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Sancionadas, leis de IPVA não valem 

Motoristas paulistas esperam há 90 dias a regulamentação de duas leis aprovadas pela Assembléia Legislativa e já sancionadas pelo governador José Serra para poder restituir o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de carros roubados e para parcelar débitos com IPVA. As duas leis já foram publicadas no Diário Oficial, mas sem decreto de regulamentação são ineficazes. No final de maio, o governo do Estado fez propaganda sobre os benefícios aos contribuintes e até o site da Secretaria da Fazenda dá como certa a utilização das leis, o que é irreal.  

No dia 28 de maio, Serra disse que "pagar IPVA de um carro roubado não tem o menor cabimento". "Suponha que o motorista pagou todo o IPVA em janeiro, e o carro é roubado em maio. Ele vai receber 7/12 (o referente ao resto do ano) do IPVA que ele pagou", explicou o governador na época. Caso esteja pagando em prestações, as parcelas serão interrompidas. A isenção é válida somente para carros roubados ou furtados dentro do Estado de São Paulo. Com a lei em vigor, o governo deixará de arrecadar cerca de R$ 24 milhões anuais. Procurada desde quarta-feira da semana passada, dia 20, a Secretaria da Fazenda não deu resposta sobre o assunto. 

"Isso é propaganda enganosa", se queixa o bancário Paulo Dantas, que teve seu carro roubado em abril, pagou integralmente o IPVA e não conseguiu o benefício. "Fui ao posto da Secretaria da Fazenda no Tatuapé, fiquei um tempão na fila e a atendente disse que a lei ainda precisa de regulamentação para poder valer. Me senti enganado", afirmou Dantas. 

De acordo com a legislação aprovada, para obter a restituição do imposto, o dono do carro deve comprovar o furto ou o roubo por meio de um boletim de ocorrência. O montante a ser restituído será calculado a partir do número de meses restantes daquele ano, incluindo o mês em que o crime ocorreu. 

Numa consulta por escrito ao correio eletrônico da Secretaria da Fazenda, foi informado que "em casos de furto/roubo/perda total, o IPVA do exercício em que ocorrer o fato deverá ser recolhido integralmente dentro do prazo estabelecido em lei, e não há restituição do valor pago. Somente haverá a dispensa do imposto a partir do exercício seguinte ao fato, até que sejam restabelecidos os direitos de propriedade ou posse do veículo (Lei n.º 6.606-89, artigo 11 e regulamentada no Decreto 40.846/96)". 

PARCELAMENTO 

Muitos motoristas que tentam utilizar a Lei 13.014/2008 e quitar a dívida com IPVA atrasado não conseguem efetuar os pagamentos. O parcelamento da dívida acumulada pelo Programa de Parcelamento de Débitos (PPD) está há 90 dias à espera de regulamentação pelo governo do Estado. "Meu carro está parado na garagem há cinco meses e não consigo rodar por causa da lei. A atendente num posto da Secretaria da Fazenda disse que muita gente tenta resolver o problema e não consegue", contou o assistente jurídico Dênis Libânio. 

Ele comprou um Gol ano 1997 de um amigo que estava com problemas financeiros. Pensou que poderia utilizar o parcelamento e os descontos previstos na lei, mas não consegue. A dívida com IPVA é do período 2001-2006, e soma cerca de R$ 4 mil. Com os descontos dos juros de mora e dos juros previstos na lei, haveria um abatimento de cerca de R$ 1,4 mil.  

Fonte: Estado de S. Paulo, de 25/08/2008

 


Planalto eleva gasto com funcionalismo  

A edição, pelo governo federal, de um segundo pacote de reajustes salariais generalizados para o funcionalismo público abortou o ajuste dos gastos com pessoal que deveria ter sido iniciado neste ano pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e deixará uma conta que será paga em parte por seu sucessor. Até estimativas oficiais já apontam que as despesas, depois da desaceleração no primeiro semestre, retomarão a tendência de alta.

Com uma medida provisória já aprovada pela Câmara dos Deputados e outra a ser enviada ao Congresso nos próximos dias, o pacote -posto em prática, como em 2006, às vésperas do período eleitoral- não trouxe apenas vantagens imediatas aos servidores: há novos reajustes, planos de carreira, gratificações e outros benefícios programados até 2012, quando o sucessor de Lula estará chegando à metade do mandato.

