerar a utilização dos precatórios em ações de execução fiscal a título de penhora, com decisões de alguns magistrados que são verdadeiras pérolas jurisprudenciais.

Uma delas associou a Fazenda do Estado de São Paulo a “um veterano jogador de cartas, contumaz estelionatário, que, por emitir cheques sem fundo para pagamento de suas dívidas de carteado, aceitava cheques de qualquer pessoa, menos os de sua emissão, quando vencedor e credor nas mesas de baralho”.

Isso demonstra uma tendência do Judiciário em buscar inovar nas decisões para que os precatórios sejam pagos, ainda que de maneira indireta, numa indicação de um novo caminho para tentar combater a ineficiência do poder público em honrar com suas dívidas.

Na prática, significa um avanço para os credores, que a partir de agora têm a opção de “negociar” seus precatórios para que sirvam como garantia em processos movidos pelo próprio ente público devedor do crédito.

Vale destacar que para este tipo de negociação não há qualquer vedação imposta ou falta de amparo legal, desde que sejam os precatórios originários de decisões judiciais transitadas em julgado e estejam devidamente inscritos perante a Fazenda municipal, estadual ou federal.

Dessa forma, podem ser livremente negociados, inclusive como lastro para operações financeiras, o que faz com que muitos credores comercializem seus títulos no mercado com o deságio exagerado de até 70% do valor original do crédito devidamente atualizado, uma vez é melhor receber o valor menor do que esperar infinitamente pelo pagamento no processo. A negociação é realizada através de um contrato de cessão de crédito ou por escritura pública.

Para se ter idéia do atraso no cumprimento dos pagamentos dos precatórios pelo Estado de São Paulo, a dívida atual é de aproximadamente R$ 15 bilhões, sendo que não foram quitados ainda os precatórios alimentares do ano de 1998.

Sendo assim, a comercialização dos precatórios no mercado também aparece como uma boa opção quando se percebe que não há qualquer interesse da Secretaria da Fazenda em criar mecanismos para reduzir suas dívidas ou mesmo aceitar os precatórios como forma de quitação de débitos.

Uma amostra disso é a recente determinação proferida pela Secretaria da Fazenda Estadual, através da CAT 46/06, que impõe multa de 100% do valor do crédito escriturado caso seja utilizado no pagamento mensal de tributos. Para que a compensação mensal fosse possível como forma de extinção do crédito tributário, seria mesmo necessária a autorização legal, conforme determina o artigo 170 do Código Tributário.

Logo, ao invés de ampliar a utilização dos precatórios para tentar solucionar o atraso no pagamento, o governo estadual demonstra que pretende fechar o cerco em torno dos contribuintes, o que poderá ser interpretado pelo Poder Judiciário através de novas ações como conduta inapropriada —acarretando em decisões inusitadas que poderão atribuir novas condições de utilização dos precatórios. Mas o fato concreto é que nesse momento existe disposição da Justiça em amenizar os impactos do calote do Estado.

Fonte: Última Instância

 


Comunicado do Centro de Estudos

A Procuradora do Estado Chefe do Centro de Estudos comunica aos Procuradores do Estado que estão abertas 100 (cem) vagas para a aula do Curso de Especialização em Direito do Estado da Escola Superior da PGE, sobre o tema “ A Atuação e a Intervenção do Estado na Ordem Econômica “, a ser proferida pelo PROF. FÁBIO NUSDEO, no dia 10 de novembro de 2006 (sexta-feira), das 8h00 às 12h00 horas, no auditório do Cento de Estudos, localizado na Rua Pamplona, 227, 3° andar, Bela Vista, São Paulo, SP.

Fonte: D.O.E. Executivo I, de 02/11/2006, publicado em Procuradoria Geral do Estado – Centro de Estudos