APESP

 

 

 

Devedor paulista pode lucrar com a própria dívida

 

Quem passa pela rua Boa Vista, no centro de São Paulo, vê um painel com números em um crescendo alucinante expressando cifra de bilhões. Pertence à Associação Comercial de São Paulo, e quer mostrar ao povo quanto ele está pagando em impostos por ano.

 

Para informar corretamente a população, deveria haver um segundo painel. Um que mostrasse, também em ritmo alucinante, o volume do que o Estado tem deixado de arrecadar por políticas fiscais benevolentes.

 

E ainda um terceiro, para que a informação fosse ainda mais precisa, mostrando o volume de impostos pagos pelos contribuintes de fato, nós, o povo, retido por inadimplentes com o fisco e premiados com parcelamentos e descontos generosos que alcançam, praticamente, o surgimento da geração seguinte.

 

Os tributos compõem o preço dos produtos e serviços oferecidos ao adquirente final. O empresário é intermediário dessa apropriação do excedente econômico que caracteriza o Estado moderno.

 

Nem sempre o Estado obtém a apropriação do excedente. No meio do caminho, por vezes, o empresário a retém e vem sendo, no entanto, premiado pelo Estado. O Refis, criado pelo governo federal em 2000, inaugurou a prática de parcelamentos infindáveis de tributos. Governos estaduais e municipais fizeram seus próprios “refis”. O do estado chama-se Programa de Parcelamento Incentivado (PPI), e permite que o ICMS, declarado pelo contribuinte de direito, ou seja, o agente econômico, que deveria recolher o tributo que embutiu no preço, seja parcelado em até 15 anos, com renúncia parcial do estado às multas e aos juros determinados pela legislação tributária.

 

O governo do estado pretende mais uma medida do gênero. Enviou à Assembléia Legislativa proposta para “securitizar” esses débitos parcelados, já aprovada (Lei Estadual 13.723, de 2009). Isto quer dizer que o estado cederá o crédito desses parcelamentos a investidores do mercado financeiro para antecipar receita.

 

É uma operação temerária juridicamente. Trata-se de uma clássica operação de crédito, como tal definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas a proposta, defensivamente, procura descaracterizá-la como tal com nomenclatura artificial. Se reconhecesse que é operação de crédito, deveria submetê-la às autoridades monetárias federais para que não seja atingido o limite de endividamento do estado. Mas nomes não mudam a realidade, nem transformam magicamente conceitos jurídicos. O nome da rosa é só um nome, mas seu perfume a torna imediatamente reconhecível. Como o Estado terá sempre que prestar garantia por força do Código Civil (art. 295), que não pode ser alterado por lei estadual, trata-se efetivamente de operação de crédito. Aliás, assim já decidiu a Secretaria do Tesouro Nacional ao editar o Ofício Circular nº 14/2003 E, claro, terá que prestar garantia também porque sem isso o investidor não aparecerá.

 

A operação amplia o rol de benefícios fiscais generosos. É cessão onerosa e implica deságio. O que impedirá o contribuinte cuja dívida fiscal foi “securitizada”, ou seja, transformada em papel negociável, de ir ao mercado, adquirir por interposta pessoa seu próprio título, especular, e com isso obter mais um ganho em detrimento dos demais contribuintes, os “otários” que pagam pontualmente seus impostos? Fica violado o princípio basilar da tributação numa república moderna, a igualdade dos contribuintes.

 

Outros problemas jurídicos graves existem. A exposição de motivos afirma que não se trata de vinculação de imposto, que é expressamente vedada pela Constituição, porque “engessa” o orçamento, com exceções que a própria Constituição estabelece. Nenhuma das exceções constitucionais possibilita destinação de imposto ao tipo de operação financeira desenhada.

 

Se o estado realizar a arriscada operação prevista poderá ficar sujeito a sanções impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que não há autorização da Secretaria do Tesouro Nacional e do Senado Federal para realizá-la.