A medida provisória já aprovada beneficiou mais de 1,4 milhão de servidores federais civis e militares. A próxima deve atingir outros 350 mil.

Não fossem as duas MPs, começaria neste ano o processo de redução do peso das despesas com pessoal prometido no lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Segundo o texto original do Orçamento da União, a conta ficaria em R$ 126,9 bilhões, equivalentes a 4,4% do Produto Interno Bruto, enquanto nos dois anos anteriores a folha de pagamento andou na casa de 4,5% do PIB.

A queda, que deveria ter continuidade nos anos seguintes, chegou a ser observada entre janeiro e junho, quando o gasto avançou em ritmo inferior ao do crescimento econômico.

Agora, as novas projeções do Planejamento indicam que o funcionalismo dos três Poderes consumirá, em 2008, R$ 133,3 bilhões dos cofres da União, uma alta para 4,6% do PIB.

O projeto de Orçamento de 2009, a ser anunciado até o final do mês, deverá prever outra elevação -o governo projeta, com o novo pacote, uma elevação gradual da despesa com o funcionalismo que totalizará mais R$ 31 bilhões em quatro anos.

Os números põem em xeque o propósito, anunciado com o PAC, de aproveitar o bom momento da economia e os conseqüentes recordes na arrecadação de tributos para promover um ajuste politicamente menos doloroso nos gastos com pessoal. A estratégia buscava abrir espaço orçamentário para mais investimentos em infra-estrutura, sem aumento da carga tributária.

Para isso, a folha de salários dos três Poderes só poderia crescer, no máximo, 1,5% ao ano acima da inflação, bem abaixo dos 5% de crescimento anual esperado do PIB. No entanto o projeto que fixava a regra foi bombardeado pelos próprios partidos aliados ao Palácio do Planalto e não deu um passo sequer no Congresso desde o ano passado. 

Tarefa mais difícil

Daqui para a frente, como mostram as expectativas do mercado, a tarefa será mais difícil. Se os gastos cresceram em proporção do PIB até no ano passado, quando a economia cresceu 5,4%, a tendência ficará mais aguda a partir de 2009, quando, segundo analistas e investidores, a expansão do PIB não deverá passar de 3,7%. E é consenso entre os especialistas que o sucessor de Lula não terá a sorte de uma conjuntura internacional tão favorável quanto a dos últimos anos.

Freio na economia não significa, necessariamente, pressão menor por mais salários, ainda mais no caso de um funcionalismo cujos sindicatos são influentes no governo e já esperam novas vantagens em 2010, quando será escolhido o sucessor de Lula. Não por acaso, a afirmação da área econômica de que a rodada de reajustes deste ano foi a última é vista com ceticismo.

"Os mecanismos geradores na pressão altista continuam presentes: manutenção da autonomia dos Poderes e decisão política de não se utilizar ativamente a legislação de greve do setor privado nas greves do funcionalismo", diz um trabalho recém-apresentado pelos economistas Raul Velloso e Marcos Mendes, especializados em contas públicas.

Para Mendes, não apenas o atual governo tende a manter a complacência com o sindicalismo dos servidores, mas também seu sucessor, mesmo que venha da oposição, terá dificuldade em retomar o ajuste dos gastos. "É uma bandeira ruim para qualquer partido, porque há prejudicados claros e mobilizados, enquanto os benefícios são difusos", avalia.

A atuação recente do PSDB e do DEM ajuda a exemplificar a tese. Enquanto criticam genericamente a "gastança" de Lula, os dois maiores partidos oposicionistas não se atrevem a votar contra as propostas de aumento dos salários dos servidores -no caso da MP aprovada pela Câmara, a oposição chegou a cobrar a inclusão de mais categorias no pacote salarial. 

Disputa na elite

Por trás dos pacotes de bondades oferecidos ao funcionalismo, há uma disputa de poder e prestígio entre os sindicatos e entidades ligadas às corporações do serviço público, que estão entre as principais bases políticas do PT.

