APESP

 

 

 

 

 

Estado é condenado a indenizar aluno baleado em escola

 

A escola pública, representada pela Administração Pública, é responsável por qualquer dano que o aluno venha a sofrer. Essa responsabilidade é baseada no princípio do artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal. Basta uma simples falha na garantia da segurança, independentemente da verificação da culpa específica de qualquer servidor.

 

Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça condenou o Estado paulista a pagar indenização por danos morais e materiais a um aluno de uma escola pública de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. A decisão foi tomada, por maioria de votos, pela 10ª Câmara de Direito Público.

 

Os desembargadores analisaram o caso de um adolescente que levou um tiro no ombro. A arma foi disparada acidentalmente por um colega do adolescente, quando estava na sala de aula da Escola Estadual Pedro Mallozze. O garoto ficou internado nove dias e depois foi obrigado a se submeter a fisioterapia por mais sete meses.

 

“Não há dúvida quanto a responsabilidade da Administração Pública pela integridade física dos alunos nos estabelecimentos do ensino oficial”, afirmou o relator, Antonio Celso Aguilar Cortez. “Cabia ao Poder Público zelar pela integridade da vítima, que estava, no momento do evento danoso, sob sua guarda, vigilância e proteção”, completou o magistrado. Ele foi seguido pelo juiz substituto de segundo grau Reinaldo Miluzzi.

 

Em primeira instância, a Justiça de Mogi das Cruzes julgou improcedente a ação de indenização proposta contra o Estado.

 

O relator determinou que o valor da indenização por danos materiais fosse fixado em R$ 20.395,00, que corresponderia às despesas com serviços médicos, exames e sessões de fisioterapia. Pelo dano moral, estabeleceu que o Estado deve arcar com uma indenização de R$ 20 mil.

 

“A finalidade desse tipo de indenização [dano moral], a propósito, não é de compensar de qualquer modo a dor e o desconforto, evidentemente não mensuráveis economicamente. Sua finalidade é propiciar alguma satisfação, não vantagem econômica. O valor fixado não deve implicar enriquecimento exagerado para o ofendido nem exagerada punição para o ofensor”, justificou Aguilar Cortez.

 

O desembargador Torres de Carvalho discordou do entendimento de culpa do Estado pelo dano causado ao adolescente. Para ele, o caso foi um fato imprevisível, sem participação da escola ou de seus funcionários. Torres de Carvalho defendeu a tese da responsabilidade por omissão porque os agentes do Estado não revistaram os alunos na entrada, o que exigiria a demonstração da falha do serviço.

 

Segundo o desembargador Torres de Carvalho, o acidente aconteceu numa escola com 2.300 alunos, todos estudantes de segundo grau, dentro da sala de aula, por meio de um disparo acidental quando eles faziam um trabalho escolar. Nessa situação, segundo o desembargador, não há configuração de culpa administrativa.

 

Fonte: Conjur, de 28/10/2008

 

 


 

STJ edita súmulas para evitar “indústria de indenizações” no País 

 

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ambos de 1990, e do Estatuto do Idoso (2003), foram definidos diversos direitos para o cidadão brasileiro. A regulamentação na relação com empresas e com o Estado ampliou consideravelmente a proteção das pessoas e empresas, inclusive o direito de serem indenizados por danos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem acompanhado essa evolução do direito com seus julgados e com a edição de diversas súmulas.

 

O dano moral, um tema intensamente debatido no Tribunal, já teve várias súmulas publicadas para regulá-lo, como a 326, que define os honorários de sucumbência em indenizações concedidas em valores inferiores ao pleiteado. Outra súmula importante, que se alia ao Código Civil de 2002 e aos incisos V e X da Constituição, é a 227, que definiu que a pessoa jurídica também pode sofrer danos morais. Em julgado de empresa de alimentos contra a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, a ministra Eliana Calmon afirmou que muitas vezes a marca e a reputação de uma empresa, o chamado “patrimônio insubstancial”, vale tanto ou mais quanto seu patrimônio físico.

 

Outra súmula importante para garantir os direitos da população é a de número 37, que garante que a indenização por dano moral pode ser cumulada com a de danos materiais. Em voto recente do ministro aposentado Humberto Gomes de Barros no julgamento de um caso de indenização pela morte de um parente, foi apontado que, apesar do fato gerador da indenização ser apenas um, os danos causados são claramente diferentes. Para o ministro, isso leva à clara conclusão que a indenização deve cobrir os diferentes tipos de dano.

 

A responsabilidade do Estado com os cidadãos também tem sido um grande destaque em processos com pedidos de indenização. Dois casos recentes relatados pelo ministro Luiz Fux trataram de alunos que sofreram dano dentro de estabelecimentos de ensino público. Numa das ações, um dos alunos foi atingido por uma bola e sofreu perda parcial de audição. No outro, uma aluna morreu ao ser atingida por uma árvore derrubada por fortes ventos. Indenizações foram concedidas às famílias das vítimas em ambos os casos. O ministro Fux destacou que é responsabilidade do estado zelar pelo bem estar dos alunos de ensino público enquanto estes estiveram nas instituições de ensino.

 

Casos em que agentes públicos causam dano ao cidadão também são constantes na Casa. O ministro Castro Meira manteve o valor da indenização que o estado do Ceará deve pagar a rapaz que foi obrigado a assistir ao estupro de sua namorada por dois policiais militares. O ministro considerou que, mesmo estando fora do horário de serviço, os PMs seriam figuras com autoridade do Estado e que a “torpeza e brutalidade do crime” justificariam o alto valor da indenização.