 

Esse quadro mostra que é necessário que a sociedade passe a um novo plano de reflexão e de debates sobre a questão fiscal. Se os tributos fossem civilizadamente pagos, e o Estado não premiasse tão generosamente inadimplentes, a carga tributária deveria ser menor. Se fôssemos mesmo republicanos na questão fiscal, teríamos mais racionalidade tributária e uma sociedade com um pouco mais de autoestima. Todos seríamos beneficiados, econômica e moralmente.

 

Marcio Sotelo Felippe foi procurador-geral do Estado de São Paulo de 1995 a 2000, e Diretor da Escola Superior da Procuradoria-Geral do Estado, de 2007 a 2008

 

Fonte: Conjur, de 3/10/2009

 

 

 

 


Assembleia muda licença-prêmio e paga até 2 salários a mais a servidor

 

Os 2.853 servidores da Assembleia Legislativa de São Paulo tiveram ampliado um benefício já extinto no funcionalismo público federal e em alguns municípios, a licença-prêmio - uma regalia concedida aos servidores como recompensa por assiduidade ao serviço. Em um ato interno, a Mesa Diretora aprovou no último dia 10 resolução que autoriza no Legislativo a venda de até 60 dias, dos 90 previstos de descanso por conta da gratificação.

 

A medida incha ainda mais a folha de pagamentos do Legislativo, que este ano consumirá R$ 485 milhões, o equivalente a 82,8% de seu Orçamento.

 

Criada em São Paulo dentro do estatuto do funcionalismo público em 1968, auge da ditadura militar, a licença-prêmio é um benefício que dá ao servidor 90 dias de folga remunerada a cada cinco anos de serviços prestados sem faltas injustificadas ou com até no máximo 30 ausências amparadas por atestados. Penas administrativas também cassam a bonificação.

 

Como ocorre no Executivo e no Judiciário, a possibilidade de converter os dias de folga em dinheiro existia para os funcionários do Legislativo, mas era uma exceção reservada apenas para casos em que a presença do servidor era essencial e os recursos para os pagamentos estivessem disponíveis no Orçamento - abrindo precedentes para excessos.

 

A partir da resolução aprovada pela Mesa, todo servidor da Assembleia com direito a licença-prêmio pode requerer a venda de dois terços dos dias de folga, sem justificativa. Além disso, sob o valor pago pelos dias parados não incidem tributos (nem Imposto de Renda, nem contribuições previdenciárias), nem o teto salarial (que é de R$ 16 mil/mês).

 

Atualmente, 1.070 dos 2.853 servidores da Casa estão aptos a requerer a licença-prêmio e se beneficiam imediatamente com a decisão. A presidência da Assembleia, por meio de sua assessoria de imprensa, informou não poder calcular o impacto financeiro que a ampliação do benefício trará.

 

O gasto dos últimos dois anos, no entanto, mostra o que acontecerá. Em 2007, quando a conversão das folgas não tiradas da licença-prêmio em pecúnia era uma exceção, foram gastos R$ 3 milhões com esse tipo de despesa - 0,8% da folha.

 

Em 2008, a Mesa Diretora baixou um ato (23/2008) no fim do ano permitindo que os servidores com direito ao benefício até aquela data poderiam receber em dinheiro até 30 dias dos 90 de descanso, sem necessidade de argumentação de "absoluta necessidade de serviço". O dispêndio com os pagamentos triplicou, chegando a R$ 10,7 milhões - 2,3% da folha.

 

Entre os beneficiados estão servidores que poderão receber cifras acima de R$ 50 mil pela venda das folgas. É que, dentro do quadro de 908 funcionários concursados da Assembleia, alguns adquiriram direitos ao longo dos anos que fazem seus salários chegarem a R$ 25 mil, mas na prática podem receber apenas o teto imposto por lei, R$ 16 mil mensais. Como a licença-prêmio é considerada indenização, não vencimento, o entendimento jurídico é que sobre ela não devem incidir nem impostos nem o teto, o que torna a venda dos dias de descanso um negócio lucrativo para os funcionários e caro para os cofres públicos.