A elite do Executivo, formada pelos delegados da Polícia Federal, pelos advogados da União e pelos auditores da Receita Federal, ambiciona os salários mais altos do Legislativo e do Judiciário. Os demais servidores, mais numerosos, tentam uma carona nos ganhos da elite -1,4 milhão deles, entre civis e militares ativos, aposentados e instituidores de pensão, foram beneficiados pela MP já editada neste ano.

Na próxima MP, advogados e auditores, que fizeram greves neste ano, serão contemplados com tetos salariais próximos aos R$ 19,7 mil que vigorarão no próximo ano para a categoria mais bem paga do Executivo, os delegados e peritos da PF. Os ganhos aumentam as pressões para elevar o teto de R$ 24,5 mil no Judiciário, o maior do setor público em todo o país.

O gasto também cresce porque Lula interrompeu o processo de enxugamento do quadro iniciado na década de 90 pelo ex-presidente Fernando Collor. De 2003 a 2007, o número de servidores ativos e inativos cresceu 12% e chegou a 2,078 milhões. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 24/08/2008

 


Mérito da anistia é desafogar a Justiça, dizem especialistas  

O maior mérito da proposta do governo, de anistiar as dívidas tributárias de até R$ 10 mil ao final do ano passado, vencidas há cinco anos ou mais, será desafogar a Justiça, segundo avaliam especialistas no assunto consultados pela Folha.

Ao deixar de cobrar as chamadas dívidas de pequeno valor, o governo eliminará cerca de 2,1 milhões de processos que hoje tramitam no Judiciário. Em conseqüência, a Justiça poderá concentrar seus esforços na cobrança de débitos de maior expressão.

A proposta foi apresentada na terça-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao presidente Lula, e deverá ser encaminhada ao Congresso, em setembro, por meio de medida provisória.

O objetivo do governo é promover uma ampla "limpeza" no estoque total de créditos da União com o setor privado. Esses créditos são estimados pela Fazenda em R$ 1,3 trilhão, mas nesse valor estão incluídas muitas dívidas irrecuperáveis.

O próprio governo reconhece que o atual sistema de cobrança tributário é ineficiente, dada a morosidade do Judiciário. A duração média de um processo tributário no Brasil, segundo a Fazenda, é de 16 anos, sendo 4 na fase administrativa e 12 na judicial.

Segundo Clóvis Panzarini, consultor tributário e ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda de São Paulo, "o processo de cobrança de dívidas no Brasil é caro e moroso. Com isso, muitas vezes não vale a pena cobrar, pois o gasto para isso acaba sendo maior. A decisão da Fazenda vem para acelerar esse processo".

O advogado Lázaro Rosa da Silva, consultor do Cenofisco (Centro de Orientação Fiscal), diz que as dívidas de pequeno valor são praticamente incobráveis por vários motivos: muitas empresas já fecharam, outras não têm condições de pagar, muitos contribuintes não são encontrados e muitos já morreram. Assim, "o único meio que o governo tem para diminuir o número de processos é através da anistia".

Gilberto Luiz do Amaral, advogado e presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), diz que "não compensa movimentar a máquina administrativa para cobrar dívidas de pequeno valor". Com a anistia, segundo ele, "o sistema de cobrança será direcionado para aquele devedor com débito maior e que tem condições de pagar".

Segundo o advogado João Victor Gomes de Oliveira, do escritório Gomes de Oliveira Advogados Associados, "além de desafogar a Justiça, a anistia aos débitos de pequeno valor tem o mérito de acelerar os novos processos que forem abertos". Além disso, um menor número de execuções permitirá o andamento mais rápido dos processos mais importantes.

Oliveira ressalta um aspecto não previsto na proposta do governo. Para ele, a lei deveria exigir que o juiz extinguisse, independentemente do valor, todos os processos paralisados há mais de cinco anos -a chamada prescrição intercorrente. "Seria também uma forma de eliminar as cobranças iníquas."

Para Richard Domingos, diretor-executivo da Confirp Consultoria Contábil, além de diminuir as disputas judiciais, o projeto do governo fará com que parte da dívida seja recuperada com o parcelamento das dívidas de maior valor. 