 

A responsabilidade das empresas também – seja por danos diretos, seja por negligência delas – foi reafirmada por diversas vezes pelos ministros. Uma decisão que gerou grande repercussão foi a condenação da empresa Schering ao pagamento de uma indenização coletiva de R$ 1 milhão, no caso das “pílulas de farinha”. Em 1998, diversas mulheres engravidaram depois de terem consumido pílulas de farinha usadas para testar as máquinas embaladoras de um popular anticoncepcional do laboratório. A relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, apontou que houve uma quebra de expectativa das consumidoras que tomaram o remédio para se precaver de uma gravidez indesejada e, com base no CDC, manteve a condenação. 

 

Outro caso julgado pela ministra Andrighi contra a indústria farmacêutica foi a indenização paga aos usuários do antidepressivo Surverctor. A droga teria sido inicialmente usada para o tratamento da memória, mas posteriormente sua aplicação foi alterada para o tratamento de depressão. A ministra considerou que a simples mudança da embalagem e da bula não teria informado suficientemente os usuários, especialmente porque o princípio ativo do remédio poderia causar dependência. A ministra considerou como “temerária” a atitude da empresa ao classificar o medicamento como “seguro”.

 

Os chamados danos ambientais também geraram diversos julgados em que comunidades e municípios foram ressarcidos. Um exemplo famoso teve como relator o ministro Castro Meira, decidindo que a Petrobrás deveria indenizar o município de Cubatão pela contaminação do rio que passa em seu território. A empresa contratou uma construtora para fazer escavações no curso de água para a passagem de dutos de combustível. Um descuido na obra provocou a contaminação por material químico tóxico, com conseqüente mortandade de grande quantidade de peixes. O ministro entendeu que a Petrobrás falhou em fiscalizar as escavações e que, no seu papel de contratante, era co-responsável na recuperação do rio e das espécies atingidas.

 

Os ministros do STJ estão constantemente atentos para ajustar o pagamento das indenizações a um valor compatível ao dano. Uma grande preocupação é evitar o que a mídia chama de “indústria das indenizações”. Vários critérios são adotados, desde o tipo e a extensão do dano até a disponibilidade financeira do condenado. O que não pode acontecer é a indenização representar enriquecimento ilícito. Em um dos seus votos, a ministra Nancy Andrighi destacou a importância do valor adequado da reparação, afirmando que a indenização não é apenas uma punição contra o causador do dano. É também uma maneira de restaurar a integridade da vítima.

 

Fonte: Diário de Notícias, de 28/10/2008
 

 

 

 

Polícia amplia pressão sobre governo

 

Sindicatos e associações de policiais civis em greve desde 16 de setembro fizeram uma manifestação no centro de São Paulo e decidiram aumentar a pressão sobre o governo do Estado. Sete mil policiais civis, segundo os organizadores - e mais de 3 mil, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) -, fizeram uma caminhada que começou na Praça da Sé e seguiu até a sede da Delegacia-Geral de Polícia, na Rua Brigadeiro Tobias, passando pela Secretaria da Segurança Pública.

 

"A quantidade de pessoas na manifestação é importante para mostrar que o movimento não tinha fins eleitoreiros. Queremos ver agora qual vai ser a desculpa do governador (José Serra)", repetia o presidente do Sindicato dos Investigadores da Polícia Civil, João Rebouças. Nos próximos dias, os grevistas prometem marcação cerrada na agenda do governador, seguindo a estratégia dos manifestantes de Bauru, no interior paulista. Na sexta-feira, policiais civis interpelaram o governador em visita à cidade. Segundo políticos locais, houve até agressões por parte dos manifestantes. Os policiais negam.

 

Amanhã, representantes de sindicatos e associações de todo o Brasil prometem uma paralisação nacional em apoio ao movimento paulista. E está marcada para quinta-feira uma audiência pública na Assembléia Legislativa de São Paulo para discutir com os deputados projetos para a reforma da polícia. Os sindicalistas defenderam que haja nova manifestação na frente do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado, se as propostas de reajuste não avançarem na Assembléia. Procurados pela reportagem, outros líderes se mostraram contrários. A falta de um comando único é uma das queixas do governo estadual na hora de negociar.

 

Foi justamente no Palácio dos Bandeirantes o local do confronto histórico entre policiais civis e militares, ocorrido no dia 16. Na manifestação de ontem, a situação foi tranqüila e não houve tumultos. Até o padre Renato Cangianeli, pároco da Catedral da Sé, foi chamado no carro de som para rezar um Pai-Nosso e pedir calma.

 

Um breve registro de confusão ocorreu na Rua Xavier de Toledo, na esquina com o Viaduto do Chá, quando motoboys se irritaram por causa da paralisação no trânsito. Houve empurra-empurra, mas a caminhada seguiu sem problemas.