 

Considerada uma regalia já ultrapassada do funcionalismo brasileiro, no serviço público federal a licença-prêmio foi substituída, em 1997, pela licença para capacitação, que em vez de folga prevê um prazo, a cada período trabalhado, para reciclagem profissional.

 

No Estado de São Paulo, o benefício é mantido até hoje, mas desde sua criação passou por restrições como a de 1999, quando o então governador Mário Covas (PSDB) estipulou um prazo mínimo para que as folgas fossem tiradas (4 anos e 9 meses, caso contrário, o benefício caducava).

 

No ano passado, o governador José Serra (PSDB) editou uma lei complementar (1.048/2008) que acabou com esse prazo, mas estipulou que cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) regulamentasse o assunto à sua maneira.

 

Com exceção do Legislativo, a possibilidade de converter as folgas em dinheiro continuou proibida, salvo os casos especiais. No Executivo, por exemplo, a possibilidade é dada a policiais e professores, casos em que as ausências e suas substituições são mais complexas.

 

CONQUISTA

 

"Essa foi uma conquista do funcionalismo, que não tem direito a fundo de garantia", defende a presidente do Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa, Rosely Assis.

 

O argumento é que, como o funcionalismo não tem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a possibilidade de conversão da licença-prêmio em dinheiro acaba servindo como "compensação". Pela lei, porém, o direito às folgas pressupõe o descanso para quem durante os anos de serviço não se ausentou sem justificativa.

 

O presidente da Assembleia, Barros Munhoz (PSDB), defendeu, por meio de sua assessoria, a legalidade do ato.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 4/10/2009

 

 

 

 


Estado libera precatórios para 9.398 credores

 

A PGE (Procuradoria Geral do Estado) liberou ontem o pagamento de precatórios para 9.398 credores. O valor total pago é de cerca de R$ 56 milhões. De acordo com a procuradoria, o valor máximo que cada um poderá receber é de R$ 17.994,32.

 

Veja a lista dde quem vai receber os precatórios na edição impressa do Agora, nas bancas nese sábado, 03 de outubro. Confira também como sai o precatório de pequeno valor

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Os credores acima de 60 anos podem ter prioridade para o recebimento após a publicação da lista. A maioria dessas pessoas que esperam pelo pagamento é formada por servidores, pensionistas ou aposentados que entraram na Justiça cobrando remuneração do Estado que tinham direito a receber.

 

Após a publicação da lista, o pagamento poderá demorar até três meses para chegar às mãos do credor, de acordo com o conselheiro do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares) Felippo Scolari.

 

"Esse tempo pode ser ainda maior se houver credores falecidos, por exemplo. Nesse caso, é preciso convocar os herdeiros, o que costuma atrasar os outros pagamentos. Varia de caso a caso. É a tradicional burocracia da Justiça."

 

O dinheiro deverá ser sacado pelo advogado, que repassará o valor para o credor. Por isso, é importante que o ele esteja sempre atento às listas de pagamento liberadas mês a mês, normalmente perto do dia 30. De qualquer forma, o credor poderá consultar se seu CPF (Cadastro de Pessoa Física) está incluído na lista. É possível consultar as listagens de meses anteriores por meio do site da PGE, que é o www.pge.sp.gov.br.

 

A lista relativa a setembro foi a maior dos últimos quatro meses, segundo a PGE. O maior pagamento havia sido em agosto, quando 6.414 precatórios foram liberados.

 

Valores maiores

Para os precatórios maiores do que R$ 17.994,32, a fila é muito maior. O Estado só está liberando a grana dos processos de 1998, com 11 anos de atraso. Normalmente, o Estado de São Paulo libera o dinheiro para esses precatórios (derivados de ações trabalhistas) uma vez por ano.

 

Garantia

Para garantir o pagamento do precatório, a orientação do Madeca é que o credor nunca perca o contato com seu advogado, comunicando qualquer mudança de endereço, principalmente porque a maioria dos servidores que entraram na Justiça contra o Estado é idosa.