Legal, mas condenável

Os especialistas não vêem problemas, do ponto de vista legal, na concessão de anistia às pequenas dívidas. Mas ressaltam que isso acaba sendo um incentivo aos maus pagadores, ou seja, é um prêmio a quem não cumpriu em dia com suas obrigações tributárias.

Panzarini diz que toda vez que o governo concede alguma anistia está estimulando o mau pagador a não comparecer ao caixa do banco. "Toda anistia estimula o mau pagador, que continuará apostando em nova anistia no futuro. Toda anistia é condenável, pois premia quem não pagou. O perdão desse crime -e não pagar tributo é um crime tributário- traz injustiça fiscal e prejudica a concorrência", diz Panzarini.

Amaral concorda que as anistias e os parcelamentos trazem benefícios tanto para quem deve como para quem cobra. Apesar da vantagem a ambos, "isso [a anistia] faz com que os maus pagadores continuem apostando na demora da cobrança".

Rosa da Silva diz que mesmo quem tiver dívidas que não serão anistiadas, por serem maiores do que R$ 10 mil, acabará sendo beneficiado. É que quem pagar à vista ou optar pelo parcelamento terá algum desconto nas multas e nos juros. "Quem pagou em dia não receberá nada de volta. E quem for pagar terá vantagem, pois haverá redução de multas e juros."

Domingos também vê a anistia como incentivo aos maus pagadores e faz com que o empresário que paga em dia se sinta lesado. "O devedor pensará que não vale a pena pagar corretamente, pois no futuro será criado um programa para facilitar a sua vida." 

Programas federais anteriores facilitam pagamento de dívidas  

Nos últimos anos o governo federal não concedeu anistias (perdão de dívidas) propriamente, mas facilidades para que os contribuintes pagassem seus débitos tributários.

Em abril de 2002, a lei nº 9.964 instituiu o Refis (Programa de Recuperação Fiscal), destinado ao pagamento de débitos de empresas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Receita Federal e pelo INSS, vendidos até 29 de fevereiro de 2000. Em vez de adotar um número fixo de parcelas, com valores igualmente definidos, o Refis comprometia uma parcela do faturamento mensal das empresas que entrassem no programa. As pessoas físicas ficaram de fora.

No final de 2002, a lei nº 10.637, ampliou os benefícios do Refis, permitindo o ingresso de contribuintes que estavam sendo processados por crimes contra a ordem tributária. Permitiu também o ingresso de pessoas físicas. A redução de parte da multa e dos juros dependia da forma de pagamento escolhida pelos contribuintes.

O mais recente parcelamento especial (Paes) para o pagamento de débitos tributários foi dado em maio de 2003 pela lei nº 10.684. Os débitos com a Receita ou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, puderam ser parcelados em até 180 meses.

A lei estabeleceu valores mínimos de pagamentos mensais: R$ 2.000 para as empresas e R$ 50 para as pessoas físicas.

Segundo dados da Receita Federal, em 2007 o Refis rendeu R$ 742 milhões. Nos sete primeiros meses deste ano a arrecadação somou R$ 441 milhões. O Paes rendeu R$ 3,56 bilhões no ano passado e R$ 2,055 bilhões entre janeiro e julho deste ano. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 24/08/2008

 


Parcelamento do ICMS em SP tem prazo maior  

A Fazenda paulista reabriu até 30 de setembro próximo o prazo de adesão ao PPI (Programa de Parcelamento Incentivado do ICMS). Já aderiram ao programa mais de 46,4 mil contribuintes, totalizando cerca de 400 mil dívidas (tanto as inscritas como as não inscritas na dívida ativa). O valor total dos débitos que foram objeto do PPI chega a R$ 7,7 bilhões. O PPI paulista inclui débitos do tributo cujos fatos geradores ocorreram até 31 de dezembro de 2006. Os contribuintes podem pagar as dívidas com descontos de até 75% na multa e de até 60% nos juros. O prazo máximo de pagamento é de 15 anos. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 24/08/2008

 


A calma é só aparente..

