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Defensores vão fazer paralisação

Advogados públicos reclamam ao Estado sobre más condições de trabalho e redução em orçamentos

Rodrigo Pereira

Os defensores públicos de São Paulo prometem uma grande paralisação na terça-feira, em protesto contra o governo estadual pelas más condições de trabalho e pela redução no valor do orçamento destinado à instituição proposto à Assembléia Legislativa. Serão mantidos apenas os serviços essenciais da Defensoria, como o plantão no Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo), nos Fóruns, atendimentos a flagrantes, medidas cautelares, mandados e pedidos de liberdade.

O ato, intitulado Dia em Defesa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pretende alertar para “a possibilidade concreta de interrupção do serviço público” a partir de janeiro, segundo o presidente da Associação de Defensores Públicos do Estado de São Paulo (Apadep), Davi Depiné. Ele explicou que a Defensoria conta hoje com um quadro de funcionários emprestados de outras instituições públicas, por um acordo que se encerra este ano.

“Um projeto de contratação de funcionários administrativos tinha de ter sido enviado à Assembléia Legislativa em julho, mas até agora está nas mãos do governador e não sabemos quando isso vai se resolver. E sem o apoio não temos como funcionar”, diz Depiné.

O orçamento para 2008 é outro ponto de queixa dos defensores. Eles enviaram proposta de R$ 72 milhões ao governo estadual, que reduziu o valor para R$ 37 milhões - R$ 6 milhões a mais do que em 2007. Depiné argumenta que o valor é inviável, pois o quadro da instituição saltou de 87 para 400 ao longo deste ano - houve 221 defensores empossados em maio e 92, em setembro.

Em nota, a Secretaria de Economia e Planejamento do Estado afirma que propôs orçamento de R$ 353 milhões ao órgão para 2008, ante R$ 315 milhões previsto para 2007 - e contesta a alegação do aumento de efetivo. “Os recursos do Tesouro do Estado para despesa com pessoal serão praticamente iguais aos deste ano (...) porque o orçamento para 2007 já contemplava a previsão de um quadro de 400 profissionais”, diz a nota. “Haverá sobra na despesa prevista para este ano”, conclui.

Segundo o presidente da Apadep, o valor divulgado pela secretaria está incorreto, pois inclui o Fundo de Amparo ao Judiciário (FAJ). “Somaram a verba que vem das custas extrajudiciais, que não sai do Tesouro. Em tese, o FAJ serviria para estruturar e manter a Defensoria, mas desde os anos 90 ela está comprometida com a Ordem dos Advogados do Brasil”, afirmou Depiné.

É esse fundo que paga os advogados que atuam em cidades onde não há Defensoria Pública (90% dos municípios do Estado). “Em 2007, R$ 290 milhões vão para a OAB; este ano, são R$ 295 milhões”, estima Depiné. O ato de terça-feira será iniciado na frente da Praça da Sé, às 11 horas, e prevê uma visita à Secretaria de Justiça e à Assembléia Legislativa.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/10/2007

 


SP terá câmaras de conciliação

O governo Estadual, a Prefeitura de São Paulo e entidades civis vão assinar na segunda-feira um protocolo de intenções para a criação de câmaras de conciliação extrajudiciais na capital, com acordos que têm amparo legal. A celebração do acordo prevê a formação de mediadores a partir de cursos ministrados por juízes, promotores de Justiça, economistas, psicólogos e outros especialistas com experiência em mediação. A primeira fase do curso, com 80 vagas, vai começar no dia 30 de novembro, terá três semanas de duração e 80 vagas. A procuradora Juliana Demarchi explicou que no início do ano já serão realizadas sessões de conciliação nos Centros de Integração da Cidadania (CIC) espalhados pela capital. “Vamos fazer essa experiência piloto na capital e depois expandir pelo Estado”, disse Juliana. “A idéia é que a cultura do enfrentamento, do embate, vá sendo substituída pela do diálogo.”

Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/10/2007

 


Ministro indefere pedido do município de São Paulo contra seqüestro de verbas para pagamento de precatórios

Liminar requerida pelo município de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP), que determinou o seqüestro de verbas para o pagamento de precatórios, foi indeferida. A decisão do ministro Carlos Ayres Britto ocorreu na análise da Reclamação (RCL 5463) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF)

O município paulista alega que o TJ-SP descumpriu decisão do STF ao determinar o seqüestro de valores que teriam sido indevidamente atualizados. Para tanto, cita julgamento em ação direta de inconstitucionalidade que, ao interpretar dispositivo do regimento interno do tribunal estadual, firmou o entendimento de que atualizações de valores de precatórios só podem ser feitas no caso de erro material ou de inexatidão aritmética no precatório original.

Nesses casos, a diferença deve ser compensada sem que seja necessário entrar novamente na fila para pagamento de precatórios, que obedece a uma ordem cronológica.

Decisão

“Não vislumbro, nesse exame superficial, típico das cautelares, a fumaça do bom direito (fumus boni juris) do reclamante”, disse o ministro-relator, ao indeferir a liminar. Segundo ele, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o crédito foi parcelado em oito anos, por força do artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Em razão da desatualização do pagamento, Carlos Ayres Britto afirmou que foi requerida a complementação do saldo devedor, o que foi deferido e determinado que ocorresse em 90 dias. “A decisão ora reclamada, a seu turno, teve origem em pedido de seqüestro de verbas municipais, tendo em vista a alegada quebra da ordem cronológica de apresentação dos precatórios”, disse.

Para o ministro, na via estreita da reclamação, não cabe analisar o mérito da decisão reclamada, mas apenas o eventual desrespeito à autoridade das decisões do Supremo. “Assim, no presente caso, basta verificar, nesse primeiro exame, que os valores referidos no precatório complementar tratam de mera atualização do precatório original”, avaliou, ressaltando que documento anexado aos autos demonstra que “a alteração dos índices se deu em virtude da substituição operada por força de lei”.

Dessa forma, o ministro entendeu que não está evidenciada afronta aos julgados do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1098 e 2924. “O pagamento em noventa dias, no curso do mesmo precatório, é possível quando se tratar de mera atualização ou substituição de índices por força de lei, o que parece ser o caso”, afirmou Ayres Britto.

Segundo ele, à alegação do reclamante de que os valores ainda estão em discussão “se contrapõe o fato de a decisão reclamada haver excluído a incidência dos juros moratórios e compensatórios, bem como adotado o índice defendido pelo município”. Por fim, entendeu que “não há o menor sinal de que a base de cálculo utilizada para a elaboração da conta, perante o juízo monocrático, seria diversa da utilizada pelo Departamento de Precatórios do TJ/SP”.