 

"O ideal é que eles [credor e advogado] sempre mantenham contato. E, no caso de o advogado morrer, é preciso procurar um responsável, alguém que tenha assumido seus processos", disse Scolari.

 

A PGE informou ontem que, na lista deste mês, seria liberado o pagamento para 10.578 credores. No entanto, até a conclusão desta edição, às 23h30, somente os CPFs de 9.398 haviam sido divulgados pela internet.

 

Fonte: Agora SP, de 3/10/2009

 

 

 

 


Busca de privilégios

 

A JORNADA de trabalho no Brasil foi estipulada pela Constituição em no máximo oito horas diárias e 44 horas semanais. Entre servidores do Judiciário em 18 unidades da Federação, porém, ela não passa de seis horas por dia. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu reduzir o privilégio, determinando a jornada de oito horas em todos os Tribunais de Justiça estaduais.

 

Note-se que o CNJ preservou um resquício da regalia, ao conceder um total semanal de 40 horas. Apesar disso, já se arma a reação corporativa, com uma paralisação marcada para o dia 21. Sob a aparência de luta por direitos adquiridos, a categoria se agarra ao que em realidade são vantagens extorquidas.

 

Quem paga a conta é o público. Ou arca com a piora inevitável do serviço, em resultado da jornada reduzida, ou custeia horas extras dos servidores. Na mesma resolução, o CNJ fixou um teto de dez horas adicionais por semana.

 

A medida faz parte de uma pequena revolução gerencial que o conselho tenta imprimir ao pesado aparelho do Judiciário. Tardo e falho, ele não sai exatamente barato. Em 2008, seu funcionamento consumiu R$ 33,6 bilhões -R$ 31,1 bilhões dos quais em despesas com pessoal.

 

Contam-se 293 mil funcionários nos tribunais federais, estaduais e trabalhistas. Com o esforço de racionalização e alterações nas normas processuais para diminuir o número de ações e recursos fúteis ou protelatórios, o Judiciário tem conseguido alguns ganhos de eficiência. Mesmo assim, no final de 2008 ainda havia mais de 44 milhões de casos pendentes de decisão.

 

Decerto a responsabilidade pelo atraso não cabe só ao expediente camarada dos servidores. Mas também é inequívoco que o cumprimento da chamada Meta 2 do CNJ -julgar neste ano todos os processos distribuídos até dezembro de 2005- depende do empenho dos funcionários.

 

Na "Carta dos Trabalhadores do Judiciário Nacional" em que prometem paralisar as cortes, 18 entidades sindicais do setor beiram o cinismo. "A carga horária de seis horas se revela mais adequada, aumentando comprovadamente a qualificação e a eficiência dos serviços prestados".

 

Não satisfaz aos servidores manter o privilégio e assim prejudicar a expedição da Justiça. Está na sua mira abocanhar mais recursos por meio do velho expediente da equiparação salarial.

 

Este é o fulcro da proposta de emenda constitucional nº 190, em tramitação na Câmara. Aprovada, ela autorizaria o Supremo Tribunal Federal a criar por lei complementar um Estatuto dos Servidores do Judiciário Nacional, abrindo caminho para unificar a categoria -e seus vencimentos- em todo o país.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 3/10/2009

 

 

 

 


Defender interesses não é crime, afirma Toffoli

 

Mais novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Antonio Dias Toffoli, 41, afirma que o Brasil precisa acabar com a ideia de que "defender interesses é crime".

 

Em entrevista à Folha, ele diz considerar "legítimo" um congressista representar o setor que o elegeu e sustenta que "pensar diferente é hipocrisia". Contestado inicialmente por sua ligação com Lula e com o PT, Toffoli, que já foi filiado ao partido e teve seu nome aprovado pelo Senado para o STF na última quarta por 58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções, diz que sua atuação no governo passa a "não existir mais".