Os líderes partidários da Câmara dos Deputados gastaram uma boa fatia de sua reunião semanal, na terça-feira passada, tentando encontrar uma forma de escapar de um vexame anunciado. Sabiam que, no dia seguinte, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiriam um caso sobre nepotismo (a prática odiosa de aboletar-se num cargo administrativo e dali distribuir sinecuras à parentalha), provavelmente o baniriam da vida pública brasileira e, com isso, deixariam desmoralizado o Congresso, que nunca se mobilizou para votar uma lei contra esse mal. O acordo não foi possível, sobretudo pela resistência do PTB, do DEM e de parte do PMDB, e o mundo seguiu seu curso. Na quinta-feira, o STF editou uma "súmula vinculante" (decisão que não pode ser desrespeitada pelas instâncias inferiores da Justiça) e proibiu o nepotismo nos três poderes. Fechou também a porta ao "nepotismo cruzado", em que um político contrata parente de outro, para disfarçar a malandragem.  

Depois disso, restou aos parlamentares a reação desenxabida exemplificada pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, que declarou: "Vou ter de dispensar um parente que trabalha no gabinete. Não esperava que a decisão a ser adotada tivesse a amplitude que teve. Agora é cumprir". O julgamento do Supremo, por sua vez, foi saudado como histórico, por tocar numa mazela que historiadores e antropólogos costumam descrever como um dos pecados de origem da sociedade brasileira. Ainda pôs em relevo, novamente, o papel de protagonista que o tribunal assumiu e que não vai abandonar, por três motivos: porque a paralisia do Congresso não terminará de súbito; porque, ao estilo da Suprema Corte americana, tem em sua pauta de curto prazo temas polêmicos e de influência direta no cotidiano dos brasileiros, como o debate sobre o casamento homossexual; e porque, dentro da corte, consolida-se rapidamente uma cultura de "ativismo judiciário".  

Um sistema político-jurídico é como a natureza, na frase de Nicolau Copérnico: abomina o vácuo. Se um dos três poderes não exerce o seu papel, os outros ocupam o espaço (veja o artigo de Reinaldo Azevedo). O Congresso brasileiro é, hoje, o poder apequenado. Sua pauta se vê trancada, em média, três semanas por mês, pela avalanche de medidas provisórias editadas pelo governo Lula e que precisam ser avaliadas com prioridade. Parlamentares vivem falando em limitar a edição de MPs, mas o fato é que a única restrição a essa prerrogativa do Executivo saiu justamente do Supremo, que vetou o uso do instrumento em matéria orçamentária. À tibieza para enfrentar essa batalha que lhe diz respeito diretamente, soma-se a omissão de longa data do Congresso em suprir lacunas da legislação. Passados vinte anos, o Congresso ainda não regulamentou 54 artigos da Constituição de 1988. Diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: "Em qualquer país, se o Congresso não regulamenta logo uma nova Constituição, exime-se de sua principal tarefa". A legislação infraconstitucional também está cheia de buracos e, diante deles, o STF pode se ver na posição de legislar. Os ministros se mostram dispostos a realizar essa tarefa, e acreditam ter uma boa razão para isso. "Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos", diz o presidente do STF, Gilmar Mendes. 

A mudança de cultura no STF fica clara quando se relembra o julgamento sobre o direito de greve no serviço público realizado em outubro de 2007. Onze anos antes, em 1996, um processo sobre o mesmo tema havia chegado ao tribunal. Naquela ocasião, os ministros decidiram que os servidores públicos não poderiam exercer a greve antes da edição de uma lei regulamentando o assunto. Ou seja, a sentença jogou a bola para o Congresso. No ano passado, observou-se uma guinada dramática. Em vez de apenas conclamar o Congresso a agir, o STF decidiu que o sistema jurídico não podia mais ficar incompleto e fez com que se aplicasse a lei de greve da iniciativa privada sobre os casos do serviço público.  