Fonte: site do STF, de 29/10/2007

 


Não se deve admitir paralisação na Justiça, diz Toffoli

As greves no setor público devem ter tratamento legal mais rigoroso do que as de trabalhadores da iniciativa privada porque no primeiro caso “não se trata de greve do trabalho contra o capital. É a greve de um setor que presta serviço ao cidadão”. A opinião é do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli.

Em entrevista ao repórter Frederico Vasconcelos, publicada na Folha de S.Paulo deste domingo (28/10), o advogado da União disse que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre greve esclareceu alguns critérios importantes, como a possibilidade de descontar os dias não trabalhados. Na quinta-feira (25/10), o STF impôs limites às greves no funcionalismo público ao decidir que enquanto perdurar a omissão legislativa para a regulamentação da matéria, valem para o setor as regras definidas para a iniciativa privada.

Para Toffoli, a decisão do Supremo deve acelerar o envio, do Executivo para o Congresso, do projeto de lei que regulará as greves do funcionalismo. O advogado-geral afirmou também que “em certas áreas, não deveria ser admitida a greve, como na Justiça, na Educação. Não há como repor os dias perdidos”.

Leia a entrevista à Folha

Qual será o impacto imediato da decisão do Supremo?

José Antonio Toffoli — Alguns critérios passaram a ficar claros. Por exemplo, a possibilidade de descontar os dias não trabalhados, de a Justiça decretar se uma paralisação é legal ou não e de haver um quórum para a assembléia decidir a greve.

Essa decisão deve refrear paralisações no serviço público?

Toffoli — Não vai refrear. Vai trazer um novo paradigma. Porque havia uma situação de total liberdade. Com certeza, vai reduzir litígios e conflitos.

Isso apressará o envio do projeto do governo ao Congresso?

Toffoli —- O Congresso e o Poder Executivo não podem ficar ausentes desse debate e terão que acelerar a definição de uma lei sobre a greve. Até porque a lei do setor privado não deve ser um paradigma para o setor público. A greve no setor público deve ter tratamento mais rigoroso, do ponto de vista da lei.

Não procede, então, a alegação de que o projeto que o governo encaminhou tem semelhança com a lei de greve do setor privado?

Toffoli — Ela pega as premissas do setor privado e as torna mais rigorosas no público. O quórum para aprovar a greve aumenta e é maior o percentual de servidores para as necessidades de atendimento público. As condições têm de ser mais rigorosas, pois no setor público não se trata de greve do trabalho contra o capital. É a greve de um setor que presta serviço ao cidadão.

Quais são os pontos mais importantes do projeto do governo?

Toffoli —- O quórum. Uma greve tem de ter legitimidade. A notificação prévia para iniciar a paralisação. E a possibilidade do desconto dos dias não trabalhados. Se a pessoa não trabalhou, tem que arcar com esse ônus. O mais importante é a possibilidade de contratação imediata de servidores para substituir os grevistas.

Os sindicatos vão pressionar por mudanças no projeto?

Toffoli —- Até onde sei, a negociação coletiva na administração pública é a contrapartida que as lideranças sindicais querem do governo para a regulamentação do direito de greve.

É possível estabelecer a negociação coletiva no setor público? Isso não está no projeto.

Toffoli — É possível, mas não no projeto. Existe um tratado internacional, a Convenção da OIT nº 155. O Executivo ainda não encaminhou [ao Congresso]. Precisaria o governo mandar as duas coisas, a lei de greve e um decreto legislativo.

O senhor citou a necessidade de se evitar o “exercício da greve sem limites”. Em quais áreas essa situação tem sido mais preocupante?

Toffoli — Em certas áreas, não deveria ser admitida a greve, como na Justiça, na Educação. Não há como repor os dias perdidos. A área da cultura ficou três meses paralisada. Houve greve na Receita Federal, no Incra, no Ibama. Houve atrasos em obras essenciais.

O governo vai usar para valer esse instrumento, sabendo-se que o funcionalismo público é uma categoria muito ligada ao PT?

Toffoli — O governo Lula não é um governo de servidor público. É um governo para atender o país e a sociedade. Evidentemente, o setor público é um segmento extremamente importante da sociedade. Esperamos que saibam acatar que toda reivindicação tem que ter regras. Vários sindicatos compreendem essa necessidade.

Fonte: Conjur, de 28/10/2007

 


Judiciário ocupa vácuo do Legislativo e do Executivo

Três quartos das leis brasileiras submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal em 2006 foram consideradas inconstitucionais. O número estrondoso — que faz parte do levantamento do Anuário da Justiça 2007 — comprova o que é comentado pelos quatro cantos do país: a qualidade das leis produzidas no Brasil é sofrível.

Para o economista Armando Castellar Pinheiro, a má qualidade da produção legislativa e da regulamentação do Executivo são as principais responsáveis pela insegurança jurídica no país. O Legislativo faz leis ambíguas, o Executivo muda as regras quando bem entende e o Judiciário fica com a tarefa de quase escrever a lei.

Um dos poucos pesquisadores que se debruçou seriamente sobre o impacto da Justiça sobre a Economia, Castellar observa que assim são criadas as políticas do país: caso a caso. O Judiciário vai decidindo cada processo que chega às suas mãos e a soma disso gera o que teria de ser um planejamento. “O Judiciário tem ocupado o campo de regulação por falta de trabalho dos outros dois Poderes.”

No final da década de 1990, o economista mergulhou em uma pesquisa para saber de que maneira o Judiciário influenciava na Economia. Descobriu que, se a Justiça fosse célere e previsível, o país poderia crescer 0,8% a mais por ano.

Mas não há segurança jurídica ou previsibilidade no Brasil. E, sem isso, não há investidor que não pense duas vezes antes de se arriscar. Há, isso sim, empresários que usam da morosidade judicial e da baixa taxa de juros cobrada pelo Judiciário para fazer da Justiça ferramenta do planejamento tributário. Sabem que vão perder a causa e terão de pagar a dívida, mas durante os longos anos de tramitação do processo, investem o dinheiro e obtém lucros maiores do que os juros que serão cobrados depois pela Justiça.

Em entrevista à Consultor Jurídico, Castellar apontou os problemas da Justiça sob a ótica da Economia e apresentou possíveis soluções. Veja a entrevista.

ConJur — Qual o impacto do Judiciário sobre a economia?