 

Segundo ele, no processo de formação de um voto no STF, o "documento fundamental é a Constituição", mas devem ser levados em conta "a realidade social e o momento histórico".

Repetindo inúmeras vezes que não comentaria "casos concretos" que possa vir a julgar, o novo ministro diz que adotará como conduta só "falar nos autos", mas evita julgar o comportamento de seus futuros colegas nesse quesito.

 

Advogado especializado na área eleitoral, ele defende o voto obrigatório como valorização da política e da cidadania e diz que um terceiro mandato para presidente é "questionável" e pode levar "à perpetuação no poder". Leia a seguir a entrevista concedida pelo novo ministro do Supremo à Folha em sua casa, na última sexta-feira.

 

FOLHA - O plenário do Supremo é palco constante de disputas em torno de decisões do Executivo. O sr. fez parte dele antes de se tornar ministro do Supremo. Como enfrentar esse dilema?

JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI - A minha vida, no momento que tomar posse no Supremo Tribunal Federal, passa a ser outra. A atuação que tive no governo e todo o meu passado passam a não existir mais. O que existe é um juiz, que tem o dever de defender a Constituição e julgar as causas de acordo com ela. É evidente que nas causas em que me manifestei enquanto advogado-geral da União estarei impedido de atuar.

 

FOLHA - O sr., por exemplo, vai votar ou pretende se considerar impedido de se manifestar sobre a concessão de refúgio a Cesare Battisti?

TOFFOLI - Esse caso eu analisarei quando estiver no Supremo. Ainda não tomei posse, seria até um desrespeito à corte antecipar um posicionamento futuro.

 

FOLHA - O sr. foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil na gestão do ministro José Dirceu, que é réu numa ação penal sob a acusação de ter chefiado o mensalão. Há suspeição sua para julgar o caso quando o ministro Joaquim Barbosa levá-lo ao plenário?

TOFFOLI - Eu não vou falar sobre caso concreto.

 

FOLHA - O sr. vai entrar na vaga do ministro Menezes Direito, que era substituto no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O sr. pode substituí-lo nessa função? Haveria suspeição no seu caso por já ter atuado como advogado eleitoral?

TOFFOLI - Quem escolhe os ministros do Supremo que irão integrar o TSE é o plenário do Supremo Tribunal Federal. Não tenho a mínima ideia se serei ou não escolhido. Caso venha a ser, e é da tradição do Supremo indicar aquele que não foi para essa função, é evidente que não há, no meu entender, nenhum tipo de impedimento de atuação no TSE. Pelo contrário, a minha especialização em direito eleitoral só será útil para julgar as causas.

 

FOLHA - Por falar em independência, como deve ser o processo de construção de uma decisão de um ministro do STF? Baseado estritamente no que diz a lei ou é possível uma interpretação à luz das circunstâncias históricas e do momento?

TOFFOLI - É evidente que a realidade social e o momento histórico se manifestam na visão do juiz. Se nós formos pegar um exemplo de fora do Brasil, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sob a mesma Constituição, se entendeu que era legítima a escravidão e, depois, que ela não era legítima. A realidade social, a realidade da cultura do momento em que se vive integra a formação da consciência de um julgador.

 

FOLHA - Na hora de interpretar a Constituição, esses fatores devem ser levados em conta?

TOFFOLI - Para usar um exemplo bíblico, Jesus Cristo disse: "O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado". O que Jesus quis dizer com isso? Que a lei existe para o homem, não é o homem que existe para a lei. A lei é o parâmetro, mas ela leva em conta, ao ser aplicada, o homem, o ser, a vida.

 

FOLHA - Até pouco tempo se costumava dizer que um ministro do Supremo se pronunciava apenas pelo voto. Hoje, alguns membros costumam fazer análises públicas de temas que tramitam na Casa. Qual dos caminhos o sr. pretende seguir?