 

Pouco adiante, na Conselheiro Brotero, policiais militares que organizavam o trânsito chamaram a atenção dos integrantes da passeata. Enquanto alguns aplaudiam, outros faziam gestos obscenos. Depois de se comunicarem por rádio, os PMs deixaram rapidamente o local, sendo substituídos por guardas-civis metropolitanos. Desta vez, a PM não acompanhou a passeata. A rixa entre as corporações, contudo, é evidente: no meio dos discursos, a Tropa de Choque era hostilizada pelos agentes civis.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 28/10/2008
 

 

 

 

Governo do Estado quer pauta única e coerência

 

As negociações das reivindicações com os policiais civis de São Paulo poderão obter algum avanço caso o comando de greve tenha uma pauta única e não mude os itens em discussão a cada conversa, segundo fontes do governo de São Paulo. Um dos problemas levantados pela administração estadual é a grande quantidade de entidades envolvidas nas conversas - cerca de 18 - com pedidos diferentes a cada reunião. O discurso de ação político-eleitoral ainda não foi deixado de lado, mesmo após as eleições do último domingo. Segundo fontes no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, não é possível equiparar salários de alguns segmentos da Polícia Civil com o de magistrados, que estão em torno de R$ 19 mil mensais.

 

O governador José Serra não comentou a nova estratégia dos grevistas, de acompanhar todas suas agendas externas, como forma de pressão para desenvolver as negociações. "Não vou comentar nada sobre essas ações", disse Serra ao sair de entrevista à TV Estadão, na tarde de ontem. Ressaltou que não pode prever se o movimento de paralisação será interrompido ainda nesta semana, e expressou que gostaria que a greve acabasse já. "Pela minha vontade, (acabaria) amanhã. Mas, pelo rumo dos fatos, não posso prever."

 

Antes, durante entrevista à TV, quando foi perguntado sobre o ato que estava sendo realizado na Praça da Sé, ele comentou que o governo estadual nunca deixou de receber sugestões e de conversar com os grevistas. "Tem um projeto na Assembléia que o governo mandou, que foi o resultado de muitas conversas. O governo estadual nunca deixou, ao contrário do que se propala, de conversar, de ouvir, de receber sugestões. Mandamos um projeto para a Assembléia e eu espero que em torno desse projeto se crie uma situação de paz, de fim da greve e de trazer tranqüilidade para o povo de São Paulo. A área da segurança é muito importante para isso", disse.

 

As negociações tiveram início há cerca de seis meses. A categoria pede reajuste salarial de 15% para este ano, 12% de correção em 2009 e outros 12% em 2010. O governo do Estado propõe um reajuste de 6,5% no salário base em 2009 e outro de 6,5%, em 2010. O pacote salarial enviado à Assembléia Legislativa inclui também cerca de 16 mil promoções de cargo - há 35 mil policiais civis no Estado -, por meio da extinção da 5ª classe e da transformação da 4ª classe em estágio probatório. A aposentadoria especial também seria restabelecida.

 

O diretor da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, André Dahmer, disse que o mais importante para a categoria é que seja aberta a possibilidade de conversar com algum interlocutor do Governo do Estado com poder de decisão. Os grevistas defendem a extinção da carreira de 4ª classe, além da 5ª, e critérios de promoção mais flexíveis na carreira. Eles também defendem que o Adicional de Local de Serviço (ALE), gratificação paga pelo Governo Estadual, seja incorporada ao salário. "Atualmente, depois de 30 anos de serviço, o policial não consegue chegar ao topo. São pontos importantes na carreira que até agora ninguém nos explicou porque não podem ser adotados", reclama Dahmer.

 

MANIFESTAÇÃO

 

Apesar de o calendário eleitoral municipal já ter ficado de fora das discussões da greve, a presença de políticos no palanque foi grande. Até o ex-candidato a vereador e ex-jogador do Corinthians Dinei esteve presente para dar apoio aos grevistas. Parlamentares de oposição ao governador na Assembléia Legislativa de São Paulo também marcaram presença. O vereador Celso Jatene (PTB), que foi delegado de polícia antes de ser eleito para a base de apoio ao prefeito Gilberto Kassab (DEM), também foi à passeata.

 

Políticos ligados à coligação do governador José Serra não tiveram vergonha de mostrar a cara. O delegado José Francisco, prefeito de Tanabi, município da região de São José do Rio Preto, esteve presente com a farda da polícia civil. Só ficou constrangido ao falar o partido ao qual pertence: Democratas, de Kassab, aliado de Serra. "Os Democratas de Tanabi são mais parecidos com os americanos, do Barack Obama."

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 28/10/2008
 

 

 

 

Policiais estão perdendo a razão, diz advogado

 

Os policiais têm razão em sua reivindicação, mas começam a perdê-la quando realizam protestos em que seus integrantes levam armas. A opinião é do advogado, mestre e doutor em ciência política pela USP Oscar Vilhena Vieira, que diz que isso é inconstitucional.

 

Vieira, que é diretor jurídico da ONG Conectas Direitos Humanos, avalia que a atitude põe em xeque a credibilidade dos policiais e a capacidade de reivindicação. Para ele, porém, o governo errou ao não ser capaz de negociar com a categoria.

Leia alguns trechos da entrevista de Vieira à Folha:

 

FOLHA - Como vê a greve e as reivindicações dos policiais civis?

OSCAR VILHENA VIEIRA - As polícias no Brasil e a Polícia Civil em São Paulo, em particular, têm passado por um longo período de deterioração das condições de trabalho. Isso significa, por um lado, salário, mas por outro também capacitação, condições operacionais. Em face de tudo isso, que é coisa de mais de uma década já, as reivindicações são aparentemente pertinentes. A polícia de São Paulo tem um dos menores vencimentos da federação.