Armando Castellar Pinheiro — Comecei a estudar esse impacto em 1997, quando não existia nenhum estudo sobre isso. Depois de fazer pesquisa com centenas de empresas, a conclusão é de que a taxa de crescimento do PIB seria 0,8% maior se o Judiciário fosse eficiente, o que significa: previsível, imparcial e célere. Pode parecer um número pequeno, mas não é se considerarmos um período longo. Lógico que o Judiciário não é o grande limitador que impede o Brasil de se transformar em uma China em termos de crescimento, mas a Justiça poderia dar uma contribuição importante para o crescimento mais rápido do país.

ConJur — Mas como o senhor chegou a esse número?

Castellar — Com base em questionários feitos com centenas de empresas que tinham, pelo menos, 50 empregados. Foram feitas perguntas diversas para entender como era o relacionamento das empresas com o Judiciário. A idéia era descobrir como as empresas reagiriam se o Judiciário melhorasse: como mudaria a decisão de contratar mão-de-obra, de produzir, de negociar com o setor público, de investir em outros estados, de terceirizar as atividades.

ConJur — Qual foi o principal problema do Judiciário apontado pelos empresários?

Castellar — A falta de celeridade. No entanto, em algumas áreas do Direito, como na trabalhista, cerca de um quarto das empresas considera positiva a lentidão da Justiça.

ConJur — A percepção é a de que a maior parte dos empresários prefere ter uma decisão rápida, ainda que não seja favorável?

Castellar — Minha avaliação é a de que depende muito do lado em que se está. Na área tributária, por exemplo, muitos empresários usam o Judiciário como instrumento de planejamento tributário. Na área trabalhista, a lentidão da Justiça é usada como poder de barganha para forçar o trabalhador a fazer um acordo. Na área comercial, quando o Cade barra uma fusão, interessa para as empresas que a Justiça seja lenta. Enquanto o Judiciário não decide, a fusão se efetiva. Depois, fica impossível reverter aquilo.

ConJur — Quando, então, a lentidão prejudica os empresários?

Castellar — A morosidade da Justiça é um problema sério nos casos de concessões públicas. Lembro-me de um caso que aconteceu há vários anos. Na concessão da ponte Rio-Niterói, a empresa que perdeu recorreu à Justiça para tentar forçar algum tipo de acordo com a empresa que ganhou. Nesse caso, por exemplo, interessa uma solução rápida.

ConJur — A arbitragem é uma solução boa para os casos que precisam de decisão rápida?

Castellar — A arbitragem não é fácil para as empresas. Há três grandes vantagens: velocidade, sigilo e especialização do árbitro. Mas é muito cara. Ela só é procurada nos grandes processos. Não dá para resolver o dia a dia com arbitragem. Para as empresas, também pesa o fato de que não há recurso de decisão arbitral. Enfim, a arbitragem é uma solução muito boa para casos muito grandes, que envolvem muito dinheiro, assunto muito técnico e necessidade de sigilo. Não é alternativa para o dia a dia.

ConJur — Qual é o caminho para que o Judiciário deixe de ser empecilho para o crescimento do país?

Castellar — O mais importante é a previsibilidade. A maior parte dos conflitos na sociedade não é resolvida pela Justiça. A sociedade sabe quais são as regras. Por exemplo, em uma batida de carro, todos sabem que quem bateu atrás é quem tem de pagar. Não precisa da Justiça para dizer isso. Quanto mais previsível for a Justiça, menor será a necessidade de ela ser acionada.

ConJur — A Justiça no Brasil é previsível?

Castellar — Não. É extremamente imprevisível. O desfecho de um caso depende do juiz que irá julgá-lo. Já peguei depoimento de advogados que contam como eles ficam levando e retirando causas da Justiça até cair na mão de determinado juiz, onde eles sabem que vão ganhar. Há, às vezes, diversas decisões diferentes sobre um tema que supostamente está pacificado.

ConJur — O senhor disse que há empresas que se beneficiam com a morosidade do Judiciário. Ou seja, elas próprias são uma barreira para tornar a Justiça célere. Como resolver isso?

Castellar — Uma das minhas sugestões é cobrar uma taxa de juros de mora parecida com a Selic. Aí, o Judiciário deixaria de ser uma boa aplicação financeira. Hoje, recorrer ao Judiciário é um bom negócio porque o rendimento no mercado financeiro é muito mais alto do que os juros que incidem sobre a dívida discutida na Justiça. Chamo isso de arbitragem financeira. A empresa tem uma dívida, sabe que vai ter de pagar, mas recorre à Justiça. Aplica o dinheiro e, quando tem de pagar, terá ganhado um montante maior do que o valor da dívida com os juros de mora.

ConJur — Há outra maneira de acabar com essa arbitragem financeira?

Armando Castellar — Há uma movimentação infraconstitucional para isso. Há a multa para quem age com má-fé na Justiça, por exemplo. Singapura fez algo que eu considero radical demais e não defendo. A Suprema Corte de lá decidiu que o primeiro dia do processo na Justiça era de graça. A partir do segundo, a parte começa a pagar. A partir daí, todo mundo passou a ter interesse em fazer o processo ter uma solução rápida. A atitude é radical, mas o espírito vale. Outra mudança que ajudaria a desestimular a arbitragem financeira é as decisões do Supremo Tribunal Federal valerem para todo mundo. Como muitas delas não valem, entram na Justiça não com a esperança de mudar o entendimento do STF, mas para protelar o pagamento.

ConJur — Judiciário e economia têm tempos diferentes. Um é mais lento até por questão de segurança, a outra, dinâmica. Como conciliar isso?

Castellar — Eu me insurjo muito contra esse tempo da Justiça. Não há nenhuma evidência de que as decisões mais lentas são as que têm mais qualidade. As decisões demoram porque os processos ficam na gaveta. Havia processo no Tribunal de Justiça de São Paulo que demorava cinco anos para ser distribuído. Isso não tem a ver com segurança jurídica. O tempo gasto é tempo morto, na gaveta. Não é que o juiz gasta dias analisando o processo até chegar à melhor decisão. E esse tempo não é de graça. A parte que tem razão paga por isso.

ConJur — Ou seja, a lentidão custa caro?

Castellar — Há uma má compreensão do que significa a lentidão. É errada a idéia de que reclamar da lentidão é puro capricho da economia, que tem pressa enquanto o Direito se preocupa com a segurança jurídica. Não é nada disso. Defende-se a lentidão e a quantidade de recursos protelatórios com o argumento de que se está privilegiando um amplo e irrestrito direito de defesa. Não é verdade. Isso impede a defesa daquele cidadão que teve seu direito prejudicado.

ConJur — O Judiciário tem ficado cada vez mais importante para a economia?