TOFFOLI - Eu não vou comentar comportamentos de outros ministros. O que eu posso dizer é que não estarei comentando casos concretos que possam vir a ser julgados. É evidente que, após uma decisão tomada pela Suprema Corte, a sociedade debata. É um dever da sociedade debater.

 

FOLHA - Mas tem outro tipo de debate, não com relação a casos específicos, mas sim ao papel político do Supremo. O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, se manifestou algumas vezes contra os excessos da Polícia Federal, do Ministério Público, contra o que acha uma interferência de um Poder no outro.

TOFFOLI - O Supremo Tribunal Federal é um colegiado, composto por pessoas com perfis diferenciados. O meu perfil, que eu adotarei, será um de falar nos autos sobre casos concretos.

 

FOLHA - O sr. disse que a Constituição atual não prevê o terceiro mandato e, por isso, ele é ilegal. Se esse princípio for incluído na Constituição, ele ajuda ou atrapalha o processo democrático?

TOFFOLI - No meu entendimento, o terceiro mandato consecutivo é, no princípio republicano, algo bastante questionável. Não quero adiantar posição, mas a ideia de um terceiro mandato pode levar à perpetuação no poder. É algo questionável, discutível do ponto de vista jurídico.

 

FOLHA - O sr. é a favor de mudanças no nosso sistema eleitoral, com adoção do voto distrital misto ou em lista? Aberta ou fechada?

TOFFOLI - Dos vários sistemas eleitorais que eu já estudei, para a formação da Câmara dos Deputados, entendo que o melhor sistema é o alemão, chamado de sistema proporcional misto.

 

FOLHA - O sr. é a favor da manutenção do voto obrigatório?

TOFFOLI - Entendo que o voto obrigatório é legal. Legítimo. Eu penso que a política é uma área extremamente nobre, onde se dá os debates da construção da nação, onde se tem de fazer a grande discussão do país. Então, nesse sentido de valorização da política e da cidadania como foro onde tem de se dar as grandes decisões, eu sou a favor do voto obrigatório.

 

FOLHA - Analistas defendem que o atual sistema de financiamento de campanha transforma o congressista num lobista do setor privado. Concorda?

TOFFOLI - Nós temos de acabar com essa história. Respondendo da forma como você perguntou, parlamentar nenhum é lobista: é representante do povo. Ao representar o povo defende interesses. Temos de acabar com essa situação de se achar no Brasil que defender interesses é crime. Temos de acabar com a ideia de criminalização da política. Se alguém é eleito com base numa região do país, com base no apoio de um segmento social...

 

FOLHA - Seja ele empresarial ou sindical...

TOFFOLI - Sem dúvida, é legítimo que, se alguém foi eleito pelo setor da indústria, defenda os interesses da indústria. Se foi eleito pelo setor sindical, trabalhista, de trabalhadores, que defenda uma legislação protetora dos trabalhadores. Ele foi eleito para isso. Pensar diferente é hipocrisia. Temos de acabar com essa hipocrisia de que defender interesses é a ausência de legitimidade. Pelo contrário, é o que legitima a ordem democrática. É por isso que o Parlamento é o local de discussão mais nobre da política, porque ali está representada a sociedade.

 

FOLHA - E o financiamento de campanha?

TOFFOLI - O problema do financiamento de campanha entra na questão de dar paridade de armas a todos aqueles que querem ser representantes da sociedade, para que alguns, pelo fato de ter mais condições econômicas, não passem a ter uma maioria em relação aos que não têm acesso a financiamento de campanha. É para isso que existe a Justiça Eleitoral, que tem agido no sentido de trazer essa paridade de armas. E cada vez mais vejo que está havendo um rigor maior nesse acompanhamento de financiamento.

 

FOLHA - E a questão da sua indicação de um advogado para o ex-ministro Silas Rondeau?

TOFFOLI - Não vou comentar esse episódio. Já respondi.

 

Pluralidade do STF é o "ideal", diz ministro

 

O ministro do STF José Antonio Dias Toffoli afirmou que a pluralidade é o "ideal" de uma corte coletiva e que os recentes bate-bocas no Supremo sempre aconteceram.