 

FOLHA - Qual a sua opinião sobre a posição do governo?

VIEIRA - Parece que o governo errou de forma contundente na medida em que não foi capaz de negociar e levar em consideração uma reivindicação que não é despropositada. Entrou-se num braço de ferro; perde a população.

 

FOLHA - Qual a sua opinião sobre policiais levarem armas para a manifestação?

VIEIRA - Algumas ações dos policiais parecem temerárias. Essa é inconstitucional. A Constituição diz com clareza que há liberdade de manifestação sem armas. Não há exceção para policial, ainda mais em greve. [...] Além disso, o governo, que anda sem razão, neste momento, ganha alguma razão. Os policiais perdem a razão quando usam essa ferramenta. [...] Põem em risco sua credibilidade e a capacidade de fazer movimentos reivindicatórios futuros.

 

FOLHA - E se alegarem que eram manifestantes isolados que usavam as armas?

VIEIRA - A maturidade da corporação e das lideranças se mostra nessa hora. Isso não é aceitável.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 28/10/2008
 

 

 

Delegado deveria ter mesmas prerrogativas de juiz

 

A preocupação com a ausência de autonomia da Polícia Judiciária é justificável em função da crescente importância que a investigação criminal vem assumindo em nossa ordem jurídica, seja por conta de uma necessária mudança de postura a seu respeito, para considerá-la como uma garantia do cidadão contra imputações levianas ou açodadas em juízo, seja pelo papel mais ativo que tem sido desempenhado nos últimos tempos pelos órgãos policiais.

 

Esta ausência enfraquece a Polícia Judiciária e a torna mais suscetível às injunções dos detentores do poder político, e considerando a natureza e a gravidade da atribuição que exerce, bem como os bens jurídicos sobre os quais recai a sua atuação, o efeito pode ser desastroso em um Estado Democrático de Direito.

 

Por outro lado, a leitura constitucional do tema indica que se a instituição Polícia Judiciária não tem autonomia orgânica, e dificilmente virá a tê-la, a função de Polícia Judiciária exercida pela autoridade policial na condução das investigações desfruta de autonomia como um imperativo decorrente de princípios constitucionais da maior envergadura. Esta atividade, entretanto não está protegida com garantias funcionais suficientes para que possa ser exercida com serenidade e isenção nos moldes em que o constituinte a confiou.

 

O reconhecimento da autonomia funcional do delegado de polícia na investigação, verdadeiro escudo protetor contra intervenções políticas no exercício das suas funções, passa por um processo de filtragem constitucional do instituto investigação preliminar, uma mudança da postura interpretativa atual que deve ser feita à luz da Constituição e não baseada nas normas infraconstitucionais ou entendimentos anteriores a Carta de 1988.

 

1 – Autonomia, discricionariedade e princípio da separação dos poderes:

 

Investigação é atividade de busca da verdade acerca de determinado fato, é esforço para conhecimento de determinada coisa que está oculta. Segundo o léxico HOUAISS, investigação é “o conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito”[1].

 

A investigação criminal, portanto, é o conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito relativos a supostos ilícitos criminais. Tal entendimento, com esta amplitude acaba por abarcar a própria instrução em juízo como uma espécie de investigação criminal, uma vez que é a busca da verdade processual[2] acerca de um ilícito. É neste sentido que se afirma que a persecução criminal é formada pela fase processual e pela fase pré-processual em que a investigação é a atividade cujo objetivo é o de verificar, sumariamente, através de um juízo de probabilidade, se há elementos mínimos a garantir que não seja leviana a instauração de processo criminal.

 

Assim, a investigação preliminar cumpre a “função de filtro processual contra acusações infundadas”[3] [4], embora a sua própria existência já “configure um atentado ao chamado status dignitatis do investigado”[5], e daí decorrem duas conclusões: a primeira é que a investigação prévia através do inquérito policial[6] é uma garantia constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na sua esfera privada[7], porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e do status dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica.

 

A natureza do inquérito policial, entretanto, é dada por expressiva parcela da doutrina em função do que ele representa para o processo criminal ou para o órgão da acusação. Desta forma, costuma ser apresentado como procedimento administrativo pré-processual, “instrução provisória, preparatória e informativa”[8]; “conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”[9]; “É a inquisitio generalis destinada a ministrar elementos para que o titular da ação penal acuse o autor do crime”[10] e “procedimento de índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal”[11].

 

Acreditamos que ao conceituar um instituto, devemos fazê-lo à luz da Constituição.

 

A norma do artigo 144 da Carta Magna deixa claro que o conceito jurídico-constitucional de segurança pública é o conjunto de atividades desempenhadas pelos órgãos enumerados naquele dispositivo, entre eles, a Polícia Federal e as Polícias Civis.  Tal entendimento se dá porque ao abrir um capítulo denominado “Da Segurança Pública”, e composto de apenas um artigo, o texto constitucional está estabelecendo o que seja esta atividade, e por isto segurança pública para a Constituição de 1988 é a atividade desempenhada pelos órgãos que ficaram enumerados no artigo 144 da Lei Maior.

 

Ressalte-se que ao elaborar o artigo 144 o constituinte de 1988 também estava definindo parcela do modelo constitucional da persecutio criminis no Estado brasileiro, fazendo atuar o princípio da separação de poderes destinando a fase da investigação criminal ao Poder Executivo, através das Polícias Civis e Federal.