Castellar — O Judiciário é mais importante hoje do que há 20 anos. Ele se tornou importante a partir do processo de redemocratização do país. Antes, tudo era decidido nos gabinetes do Executivo, e não na Justiça. O processo de privatização foi importante por isso. Como dar crédito para uma empresa pública se não há garantia de que ela vai pagar? Daí a necessidade de privatizar para poder ter garantia. Hoje, os juízes precisam compreender o quão importantes são para a economia.

ConJur — E os juízes têm consciência dessa importância?

Castellar — Eu acho que não percebem corretamente. Nas escolas de Direito é passado um conhecimento imperfeito do quão importante o Judiciário é para a economia. A maior prova disso é o pouco caso com a lentidão e essa idéia de que a segurança jurídica não tem preço. Ela tem preço sim e é um preço caro.

ConJur — A maior parcela da responsabilidade de o Brasil não crescer como poderia pode ser atribuída a qual dos três poderes?

Castellar — Há duas questões que impedem o crescimento: a bagunça fiscal e a insegurança jurídica. A segurança jurídica não é só responsabilidade do Judiciário. Envolve o Executivo, que muda as regras com uma facilidade muito grande e sacrifica a segurança por motivos políticos. Como fazer um investimento para ter retorno em dez anos se não dá para saber como estarão os impostos até lá? O Legislativo também é responsável pelo vácuo regulatório grande que existe no Brasil. Tudo isso faz com que o Judiciário substitua tanto Legislativo como o Executivo. Ou seja, o Judiciário tem ocupado o campo da regulação por falta de trabalho dos outros dois poderes. As decisões no Judiciário são tomadas caso a caso, não obedecem a uma política pública. Aí, cresce a insegurança jurídica. A política pública fica muito fragmentada porque se torna a soma de decisões judiciais independentes no lugar de um planejamento consciente.

ConJur — É possível calcular quanto o país perde com a paralisação de obras de infra-estrutura por decisões judiciais?

Castellar — Não tenho esses números, mas certamente eles são grandes. As obras de infra-estrutura têm repercussões ambientais importantes e não há leis claras tratando desses impactos. O Congresso Nacional hoje é muito fragmentado. Por isso, acabam sendo aprovadas leis ambíguas que agradam a todos. Com a produção legislativa de péssima qualidade, o juiz tem de decidir o conteúdo da lei e não apenas se a lei está sendo respeitada ou não. Em uma sociedade organizada, esse não deveria ser o papel do juiz, já que ele não está preparado para isso porque não tem a visão do todo.

ConJur — A sociedade deveria cobrar mais qualidade na elaboração das leis, então.

Castellar — A nossa sociedade não gosta de direitos de propriedade bem protegidos. Gosta dessa maneira mais fluída em que há margem para respeitar e margem para desrespeitar. Não existe um clamor social pela proteção dos direitos de propriedade, por uma lei mais rigorosa. A sociedade não percebeu ainda que tudo isso tem um custo e afeta o desempenho da economia. Esse é o trabalho difícil: fazer a sociedade entender o papel da segurança jurídica nos investimentos.

ConJur — Para o empresário, a morosidade da Justiça é agravada quando ele está lidando com o setor público. Aí, não basta ganhar no Judiciário, ele tem de esperar o poder público pagar o precatório. Isso influencia nos negócios, não?

Castellar — Eu não fiz nenhum levantamento sobre isso, mas acredito que sim. As PPPs não decolaram em parte porque não há uma garantia de poder executar o acordo caso o governo não cumpra a sua parte.

ConJur — Uma decisão do Cade questionada na Justiça leva anos para ser colocada em prática. Quando chega o momento de valer, ela já perdeu sua eficácia. Por exemplo, o Cade proíbe uma fusão. No entanto, as empresas recorrem à Justiça e, enquanto isso, executam a fusão. Depois, não dá mais para voltar atrás.

Castellar — Nestes casos, acho que o ônus da prova deveria ser revertido. Ou seja, se há uma decisão colegiada, seja do Cade ou de uma agência reguladora, ela deveria valer até o trânsito em julgado de um eventual processo no Judiciário. Se o Cade barra uma fusão, ela deveria ficar impedida de acontecer até uma decisão final da Justiça.

ConJur — Mas aí a questão do tempo prejudicaria as empresas porque uma fusão barrada hoje pode não ser mais viável daqui a cinco anos.

Castellar — Mas aí a empresa teria interesse em fazer o processo andar rápido. Ela vai ajudar a Justiça a ser rápida, e não desejar a demora.

ConJur — Se a maior parte das decisões do Cade acabam na Justiça, para que existir o Cade?

Castellar — O Cade foi criado devido à necessidade de resolver questões que exigem um conhecimento específico muito grande. As decisões do Cade podem ser questionadas na Justiça, mas precisam ser colocadas em prática enquanto a Justiça não decide. Senão, o Cade acaba virando só uma instância zero e tudo fica ainda mais lento. O Cade é um tribunal administrativo que tem todas as razões para estar isento. Por isso, o Judiciário tem de confiar nas suas decisões.

ConJur — A ampliação da atuação do Cade é uma maneira de diminuir o número de processos na Justiça?

Castellar — Não acredito que seja esse o caminho. A razão de existir do Cade é ser um tribunal especializado. Por isso, não acho que deveria se abrir para outros temas também. Acho que os Juizados Especiais têm um potencial grande para aliviar o Judiciário. Há cerca de um ano, vi um levantamento do Supremo que diz que 60% das causas dos Juizados são previdenciárias. Ou seja, são processos muito iguais. Ou seja, se houvesse uma decisão que valesse para todo mundo, a carga de trabalho poderia ser reduzida em 60%. Isso também torna a Justiça previsível. As pessoas sabem como a causa vai ser decidida e deixam de recorrer ao Judiciário.

ConJur — O senhor está trabalhando em outra pesquisa?

Castellar — Não. Mas ainda quero fazer uma pesquisa sobre o papel do Judiciário na regulação. A influência disso em áreas como saúde e ambiental.

Fonte: Conjur, de 28/10/2007

 


São Paulo não consegue suspender seqüestro de verbas

O município de São Paulo não conseguiu suspender a decisão que determinou o seqüestro de verbas para o pagamento de precatórios. O pedido de liminar contra a decisão do Tribunal de Justiça paulista foi negado pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal.

O município paulista alegou que o TJ-SP descumpriu decisão do STF ao determinar o seqüestro de valores que teriam sido indevidamente atualizados. Para tanto, citou julgamento em Ação Direta de Inconstitucionalidade que, ao interpretar dispositivo do regimento interno do tribunal estadual, firmou o entendimento de que atualizações de valores de precatórios só podem ser feitas no caso de erro material ou de inexatidão aritmética no precatório original.