"É fruto da transparência", afirmou, ao comentar que eles ganharam mais repercussão por conta da TV Justiça e da rádio Justiça, que permitem o acompanhamento on-line dos julgamentos.

Ex-advogado-geral da União do governo Lula, Toffoli toma posse no dia 23 de outubro e promete trabalhar "tantos anos quantos eu for útil à nação" ao comentar a hipótese de ficar no Supremo por quase 30 anos. (VALDO CRUZ E VERA MAGALHÃES)

 

FOLHA - Nos últimos meses, o STF foi palco de bate-boca entre ministros, algo que não era usual. É fruto da transparência do tribunal ou um novo momento histórico?

TOFFOLI - Todo colegiado tem altos graus de discussão e de debate. Acompanho o Supremo de perto desde 1995, quando me mudei para Brasília. Naquela época, não tinha TV Justiça. Só sabia o que acontecia nos debates de votação em plenário do Supremo quem estivesse lá de corpo presente.

E eu me lembro de ter assistido a grandes discussões, a grandes embates, a grandes polêmicas entre ministros da Suprema Corte. Então, não se trata, no meu entendimento, de algo novo no Supremo.

Discordo da tese da pergunta, porque historicamente esses debates sempre aconteceram no Supremo. O que acontece é que foi criada a TV Justiça, a rádio Justiça, é fruto da transparência.

 

FOLHA - O sr. está prestes a ingressar numa corte que só há pouco tempo admitiu mulheres, um negro, e, agora, deve assumir como um dos ministros mais jovens da história. Essa pluralidade é boa para o funcionamento do Supremo?

TOFFOLI - Essa pluralidade é o ideal de uma corte coletiva. Por que o Judiciário, na sua alta corte, no mundo inteiro, é um colegiado? Exatamente porque a decisão final só vai ser a melhor possível se for fruto de debate, fruto de várias visões jurídicas e de mundo.

 

FOLHA - O sr. acha que a forma de indicação de ministros para o Supremo, pelo presidente da República, é a melhor?

TOFFOLI - Seja qual for o sistema de indicação para a Suprema Corte, o que é fundamental é que ele tenha o crivo do eleitor, do cidadão. Na atual forma de composição brasileira, que vem desde a época da Constituição de 1891, nós temos dois momentos de participação do eleitor: uma pelo presidente da República, que é quem indica o ministro, e outra pelo Senado Federal, que é quem aprova. O que se pode discutir, e eu disse lá na arguição, é que se pode aumentar o quorum. Tem país que tem quorum de dois terços de aprovação da Câmara Alta.

 

FOLHA - Há uma corrente que defende que o Supremo não deveria julgar questões penais. Que deveria haver uma corte exclusiva para isso.

TOFFOLI - É a ideia de que se deveria ter a Suprema Corte exclusiva para questões constitucionais, e que as questões penais ficariam a cargo de outra corte. É uma questão que cabe à sociedade como um todo defender. De qualquer forma, eu vou para o STF com muita disposição para trabalhar, e para atuar em todas as áreas. Eu sou um apaixonado pelo direito, gosto de todas as áreas do direito, atuei em todas. Então, não tenho dificuldade nenhuma em atuar em nenhuma área.

 

FOLHA - O sr. está preparado para ficar 30 anos fazendo a mesma coisa, depois de ter tido uma vida profissional dinâmica e uma ascensão tão jovem?

TOFFOLI - A honra de assumir um cargo de ministro da Suprema Corte, de qualquer país do mundo, principalmente de um país como o Brasil, com a dimensão do Brasil e do povo brasileiro, é tão grande, tão grande, que evidentemente entro com vontade de trabalhar muito pelo Brasil e vocacionado a trabalhar tantos anos quantos eu for útil à nação. Se forem 10, 15, 20, 30 anos, me dedicarei a ele.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 4/10/2009

 

 

 

 


Comunicados do Centro de Estudos

 

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Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 3/10/2009