 

Ora, a mais intensa atividade de intervenção estatal em um Estado Democrático de Direito se realiza justamente através da persecução criminal, que pode resultar na restrição do jus libertatis do indivíduo, e mesmo quando não chega a tanto já atuou em outros âmbitos da sua esfera de direitos individuais, como o direito à intimidade e à vida privada.

 

Por isso, é preciso que esta função seja exercida em conformidade com o princípio da separação dos poderes, cláusula pétrea que com o seu corolário sistema de freios e contra-pesos norteou o estabelecimento do Estado como o conhecemos hoje, tendo um elevado caráter democrático por se prestar a limitar e controlar o poder estatal que recai sobre os particulares, ao mesmo tempo em que é uma importante ferramenta organizacional na estrutura de qualquer país que o adote.

 

Por outro turno pode-se dizer que o sistema de freios e contrapesos, não é apenas uma técnica a serviço do princípio da separação de poderes, mas o próprio princípio da separação de poderes visto de outro ângulo, na medida em que a divisão das funções do poder estatal em função legislativa, função executiva e função judiciária, estabelece, originariamente, um sistema de controles e contenções recíprocos, com o objetivo de evitar o abuso do poder.

 

Assim, esta divisão originária do poder, até o mais inferior grau de controle entre os órgãos estatais, será decorrência da adoção do princípio da separação de poderes.

 

No ponto, cabe destacar que este sistema de controles e contenções recíprocas, pode ser dar de forma implícita, quando determinada atividade é compartilhada entre órgãos estatais, sistema no qual, cada um exercendo um estágio da atividade, evita o monopólio da atuação do outro sobre toda ela, prevenindo o abuso do poder. Este é o caso da persecução criminal, dividida entre Poder Executivo, que realiza a investigação criminal; Ministério Público, como dominus litis; Poder Judiciário, que aplica a lei penal e Poder Legislativo, que elabora as leis processuais e materiais referentes à persecução criminal.

 

O mesmo sistema pode se dar também de maneira explícita, sem que haja divisão da atividade de que se trata, mas estabelecendo o constituinte que determinado órgão fiscalizará o trabalho do outro. Esta forma se apresenta no controle externo realizado pelo Ministério Público sobre a atividade policial, previsto no artigo 129, VII da Carta Magna.

 

Sabemos que a persecução criminal, segundo Belling, citado por Frederico Marques, é “a atividade estatal de proteção penal”[12] e acontece em duas fases, uma preliminar, representada pela investigação criminal, e uma posterior, o processo criminal.

 

Quanto à última fase, não há dúvida em afirmar: trata-se de exercício da jurisdição, isto é, poder de dizer o direito em um determinado caso concreto, com reflexos evidentes na segurança pública.

 

Quanto à primeira, agora sabemos que trata de exercício de atividade de segurança pública, com reflexos também evidentes, embora eventuais, no exercício da jurisdição criminal.

 

Portanto, a investigação criminal se autonomiza diante do processo, cabendo dizer ainda que em grande parte dos casos existe inquérito policial sem a fase processual posterior, quando há arquivamento dos autos sem oferecimento de denúncia. Por isso, o inquérito policial embora possa ser um procedimento pré-processual, nem sempre tem esta natureza, e mesmo sendo, esta função não terá sido a única, o que confirma a autonomia do inquérito policial em relação ao processo criminal e, por conseguinte a autonomia da Polícia Judiciária em relação àquela condição de mera auxiliar do Poder Judiciário.

 

Outra decorrência do princípio da separação de poderes é a existência do poder discricionário do delegado de polícia na condução do inquérito. A discricionariedade, que é “a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”[13],  tem uma importante função política, que é a reserva de campo de atuação à Administração pelo legislador, sendo um princípio densificador da separação de poderes.

 

A existência de atos administrativos discricionários, portanto se deve menos à impossibilidade de o legislador regular todas as situações com as quais a Administração tem de lidar, comumente citada pela doutrina como um dos motivos da discricionariedade, do que com a necessidade de preservar-se um espaço de mobilidade para que a Administração aja segundo o que achar mais oportuno e conveniente. Desta forma, ainda que a lei pudesse descer ao detalhe, não deveria fazê-lo.

 

Ora, se hipoteticamente o legislador pudesse regular todos os aspectos da atividade da Administração, esta ficaria completamente vinculada à vontade do Poder Legislativo, e, por isso sem qualquer margem para aplicar as suas próprias diretrizes, com grave violação do princípio da separação de poderes, já que a Administração estaria coarctada na sua atividade.

 

Por outro lado a discricionariedade é um imperativo do princípio da eficiência, que tem sede constitucional no artigo 37 da Lei Maior, uma vez que em cada caso concreto que se apresenta, para que seja solucionado da melhor forma possível, devem ser levados em consideração os seus aspectos peculiares, que exigem uma atuação estatal também peculiar.

 

Além disso, a atividade investigativa tem como pressuposto a escolha da estratégia da investigação por quem a conduz, cuja decorrência é a escolha dos meios, formas, fins e oportunidades adequadas de desencadear as diligências investigativas ou deixar de realizá-las.