Nesses casos, a diferença deve ser compensada sem que seja necessário entrar novamente na fila para pagamento de precatórios, que obedece a uma ordem cronológica.

O ministro Ayres Britto não concedeu a liminar por considerar que não ter ficado evidente “a fumaça do bom direito (fumus boni juris) do reclamante”. Segundo ele, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o crédito foi parcelado em oito anos, por força do artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em razão da desatualização do pagamento, foi requerida a complementação do saldo devedor, o que foi deferido e determinado que ocorresse em 90 dias. “A decisão ora reclamada, a seu turno, teve origem em pedido de seqüestro de verbas municipais, tendo em vista a alegada quebra da ordem cronológica de apresentação dos precatórios”, disse.

Para o ministro, na Reclamação, não cabe analisar o mérito da decisão reclamada, mas apenas o eventual desrespeito à autoridade das decisões do Supremo. “Assim, no presente caso, basta verificar, nesse primeiro exame, que os valores referidos no precatório complementar tratam de mera atualização do precatório original”, avaliou. Ele ressaltou que o documento anexado aos autos demonstra que “a alteração dos índices se deu em virtude da substituição operada por força de lei”.

Dessa forma, o ministro entendeu que não está evidenciada afronta aos julgados do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 1.098 e 2.924. “O pagamento em noventa dias, no curso do mesmo precatório, é possível quando se tratar de mera atualização ou substituição de índices por força de lei, o que parece ser o caso”, afirmou Ayres Britto.

Segundo ele, a alegação de que os valores ainda estão em discussão “se contrapõe o fato de a decisão reclamada haver excluído a incidência dos juros moratórios e compensatórios, bem como adotado o índice defendido pelo município”. Por fim, entendeu que “não há o menor sinal de que a base de cálculo utilizada para a elaboração da conta, perante o juízo monocrático, seria diversa da utilizada pelo Departamento de Precatórios do TJ-SP”.

Fonte: Conjur, de 28/10/2007

 



Serra entra na briga contra emenda Dornelles

Insatisfeito com a versão aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para o projeto da nova lei de licitações, o governo estadual de São Paulo decidiu aliar-se ao relator, senador Eduardo Suplicy (PT-SP), na briga contra a exigência de fase de pré-qualificação nas licitações de obras e serviços de engenharia. A pedido do governador José Serra (PSDB), a bancada tucana no Senado vai se reunir com técnicos enviados pelo governo do Estado, esta semana. Segundo Suplicy, o objetivo do governador é convencer os parlamentares a derrubar, durante a votação em plenário, a emenda que introduziu a exigência. 

"O governo de São Paulo alertou-nos que, do jeito que ficou , será muito bom para os empresários e muito ruim para o erário. Então, vamos entrar nisso, na tentativa de alterar o texto, em defesa do dinheiro público", confirma o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado. A emenda em questão foi aprovada pela CAE, contra o voto do relator, por proposta do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que, por sua vez, atendeu a um apelo do empresariado do setor de construção. A obrigatoriedade de comprovação prévia de qualificação técnica e econômica por parte de todos os licitantes é polêmica porque compromete a inversão de fases nas licitações de obras. A possibilidade de fazer primeiro a etapa de seleção de propostas e preços, para só depois checar a qualificação do vencedor, era justamente um dos principais objetivos do projeto original, encaminhado pelo governo federal, com apoio de diversos governos estaduais, em janeiro. 

Para virar lei, o projeto ainda precisa ser submetido ao plenário do Senado e, depois, voltar à Câmara dos Deputados. A emenda de Dornelles teve amplo apoio na CAE. Por isso, para evitar que a derrota do relator se repita em plenário, o presidente da CAE, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos poucos que foi contra a proposta de Dornelles na comissão, tenta construir um acordo em torno de uma solução capaz de conciliar preocupações do empresariado com o interesse dos gestores públicos. 

Mercadante propõe substituir a exigência de qualificação prévia específica para cada licitação pela exigência de inscrição num cadastro de fornecedores de obras e serviços. Cada ente da Federação (União, Estado ou município) poderia ter o seu. Respeitada a compatibilidade entre o tipo de empresa e o tipo de obra ou serviço a ser contratado (se construção de prédios, se pavimentação de estrada, se conserto de elevadores, por exemplo), o licitante em dia com o cadastro estaria automaticamente pré-qualificado para todas as licitações em que se adotasse a inversão de fases e também para os pregões. Espécie de leilão ao contrário, em que os licitantes vão reduzindo suas propostas de preço, o pregão é uma modalidade de licitação em que já existe inversão de fases, já que qualificação é comprovada no final do processo, depois de conhecida a proposta de menor preço. Por isso, a emenda Dornelles muda uma das principais características dos pregões, já adotado para obras por diversos orgãos públicos, inclusive o Tribunal de Contas da União. 

Mercadante considera a emenda de Dornelles "danosa ao interesse público", porque propicia demora nos processos licitatórios. É na fase de pré-qualificação, diz, que as empresas costumam recorrer a liminares judiciais para tirar concorrentes da disputa. O cadastro, argumenta, fará com que brigas judiciais sejam resolvidas antes, não se repetindo a cada licitação. Ao mesmo tempo, diz ainda, atende à grande preocupação dos empresários que é a de evitar o ingresso de concorrentes aventureiros, que entrem nas disputas com preço baixo demais e depois não cumpram o contrato com o poder público. Quando o contrato não é cumprido, mesmo retomada, a obra acaba saindo mais cara, reconhece o senador. 

O presidente da CAE tentou construir o acordo em torno do cadastro ainda na comissão. Mas houve resistência do próprio relator. Suplicy concordou com a exigência de cadastro só para licitações superiores a R$ 3,4 milhões, onde o pregão é opcional. Naquelas até R$ 3,4 milhões, para as quais o pregão é obrigatório, ele rejeitou a idéia. O relator entende que qualquer coisa que restrinja a participação de empresas facilita o conluio entre concorrentes (combinação de preços) e o superfaturamento de obras. Na sua opinião, é bom que empresas possam entrar na última hora nos processos licitatórios. Se o universo de concorrentes não é previamente definido, fica mais difícil algumas empresas pressionarem outras a entrar num conluio para combinar resultados e dividir obras, com preço superfaturado. 