Uma outra ferramenta, sobre a qual até agora pouco se chamou atenção, vem sendo utilizada pelos ministros. É a "interpretação conforme a Constituição". Aqui, não se trata de cobrir uma lacuna legal, mas de mudar o sentido de uma norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença. Essa estratégia é largamente empregada em países como Itália e Alemanha, e os ministros do STF estão se apoderando dessa novidade técnica. Ela apareceu com destaque, em maio, no julgamento sobre o uso científico das células-tronco. Em vez de declarar a lei sobre o assunto inconstitucional, cinco ministros com voto vencido – Carlos Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes – disseram que ela poderia ser válida, desde que recebesse acréscimos sugeridos por eles e assim ficasse "conforme a Constituição". Os acréscimos iam da criação de um conselho federal para cuidar de reprodução humana à determinação do número de óvulos que podem ser fertilizados numa clínica. A sentença do ministro Gilmar Mendes, em particular, foi um manifesto em favor desse tipo de sentença "aditiva", por meio da qual o Supremo "atua como verdadeiro legislador positivo". Em breve, quando a corte decidir sobre a possibilidade de aborto legal no caso de fetos com cérebro malformado, o mesmo tipo de voto deve aparecer. Dentro do próprio STF, há quem veja com ressalvas o uso desse tipo de interpretação, pelo risco (real) de se transformar num mecanismo sutil para modificar boas normas com base apenas em supostas "ambigüidades" de linguagem. Marco Aurélio Mello levantou uma objeção desse tipo no caso das células-tronco. 

Até recentemente, o STF era uma corte dominada por juristas conservadores, indicados para o cargo antes da redemocratização. Estavam acostumados a outra Constituição e a uma tradição jurídica que pedia um Supremo discreto. Hoje, todos os ministros do STF foram indicados já no período democrático e parecem ter descoberto a latitude que a Constituição de 88 lhes oferece: mais liberdade para interpretar as leis – e para agir nos vazios jurídicos. A muitos não desagrada, tampouco, a projeção pública que julgamentos ferventes como o dos políticos mensaleiros oferecem. Alguns parlamentares, contrariados com o ativismo do Supremo, concordam que, ao criar mecanismos como a ação direta de inconstitucionalidade e o mandado de injunção, a Carta de 88 deu força ao STF. Assim, para frear o tribunal, imaginam mudanças constitucionais. O líder do PT na Câmara, Maurício Rands (PE), pensa em apresentar uma emenda que defina claramente a área de atuação do Judiciário e o impeça de atuar em matérias que estejam pendentes no Congresso. Márcio França (PSB-SP) propõe a eleição direta de ministros de tribunais superiores. "Não acho errado que ministros do Supremo interpretem as leis e acabem legislando, desde que tenham respaldo popular para isso", diz.  

Contudo, é improvável que a corte retorne a um figurino anódino. Para Marcos Paulo Veríssimo, professor da faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas, que está concluindo neste momento um trabalho sobre o "ativismo judicial" do STF, isso não é ruim. Diz ele: "Não conheço nenhuma ditadura em que o Judiciário tenha sido fundamental. O papel político da Justiça e o embate entre os poderes são fenômenos das democracias". Uma certa dose de ativismo judicial talvez seja impossível evitar num sistema constitucional como o brasileiro. O essencial é que ele seja informado pela razão jurídica, e não pela ideologia ou pelas crenças particulares de cada ministro. Isso, a sociedade precisa vigiar. 

Fonte: Revista Veja, de 25/08/2008

 


Revisão salarial dos servidores é uma corrida de obstáculos
 

Nesse momento de olimpíada, a corrida dos servidores para verem aprovada a lei de reestruturação remuneratória no Governo Federal parece não ter fim. Os obstáculos são tantos e tão difíceis que o pessoal, além do fôlego, está prestes a perder a paciência. Fora as trapalhadas desse processo, pelo menos cinco barreiras já foram colocadas no caminho desde agosto de 2007, quando teve inicio as primeiras negociações para revisão salarial dos servidores. A espera tem sido angustiante. 

O primeiro obstáculo foi de ordem orçamentária. Os recursos reservados no Orçamento aprovado em 2007 para 2008, de R$ 3,4 bilhões, eram insuficientes para a reestruturação remuneratória dos servidores. Havia a necessidade de crédito complementar de mais R$ 7,5 bilhões para atender minimamente aos funcionários civis e militares da União. 