 

Este poder é reconhecido à unanimidade pela doutrina do direito processual penal, o que demonstra que é um imperativo lógico na condução da investigação. Segundo Frederico Marques, a Polícia tem “atribuições discricionárias, visto que sua ação vária e multiforme, não pode ser prefixada em fórmulas rígidas e rigorosas”[14] e Mirabete afirma que “As atribuições concedidas à Polícia no inquérito policial são de caráter discricionário, ou seja, elas tem a faculdade de operar ou deixar de operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente pelo direito”[15] [16]

 

Evidentemente a discricionariedade não é um poder ilimitado. O poder discricionário guarda inteira observância às normas legais, assim, onde houver previsão legal de forma ou qualquer outro elemento do ato administrativo a ser praticado, a autoridade policial deve cingir-se ao seu cumprimento. Como se costuma dizer, discricionariedade não é arbitrariedade.

 

O poder discricionário está limitado também pela necessidade de motivação dos atos administrativos, decorrência do princípio do devido processo legal, que norteia o nosso ordenamento jurídico, e garantia política de controle dos atos estatais, na medida em que, apenas através da fundamentação é possível entender os motivos do ato para resolver sobre a sua eventual impugnação.

 

Nesta mesma linha, mas manifestando-se especificamente acerca da investigação criminal, é a lição de Fausi Hassan Choukr: “Na investigação criminal, a motivação, além de servir como fonte controladora a nível interno, apresenta no aspecto de controle externo seu relevo de maior importância”[17].

 

A motivação não é incompatível com a atividade investigativa, devendo o delegado de polícia expor os pressupostos de fato e de direito que orientam as suas decisões na escolha das diligências, e muito mais por ocasião de decisões que importam na mudança de status do investigado nos autos do inquérito policial, como no indiciamento.

 

A autoridade policial, munida do poder discricionário na condução da investigação, só deve satisfações à lei. Não obstante a Polícia Judiciária seja órgão da Administração, sujeita ao princípio da hierarquia, esta não interfere no âmbito do inquérito criminal. Aqui, o delegado de policia age com ampla liberdade em função da natureza da atividade que realiza.

 

A condição de autoridade que reveste o cargo de delegado, faz com que aja com completa independência na condução da investigação policial, desautorizando qualquer determinação que seja contrária à sua convicção. Desta forma, não pode o chefe da Delegacia determinar que o delegado instaure inquérito policial, indicie, prenda ou execute determinada diligência se com estas decisões a autoridade não concordar.

 

Em parecer elucidativo sobre o conceito de autoridade policial no nosso ordenamento, Hélio Tornaghi, após concluir que apenas o delegado de polícia é autoridade policial, elencou, escudado em doutrina alemã, as seguintes características da autoridade: “a) é órgão do Estado; b) exerce o poder público; c) age motu próprio; d) guia-se por sua prudência, dentro dos limites da lei; e) pode ordenar e traçar normas; f) em sua atividade não visa apenas os meios, mas aos próprios fins do Estado”[18].

 

Como se vê, surge cristalina a conclusão de que o poder hierárquico da Administração não se aplica na condução do inquérito, estando o agente responsável pela ingerência indevida sujeito às penalidades administrativas, criminais e cíveis pertinentes.

 

O mesmo raciocínio se aplica ao Ministério Público que no decorrer da investigação fica jungido a executar apenas o controle externo determinado pelo constituinte.

 

2 – Princípio da isonomia

 

Mas com relação à autonomia da Polícia Judiciária frente ao parquet há outro motivo ainda mais poderoso: o princípio da isonomia.

 

Decorrência da filtragem constitucional do processo penal é a aplicação in totun do princípio da igualdade em todas as sua fases. Assim, o processo penal válido, consentâneo com a Constituição, é aquele que está pautado pela aplicação do princípio da isonomia, fornecendo ao órgão da acusação e à defesa as mesmas chances de produzir provas.

 

Este é o Devido Processo Penal.

 

Cláusula, de elevado teor democrático e universal, que ganhou impulso sob o signo das idéias do cristianismo tendo sido utilizada como salvaguarda contra as arbitrariedades do absolutismo[19], a isonomia tem a prerrogativa decorrente de seu caráter de generalidade de ser uma espécie de princípio que informa todos os outros, sendo possível afirmar que até mesmo os princípios do contraditório e da ampla defesa só existem efetivamente se aplicados dentro de um contexto delineado pelo princípio da igualdade, afinal, de que vale a oportunidade de ter “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los” se a acusação está muito melhor aparelhada para produzi-los e a defesa não possui o instrumental adequado para contrariar a imputação?

 

A doutrina[20] [21] distingue a igualdade em dois aspectos: igualdade formal (igualdade perante a lei) e igualdade material (igualdade na lei). O primeiro sentido é o que se contenta com que as pessoas recebam o mesmo tratamento estatal, desconsideradas as suas diferenças, isto é, todos seriam iguais perante a lei, que não discrimina, não distingue uns em relação a outros, ao passo em que a igualdade material é a que determina que o Estado deve considerar as diferenças entre as pessoas e procurar minorá-las, isto é, uma vez diante da lei, esta tem de considerar as diferenças existentes para realizar a isonomia.

 

Luiz Flávio Gomes: é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

 

Fábio Scliar: é delegado da Polícia Federal, mestre em Direito, Estado e Justiça e professor de Direito Constitucional.