Mercadante discorda que o cadastro, que seria público e fiscalizado pela sociedade, favoreça conluio. Como valeria para todas as licitações de um mesmo tipo de obra e como nem todas as cadastradas necessariamente entrariam em todas as disputas, não seria possível às empresas saber com exatidão o universo de concorrentes. Mercadante argumenta ainda que impedir as empreiteiras de conhecer previamente a lista exata de licitantes não necessariamente evita conluio. Segundo o senador, a experiência internacional mostra que, independente disso, o risco de combinação existe sempre que há menos de sete empresas na disputa. 

Mesmo que Mercadante consiga convencer Suplicy a aceitar o cadastro, há dúvida se sua proposta teria apoio do resto da base parlamentar governista. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), votou a favor da emenda de Dornelles na CAE. Ele assegura, no entanto, que "o governo não tem posição fechada em relação à votação em plenário". Tudo vai depender da discussão. Jucá acha razoável a preocupação dos empresários de evitar que empresas aventureiras entrem em licitações com preços inexeqüíveis, na esperança de obter um aditivo contratual, no momento em que a obra estiver ameaçada de paralisação. 

O líder governista argumenta que, uma vez conhecido o preço, fica muito difícil para o gestor público desqualificar uma empresa, se ela não comprovar qualificação. "A sociedade não vai aceitar. O Ministério Público vai querer atuar e nenhuma obra (em que isso aconteça) vai andar. Vai emperrar tudo", alerta. O líder do PMDB no Senado, senador Valdir Raupp (RO), pensa da mesma forma. Ele está certo de de que a maioria do PMDB vai querer manter a emenda de Dornelles no projeto. 

Na avaliação de Suplicy, porém, o problema das licitações no Brasil não tem sido preços muito baixos e sim muito altos, o que pode ser um sinal de existência de conluio. A última fiscalização feita pelo Tribunal de Contas da União, por exemplo, encontrou indício de superfaturamento em 52 de um total de 231 obras fiscalizadas. 

Fonte: Valor Econômico, de 29/10/2007

 


STJ reavalia ICMS sobre contratos de energia elétrica

As secretarias de Fazenda estaduais estimam um aumento de arrecadação de cerca de 12% no ICMS sobre a energia elétrica caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ) altere sua posição sobre a demanda contratada. O caso trata da incidência do imposto sobre contratos de grandes consumidores de energia e tinha jurisprudência firmada em favor dos contribuintes na corte superior desde 2000. Mas no início deste mês a segunda turma do STJ deu maioria de três votos a dois em favor do fisco e o caso começou a ser novamente julgado na primeira seção, que reavaliará da posição da casa sobre o tema. 

Na seção o caso começou a ser julgado na semana passada em um processo da Celulose Nipo Brasileira (Cenibra), com um voto em favor da posição tradicional do STJ, do ministro João Otávio de Noronha, mas teve um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Os novos resultados se devem a uma atuação conjunta das procuradorias estaduais, que montaram uma estratégia comum de acompanhamento do caso e contratação de pareceres e conseguiram reverter o quadro. 

De acordo com o procurador-geral de Pernambuco, Francisco Tadeu de Alencar, a estimativa no Estado é de que uma reversão no entendimento garantiria R$ 7 milhões de arrecadação mensal de ICMS, de R$ 60 milhões arrecadados pelo Estado das distribuidoras de energia - uma parcela de 11,5% do tributado das contas de energia elétrica. No total da arrecadação do Estado, o resultado seria de 3%. Presente no julgamento do processo do Estado de Minas Gerais na quarta-feira passada no STJ - assim como procuradores regionais de outros Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo - o procurador diz que o caso é de grande interesse, pois Pernambuco tem casos também já distribuídos no tribunal. 

Em São Paulo, a estimativa da secretaria de finanças é de que o impacto da disputa no Estado é de R$ 533 milhões ao ano - 12,2% do que é arrecadado das distribuidoras de energia, que, por sua vez, responde por 9% da arrecadação do Estado. Um levantamento encontrou 33 processos sobre o assunto, com 14 decisões favoráveis à tese das empresas na primeira instância. De acordo com o procurador-chefe da procuradoria fiscal do Estado, Clayton Eduardo Prado, devido à notória morosidade do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ainda não há decisões de segunda instância sobre o tema no Estado. Mas a procuradoria acompanha o caso para garantir um desfecho favorável quando o tema chegar ao tribunal. 

Segundo Prado, a disputa se origina de uma regra da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prevendo a cobrança de uma tarifa "binômia" dos grandes consumidores. Neste modelo, há uma parte da conta que trata da demanda e outra da potência. A potência, no caso, é uma previsão de consumo máximo das empresas previsto nos horários de pico, pelo que há um preço fixado contratualmente. As empresas alegam que este contrato, ainda que cobrado pelas operadoras, não trata de uma quantidade de energia que foi contratada mas não foi efetivamente consumida pelas empresas - que não necessariamente chegam ao pico de consumo. Já o fisco alega que essa disponibilização de energia, como potência máxima, é, em si, uma forma de consumo, e portanto pode ser tributada. 

Fonte: Valor Econômico, de 29/10/2007

 


4 em cada 5 cidades com mais de 100 mil habitantes praticam guerra fiscal

Levantamento do IBGE também mostra que prática aumenta conforme os municípios ficam mais populosos

Wilson Tosta, RIO

Quase quatro em cada cinco cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes pratica guerra fiscal, com concessão de benefícios e renúncia tributária, para atrair indústrias e gerar empregos, revela a pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros, Gestão Pública 2006 (Munic), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento mostra que a prática também atinge mais de 40% dos pequenos municípios e se expande conforme ficam mais populosos. Enquanto 42,2% das cidades com até 5 mil habitantes incentiva investimentos, essa proporção chega a 85,7%, entre as que têm mais de 500 mil moradores. No total dos 5.564 municípios do País, pelo menos um em cada dois usa mecanismos de guerra fiscal.

 “Encontramos um número razoável de municípios que deram incentivos e receberam algum empreendimento com base neles”, disse Vânia Pacheco, gerente da pesquisa. O ano de 2006 foi o primeiro em que o IBGE mediu esse aspecto na administração pública municipal.

Ceder terrenos (44,8% dos casos) ou doá-los (43,7%) são os benefícios mais comuns, segundo o levantamento. Em seguida, vêm as isenções do Imposto Sobre Serviços (27,7%), do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (27,1%, parcial, e 26,2%, total) e de taxas (26,4%). Outros incentivos são concedidos por 27,5%. Apenas 6,7% (187) das cidades que dispõem de benefícios para atrair empreendimentos estão na Região Norte. No Nordeste são 22% (606), no Sudeste, 29,4% (810), no Centro-Oeste, 9,51% (262), e no Sul - região campeã -, 32,2% (889). Em Santa Catarina, 235 dos 293 (80,2%) concedem incentivos; no Paraná, 74,68% (298 em 399); no Rio Grande do Sul, 71,77% (356 das 496).