Neste ponto, além das resistências naturais de ordem orçamentária, surgiu ainda o problema relativo ao instrumento legal a ser utilizado para a suplementação do recurso: se por MP ou por projeto de lei. Inicialmente, o Governo optou pela Medida Provisória (MP 430), mas o Congresso reagiu e pediu a imediata retirada desse ato legal, tanto por razões políticas, quanto por imposição jurídica, dada a decisão do Supremo proibindo a complementação orçamentário por meio de medida provisória. O Governo, então se comprometeu a retirar a MP, mas só o fez após ter sido enviado e aprovado um projeto de lei com igual teor. 

O segundo óbice, depois esclarecido, referia-se à possibilidade de proibição de reajuste salarial em ano eleitoral. A dúvida estava relacionada à Lei de Responsabilidade Fiscal e também à Lei Eleitoral, que proíbem reajuste salarial se a lei que o instituir não tiver sido enviada ao Congresso até determinada data. A AGU, em resposta à consulta do Ministério do Planejamento, esclareceu que não havia problema por se tratar de eleição municipal e o reajuste se destinava aos servidores federais. 

O terceiro problema se referia à dúvida se o reajuste seria dado por Medida Provisória ou Projeto de Lei. O argumento em favor do projeto de lei seria a resistência do Congresso, que estaria furioso com o uso abusivo de MPs pelo Poder Executivo, que as tem utilizado inclusive para criação de Ministério. Mas a reclamos do Congresso se refere às MPs que não preenchem os requisitos de urgência e relevância. A tendência é que seja medida provisória, inclusive porque há casos de carreiras que o reajuste é retroativo a março de 2008. 

O quarto ruído no processo foi o vazamento da minuta da MP, que deixou muitas carreiras inconformadas com a inclusão no texto da exigência de exclusividade e o sistema de avaliação, que condiciona o crescimento na carreira à existência de vagas, temas conflitantes com os acordos assinados pelas diversas entidades de classe. 

O quinto e último obstáculo se refere à interpretação a ser dada à Lei de Diretrizes Orçamentária para 2009 que, em seu artigo 84, parágrafo 1º, estabelece que o reajuste dos servidores da União só poderá ser concedido este ano se a proposição que o instituir estiver em tramitação no Congresso até o dia 31 de agosto de 2008. 

A angústia dos servidores, a julgar pelo ritmo frenético de trabalho das equipes do Ministério do Planejamento e da Casa Civil, está bem próxima do fim. Tudo leva a crer que o reajuste, tanto o dos funcionários remunerados sob a forma de subsídio, quanto o dos demais, será publicado até o dia 29 de agosto, podendo ser antecipado, e, como esperado por todos, por intermédio de medida provisória. 

Fonte: Conjur, de 25/08/2008

 


A fraude no convênio da OAB 

A descoberta de um esquema de fraudes montado por advogados dativos, que participam do convênio firmado pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com o governo estadual, apenas confirma as críticas que a Defensoria Pública fez à entidade há um mês. Os dativos são profissionais que prestam serviços jurídicos gratuitos à população carente e recebem uma remuneração do poder público. Dos 280 mil advogados que atuam no Estado de São Paulo, 47 mil participam desse convênio.  

Em julho, a OAB-SP reivindicou um reajuste de 5,84%, a título de correção da inflação, e um aumento de 10% nos honorários desses profissionais. O pleito foi rejeitado pela advogada-chefe da Defensoria Pública, Cristina Guelfi, com o argumento de que o órgão, que conta com 400 advogados, foi criado para prestar esse serviço. Aproveitando o impasse, a Defensoria Pública rompeu o convênio com a OAB-SP, que custa R$ 272 milhões por ano aos cofres estaduais. Mas, como os dativos não querem deixar de receber esse dinheiro, pois o mercado profissional está saturado, eles entraram com pedido de liminar e a Justiça manteve o convênio.  

Na época, Guelfi disse que a OAB não aplicou com eficiência os recursos que recebe do Executivo para dar atendimento jurídico à população carente. Com os R$ 272 milhões repassados a essa entidade, afirmou ela, a Defensoria Pública poderia criar postos de atendimento em todas as comarcas do Estado e contratar 1,2 mil defensores públicos para realizar o serviço que é feito pelos 47 mil advogados dativos. 