 

Fonte: Conjur, de 28/10/2008
 

 

 

 

Uso de precatório para pagar imposto é controverso

 

É sabido que cada vez mais as empresas estão fazendo uso de precatórios, fins de utilizarem no pagamento de seus impostos, ou até mesmo para garantia de executivos fiscais, vez que este título nobre é adquirido por um deságio bastante atrativo.

 

Este mercado ficou por demais aquecido depois que o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, deu provimento através de decisão monocrática ao Recurso Extraordinário 550.400/RS oriundo de empresa do estado do Rio Grande do Sul, autorizando a mesma a compensar seu ICMS com a utilização de créditos oriundo de precatório alimentício.

 

Tal decisão não transitou em julgado, tendo em vista que o Rio Grande do Sul agravou regimentalmente, enquanto a empresa apresentou Embargos de Declaração, objetivando que o eminente ministro se manifeste acerca da perda do caráter alimentar do precatório utilizado na presente compensação. Contudo, os Embargos Declaratórios restaram convertidos em Agravo Regimental, sendo assim, ambos os recursos aguardam julgamento.

 

Por que a empresa adentrou com embargos declaratórios?

 

O intuito da Embargante tem como finalidade a manifestação do ministro no sentido de que o precatório ora utilizado pela empresa, venha a ter efetivamente a descaracterização de “vínculo” alimentício, pelo simples fato de que a partir do momento em que há o atraso no pagamento, ocorrendo ainda, a cessão para a empresa, necessariamente haja a perda do caráter alimentício, encaixando-se assim na tese de que caberia, de forma definitiva a compensação com precatório não alimentício, instituído pela emenda constitucional número 30, através do disposto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

 

O objetivo do artigo em comento é tão somente alertar os patronos de empresas que atualmente vem utilizando precatórios “alimentícios”, fins de que quando da solicitação de habilitação de seus clientes nas varas de execuções, além de requererem a substituição processual nos termos do art. 567, II, do Estatuto Processual Civil, devem desde já pleitear que seja imediatamente reconhecida a mudança da natureza jurídica do precatório em questão, devendo o mesmo ser considerado precatório não alimentício, em conseqüência ocorrerá a inclusão do disposto no artigo 78 do ADCT.

 

Vale ressaltar ainda, que o privilégio do precatório alimentar consiste tão somente na preferência de pagamento dentro do exercício fiscal. Como a Fazenda Pública não cumpre a obrigação de pagamento dentro do exercício fiscal estabelecido, a natureza alimentar não subsiste.

 

Assim sendo, o caráter alimentício deverá ser sempre modificado quando da não realização de pagamento do precatório durante o exercício fiscal preconizado.

 

Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta que, tratando-se de precatório de caráter alimentar, sendo este não pago no prazo razoável, pré-estabelecido, o precatório automaticamente perde sua natureza jurídica originária, passando a ser classificado como não alimentar.

 

Nesta linha, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se manifestou, senão vejamos:

 

A POSSIBILIDADE DE O TITULAR DE CRÉDITO AMPARADO EM TÍTULO EXECUTIVO CEDÊ-LO ESTÁ PREVISTA NO ART. 567, II DO CPC, CASO EM QUE O CESSIONÁRIO SUBSTITUIU NO PROCESSO O CEDENTE. A ÚNICA CONSEQÜÊNCIA É QUE, COM A CESSÃO, O CRÉDITO PERDE A NATUREZA ALIMENTÍCIA (CF, ART. 100). PRECEDENTE DO STJ E DIVERSOS DA CÂMARA. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70009992538, RELATOR DESEMBARGADOR IRINEU MARIANI, DJU 22/12/2004)”

 

Quando foi efetivada a cessão de créditos para a empresa que vai utilizar para pagar seus tributos, o caráter alimentício foi quebrado, uma vez que uma pessoa jurídica não necessita de alimentos para subsistir-se, ficando o precatório, então, sob a égide da Emenda Constitucional n º 30.

 

Vale ressaltar ainda que, de acordo com os preceitos do Artigo 78 do ADCT, a Fazenda Pública possui a faculdade de parcelar o precatório no prazo máximo de dez anos.

 

Segue, ditames do artigo supracitado, onde: ART. 78. RESSALVADOS OS CRÉDITOS DEFINIDOS EM LEI COMO DE PEQUENO VALOR, OS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA, OS DE QUE TRATA O ART. 33 DESTE ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS E SUAS COMPLEMENTAÇÕES E OS QUE JÁ TIVEREM OS SEUS RESPECTIVOS RECURSOS LIBERADOS OU DEPOSITADOS EM JUÍZO, OS PRECATÓRIOS PENDENTES NA DATA DE PROMULGAÇÃO DESTA EMENDA E OS QUE DECORRAM DE AÇÕES INICIAIS AJUIZADAS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 1999 SERÃO LIQUIDADOS PELO SEU VALOR REAL, EM MOEDA CORRENTE, ACRESCIDO DE JUROS LEGAIS, EM PRESTAÇÕES ANUAIS, IGUAIS E SUCESSIVAS, NO PRAZO MÁXIMO DE DEZ ANOS, PERMITIDA A CESSÃO DOS CRÉDITOS.

 

Conforme se percebe da análise do dispositivo supracitado, o mesmo faculta as Fazendas Públicas a parcelarem seus precatórios não–alimentares no prazo máximo de dez anos.