PAULISTAS

Em São Paulo, 395 (61,24%) dos 645 municípios deram incentivos para atrair empresas e investimentos em 2006. Ceder terrenos foi o benefício mais comum, registrado em 175 (27,13%) das localidades. No Rio, a proporção de cidades engajadas na guerra fiscal foi maior: 61 de 92 municípios concedem algum tipo de incentivo para atrair empresas. A prática, aparentemente, vem crescendo nos últimos anos em todo o País.

“Tive muitas dificuldades com a guerra fiscal”, relatou ao Estado Antônio Francisco Netto, atual presidente do Departamento de Trânsito do Rio (Detran-RJ), que, quando prefeito de Volta Redonda, de 1997 a 2004, enfrentou problemas pela falta de espaço físico na cidade para atrair empresas. “Volta Redonda tem poucas áreas disponíveis. Nossa política foi mostrar aos empresários a qualidade de vida que poderiam ter e dar a seus funcionários.” Ele disse que conseguiu atrair investimentos de serviços, entre elas três shopping centers, mas reconheceu que os incentivos eram modestos diante de municípios vizinhos, como Porto Real e Resende, cujos “terrenos planos” citou como importantes.

O estudo do IBGE também constatou que 1.203 (21,62%) das cidades tinham distritos industriais, às vezes mais de um. Já havia 1.490 áreas desse tipo implantadas, e 399 em fase de implantação.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/10/2007

 


'Principal coisa que o STF fez foi dizer que todo o serviço público é essencial'

Ministro acha que decisão ajuda negociações entre governo e sindicatos sobre o projeto que regulamenta as greves de servidores

Lu Aiko Otta, BRASÍLIA

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza o desconto dos dias parados nas greves do serviço público pode tirar do impasse as negociações entre governo e centrais sindicais sobre o projeto de lei que regulamenta a greve no caso dos servidores. A avaliação foi feita pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em entrevista ao Estado.

Ele acha que o Judiciário tocou num ponto fundamental, que é estabelecer limites para as greves, acabando com o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou ironicamente de “férias”. Na sua avaliação, o desconto dos dias parados resolve 90% das paralisações.

Para Bernardo, outro ponto fundamental da decisão do Supremo foi determinar que todos os serviços públicos são essenciais. Ou seja, em nenhuma hipótese um órgão pode ficar totalmente parado. Os principais trechos da entrevista:

O que o senhor achou da decisão do Supremo?

Embora tenha o aspecto negativo de ter sido algo decidido para cobrir uma lacuna, uma omissão nossa, por não termos até hoje regulamentado a greve do funcionalismo, acho muito bom, pelo fato de que vamos passar a ter uma regra. Isso é muito positivo.

O senhor tocou num ponto, que é a chamada judicialização - a Justiça, na prática, regulamentando questões no lugar do Legislativo. O que o senhor acha disso?

Pelo que o Supremo fez na questão da fidelidade partidária e outros temas, já esperávamos algo a respeito das greves do funcionalismo. O comportamento dos ministros tem sido ocupar lacunas por decisões, mesmo que sejam provisórias, que eliminem o vácuo.

O governo fez um anteprojeto de lei para regular a Lei de Greve, que está há tempos em discussão com as centrais sindicais. Onde a discussão está emperrada?

Às vezes as pessoas não entendem por que estamos discutindo tanto com as centrais. Mas a verdade é que o tema não tem trânsito fácil no Congresso Nacional. Se mandarmos o projeto por mandar e acharmos que os deputados vão votar, é um engano. Há 19 anos que o tema está lá para ser regulamentado e não foi até agora. De fato, temos sentido grande resistência dos sindicatos e de alguns parlamentares. Acho que agora (com a decisão do STF) mudou completamente o quadro. Agora não podemos mais dizer que não tem limite. Talvez isso também sirva para mudar o ânimo do pessoal para negociar.

Mas há algum ponto específico de resistência dos sindicatos?

Os sindicatos têm dificuldade de avançar nisso. Cheguei a dizer, em algumas reuniões, que achava que eles não queriam negociar. Eles dizem que não, mas acho que têm dificuldade. De fato, a situação até ontem (anteontem) era cômoda: não tem limite. Agora mudou a situação. Se conseguirmos nos colocar de acordo e aprovar no Congresso uma nova lei para o serviço público, ótimo. Se não, paciência.

O anteprojeto que o governo elaborou é muito duro?

É verdade. Mas podemos negociar. Se caminharmos para uma versão mais aceitável para os sindicatos, e que nós também achemos boa, fazemos acordo. E aí vamos juntos mobilizar o Congresso. Essa é que seria a estratégia boa.

E se a negociação não prosperar?

Passamos 19 anos sem uma lei regulamentando. Se demorar mais 19 anos, pelo menos nesse período vamos ter uma lei para aplicar.

O senhor tem uma perspectiva de quando o projeto de lei será enviado para o Congresso?

Se os sindicatos quiserem discutir, temos condições de em 15 dias mandar.

O que é fundamental no anteprojeto do governo?

Se eu tivesse uma lei com um único artigo para a questão da greve, ele seria: se tiver greve, desconta os dias parados. Pronto, está resolvido o problema em 90% dos casos. Mas a principal coisa que o STF fez foi dizer que todo o serviço público é de caráter essencial, quer dizer, não pode paralisar completamente em nenhum lugar.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/10/2007

 


82,4% das leis dos Estados são inconstitucionais

Só neste ano, Supremo derrubou 36 projetos aprovados pelas Assembléias Legislativas

Felipe Recondo, BRASÍLIA

Neste exato momento, algum brasileiro, em algum lugar do País, está cumprindo ao menos uma lei que não deveria ter entrado em vigor, por ser inconstitucional. Ele pode estar submetido à cobrança de taxa indevida ou sendo prejudicado com serviços públicos ruins pela contratação de apadrinhados políticos sem concurso público. A culpa por isso é, na maior parte das vezes, de deputados estaduais, eleitos justamente para fazer leis e respeitar a Constituição.

Apenas neste ano, 36 leis aprovadas nos Estados foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os casos vão desde aumento para servidores públicos, atribuição exclusiva do Executivo, até casos sui generis, como uma lei aprovada em Rondônia para permitir que motoristas e porteiros da Secretaria de Segurança Pública trabalhassem como agentes de polícia.

No ano passado, a Câmara Legislativa do Distrito Federal foi a recordista em leis inconstitucionais. Das 11 leis questionadas no STF, 9 afrontavam a Constituição. Neste ano, duas leis do DF já foram derrubadas. Outras 447 foram julgadas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal desde 2003. Neste ano, já são 107.

Em todo o Brasil, incluindo a União, foram consideradas inconstitucionais no ano passado 127 leis (ver tabela). Além do DF, Paraná, Rio Grande do Sul e Espírito Santo encabeçam a lista dos Estados com mais leis irregulares. Só Acre, Amazonas e Goiás não tiveram leis derrubadas pelo STF. Do total de normas estaduais questionadas no ano passado, 82,4% não tinham o respaldo da Constituição.

DEMORA

Por essa tradição das Assembléias, era de se esperar que os julgamentos fossem rápidos e as normas, rapidamente derrubadas. Mas ocorre o contrário, em função do acúmulo de ações. No ano passado, foram 194; neste ano, 138. Na pauta desta semana do STF, dos 18 processos que serão analisados, 13 são desse gênero.

“Com esse excesso de trabalho, às vezes demoramos dois, três anos para conseguir julgar uma ação”, afirma o ministro do STF Ricardo Lewandowski.

Enquanto não é julgada, a lei fica em vigor. É o exemplo de um artigo da constituição estadual do Paraná que vincula o reajuste dos salários de juízes aos vencimentos de promotores. A Procuradoria-Geral da República e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) consideram a lei inconstitucional e ajuizaram ação em 1994, mas ela ainda não foi julgada.

Os ministros se deparam com outra dificuldade: definir a partir de quando a lei será considerada nula. Se decidem que ela nunca valeu, todos os efeitos produzidos devem ser anulados. Mas isso é impraticável quando se trata de uma lei que, por exemplo, institui uma taxa - já que o governo teria de devolver todo o dinheiro arrecadado.

Outra solução é decidir que a lei deixa de produzir efeitos na data do julgamento. No caso da contratação irregular de servidores sem concurso, por exemplo, todos deveriam ser demitidos. Se isso ocorrer, porém, o serviço pode ficar comprometido. Por isso, os ministros terão de instituir um prazo de transição para a demissão em massa.

Caso similar foi julgado na semana passada. O STF considerou inconstitucional a efetivação de 120 servidores na Defensoria Pública de Minas. Se todos fossem demitidos de imediato, o serviço seria paralisado. Até chegar a uma alternativa, os ministros discutiram e chegaram a bater boca em três sessões.

RAZÕES

STF, juristas e parlamentares apontam três razões para o problema. A primeira é a ignorância - a maioria dos deputados não conhece todos os artigos da Constituição. Mas isso, admitem os deputados, não é desculpa para os erros, porque todo parlamentar pode contratar assessores jurídicos ou acionar a consultoria da Assembléia.

A segunda razão seria a tentativa de alguns deputados de extrapolar suas competências. “Alguns usam esse instrumento essencial, que é a lei, como instrumento eleitoreiro. Isso é negativo”, afirma o deputado Chico Leite (PT-DF), promotor e vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa do DF. Isso explicaria por que deputados apresentam projetos para aumentar o salário de várias categorias do funcionalismo, atribuição exclusiva do Executivo.

Há uma terceira razão, aponta Lewandowski: a legislação que define as competências da União, de Estados e municípios é complicada e muitas vezes provoca divergência até mesmo no STF. “Trata-se de um sistema de distribuição de competência entre os entes federados altamente complexo, em que muitas vezes as competências se superpõem. Nem sempre fica claro onde começa a competência de um e termina as dos outros.”

Essa definição de competências esvaziou os poderes de Estados e municípios, centralizando o poder na União. “Os deputados não têm espaço para nada”, reclama Chico Leite. De fato, a disputa por competências é responsável pela maioria das contestações no STF. Das leis julgadas neste ano, mais da metade foi derrubada por invadir a competência alheia.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/10/2007

 


'Tenho a impressão de que há um certo descaso'

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes diz, em entrevista ao Estado, que algumas Assembléias Legislativas apostam que ninguém perceberá a inconstitucionalidade de uma lei aprovada e, por isso, insistem em aprová-las. “Tenho a impressão de que há, talvez, um certo descaso, uma aposta pragmática no resultado e um certo voluntarismo”, critica. Ele não acredita em ignorância sobre a jurisprudência e lembra que, em muitos casos, o próprio governador veta a lei aprovada em seu Estado. A seguir, a entrevista:

O senhor, que acabou de lançar um livro sobre Direito Constitucional, encontra alguma razão para tantas leis inconstitucionais nas Assembléias?

Eu tenho a impressão de que há, talvez, um certo descaso, uma aposta pragmática no resultado e um certo voluntarismo dessas Assembléias Legislativas. Parece haver uma aposta na idéia de que não haverá a impugnação, e a lei ficará intacta. Mas o próprio sistema constitucional permite essa ampla impugnação. Muitas vezes é o próprio governador que o faz. Não raro, o governador veta a lei com o fundamento de inconstitucionalidade, invocando a jurisprudência do Supremo, e a Assembléia derruba o veto, insistindo numa tese sabidamente inconstitucional.

Será que os deputados não conhecem bem a Constituição?

Eu não suponho que seja ignorância diante dessa jurisprudência pacífica do STF. Aqui ou acolá podemos ter uma situação, vamos chamar assim, que se insira numa zona cinzenta. Mas, em geral, são aqueles casos que o ministro Sepúlveda Pertence costumava chamar de “chapada inconstitucionalidade”. E veja que as Assembléias são dotadas de boas assessorias jurídicas, ou é de se supor que tenham condições de oferecer cargos para pessoas de conhecimento jurídico adequado.

Esse fenômeno, essa profusão de leis inconstitucionais, já existia ou antes era diferente?

O fato é que a Constituição de 1988 mudou a página, porque ou era a parte interessada que argüia a inconstitucionalidade ou era o procurador-geral da República. Agora, sob a Constituição de 88, são múltiplos os legitimados. Então há uma grande probabilidade que a matéria seja submetida ao Supremo numa ação direta.

Então essa quantidade de ações aumentou?

Claro que aumentou. Mas é interessante que esses atores políticos aos quais estamos nos referindo (Assembléias) não atualizaram seu calendário pós-88.

Alguns representantes da OAB foram à Câmara Legislativa de Brasília para dar uma aula de Constituição.

Não há explicação para isso, considerando a qualidade dos quadros aqui existentes, as boas faculdades, os bons professores.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/10/2007