 

Por derradeiro, o referido artigo não enfatiza que o ente público “terá” necessariamente que parcelar os precatórios em dez anos, e sim, faculta a possibilidade do predito ente público utilizar-se de tal recurso, quer seja, parcelar a dívida estatal advinda de precatórios no prazo máximo de dez anos.

 

Esta foi uma opção que o legislador constitucional derivado outorgou as Fazendas Públicas, ou seja, se trata de opção do ente em realizar ou não o parcelamento dos precatórios, de acordo com a atual situação financeira do ente devedor.

 

Assim, cabe ao ente público, precisamente a Fazenda Pública, através de seu procurador, quando da intimação acerca do presente pedido de habilitação, manifestar-se sobre o parcelamento que o art. 78 do ADCT lhe faculta, tendo em vista a mudança do regime jurídico dos precatórios, visto que o mesmo perdeu sua natureza alimentar em decorrência da mora do ente, bem como da realização da cessão de créditos então realizada.

 

Outra vantagem importante para que o atual credor venha a solicitar de imediato a quebra do caráter alimentar quando da apresentação do pedido de habilitação da empresa cessionária, é a possibilidade de a mesma caso não consiga compensar seu tributo, venha a requisitar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, conforme lhe faculta o § 4º do art. 78 do ADCT, in verbis:

 

ART. 78.(...) §4º. O PRESIDENTE DO TRIBUNAL COMPETENTE DEVERÁ, VENCIDO O PRAZO OU EM CASO DE OMISSÃO NO ORÇAMENTO, OU PRETERIÇÃO AO DIREITO DE PROCEDÊNCIA, A REQUERIMENTO DO CREDOR, REQUISITAR OU DETERMINAR O SEQÜESTRO DE RECURSOS FINANCEIROS DA ENTIDADE EXECUTADA, SUFICIENTES À SATISFAÇÃO DA PRESTAÇÃO.

 

Oportuno mencionar ainda que, o parcelamento dos precatórios pendentes já constituiu uma espécie de “calote” de conhecimento público e notório. Dessa forma, utilizar interpretação em beneficio mais uma vez do ente público mostra-se completamente divorciado do objetivo da Carta Republicana a qual já o contemplava com pagamento via precatório e ainda lhe autorizou, a partir da Emenda Constitucional n.º 30/2000, dilatação temporal para pagamento da dívida.

 

Sendo assim, restando inadimplente a Fazenda Pública, mostra-se legítimo o pedido de seqüestro nos termos do artigo acima transcrito, o qual estabelece e permite tal requerimento.

 

Por fim, com o objetivo de sepultar a discussão, segue recente ementa de decisão do Supremo Tribunal Federal, em acórdão de julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, no Agravo Regimental em sede da Reclamação nº 2253/RS, no qual foi relator o ministro Ricardo Lewandowski.

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PRECATÓRIO NÃO ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1.662/SP. IMPROVIMENTO.

 

I – ATRASO NO PAGAMENTO DE PRECATÓRIO ORIGINADO DE DÍVIDA NÃO-ALIMENTAR.

 

II – DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE DEFERIU ORDEM DE SEQÜESTRO. POSSIBILIDADE.

 

III – AUSÊNCIA DE AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 1.662/SP. PRECEDENTES.

 

IV - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (AG.REG. NA RECLAMAÇÃO Nº 2.253-6, RIO GRANDE DO SUL, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI – JULGAMENTO: 02/02/2007 – ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO).

 

Em suma, fica o alerta aos eminentes patronos de empresas, quando da utilização de precatórios alimentícios para pagamento de tributos estaduais, devendo sempre atentar aos detalhes aqui exarados, quando do pedido de habilitação desses créditos no Juízo de Execução, garantindo assim um maior sucesso em suas demandas.

 

Sobre o autor

Marcelo Soares Duquia: é advogado e atua em São Paulo e Rio Grande do Sul.

 

Fonte: Conjur, de 28/10/2008
 

 

 

 

OAB nacional deve processar Defensoria da União

 

O Conselho Federal da OAB deve ir à Justiça para buscar a nulidade dos artigos 1º, 2º, e 3º da Resolução número 19 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União. Isso porque, segundo a OAB, os dispositivos trazem inovações irregulares nas áreas de atribuição dos defensores públicos e cuja decisão extrapolou os limites de sua competência.

 

A decisão foi tomada pelo Conselho Pleno da OAB nacional com base no voto do relator da matéria, o conselheiro federal por Pernambuco, Ricardo Correia de Carvalho. A votação foi conduzida pelo vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Vladimir Rossi Lourenço.

 

Segundo o relator da questão na OAB, os defensores públicos têm por obrigação, conforme a Constituição Federal, atuar juridicamente em defesa dos mais necessitados, única e exclusivamente. Os artigos da Resolução, de maio de 2007, estendem a atuação dos defensores públicos ao atendimento daqueles que não são necessitados.

 

“Isso é flagrantemente inconstitucional, além de assoberbar a Defensoria Pública da União, que não dispõe de estrutura necessária para atender a esse aumento da carga de trabalho. Esses artigos da Resolução fogem por completo da norma constitucional”, afirmou o relator, que foi seguido por unanimidade.

 

Na sessão, Vladimir Rossi encaminhou a matéria para o exame da assessoria jurídica da OAB para que esta analise que tipo de medida jurídica será adotada.

 

Fonte: Conjur, de 28/10/2008