Só no ano passado os 400 defensores públicos que atuam na capital e nos municípios mais populosos atenderam 850 mil pessoas, participaram de 180 mil audiências cíveis e criminais e propuseram 50 mil ações em matéria de direito civil. Embora não haja defensores públicos em cerca de 150 das 645 cidades do Estado, a Defensoria Pública registra uma produtividade que os integrantes do convênio da OAB-SP jamais apresentaram.  

A fraude detectada pela Polícia Civil envolve 40 pessoas, entre advogados dativos, funcionários da OAB-SP e servidores públicos. Entre 2001 e 2006, eles causaram um prejuízo de R$ 7 milhões aos cofres públicos. Durante esse período, o grupo falsificou papéis e documentos relativos a pensões alimentícias, divórcios consensuais e habeas-corpus, manipulou a digitação de certidões judiciais e dados sobre processos na rede eletrônica do governo estadual, simulou informações que lhes permitiam receber quantias depositadas em nome de clientes que não existiam e mandou à Secretaria da Fazenda centenas de contas por serviços que jamais foram prestados.  

As fraudes foram descobertas quando um funcionário da OAB-SP pediu dinheiro a um advogado dativo para incluí-lo no esquema. Entre os acusados há profissionais que teriam recebido R$ 410 mil do convênio da OAB-SP com o governo estadual, entre 2001 e 2007. Isso representa R$ 5,7 mil por mês. A média de vencimentos dos dativos é de R$ 1 mil mensais. Para multiplicar a receita auferida por serviços não prestados, desviar verbas do convênio, incluir na rede eletrônica valores acima dos devidos, escapar de controles da Secretaria da Fazenda e não recolher Imposto de Renda, vários advogados envolvidos nas fraudes chegaram a utilizar nome e CPF de colegas e de procuradores do Estado.  

Assim que a fraude foi revelada pela Polícia Civil, a Defensoria Pública distribuiu nota informando que tomará as medidas criminais cabíveis e que o caso só "reforça a necessidade de maior controle no sistema de indicação e pagamento de advogados conveniados, premissa que faz parte da minuta de novo convênio encaminhado à OAB-SP" após a concessão da liminar que beneficia a entidade. Esta, em resposta, distribuiu nota afirmando que tem sido implacável com advogados faltosos e que problemas de conduta ética existem em todas as profissões. 

Na realidade, o problema não está na falta de controle da OAB-SP sobre o programa, mas no próprio convênio. Desde a criação da Defensoria Pública, em 2006, ele deixou de ser necessário. Se hoje há um órgão público encarregado de prestar assessoria jurídica à população carente, por que o governo tem de pagar advogados particulares para realizar esse serviço?  

Fonte: Estado de S. Paulo, de 25/08/2008

 


Estados se endividam em volume recorde
 

Depois de passarem dez anos praticamente impedidos de aumentar suas dívidas e faltando menos de dois anos para novas eleições, os governos estaduais retomaram suas trajetórias de endividamento. Até a semana passada, tinham obtido autorização do Tesouro para tomar R$ 9,5 bilhões em novas dívidas. O valor é 281% superior a tudo o que foi emprestado no ano passado.

É também um volume inédito nas finanças estaduais desde 2002, quando a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) obrigou o governo a divulgar os dados. Até então, o máximo que os governadores haviam conseguido tomar emprestado foram R$ 5,4 bilhões, em 2006.

Levantamento feito pela Folha com base em dados do governo federal mostra que o processo de endividamento dos Estados deverá fechar o ano em ritmo ainda mais acelerado. Isso porque a soma dos pedidos que aguardam a palavra final do Tesouro Nacional, responsável legal pela análise, é de R$ 5,9 bilhões. A julgar pelo andamento das aprovações de anos anteriores, não deverá haver muitas negativas.

Essa mudança reflete uma nova etapa no relacionamento entre governo federal e Estados. Por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Tesouro Nacional tem procurado maneiras de flexibilizar e viabilizar a realização de investimentos pelos governadores.

"Nos empenhamos e permitimos que os Estados tomem esses empréstimos quando eles têm desempenho fiscal satisfatório, quando estão em dia, pagando, saneando as finanças públicas", disse o ministro Guido Mantega (Fazenda) na semana passada, durante programa oficial de rádio. Ele comentava o empréstimo tomado pelo Rio Grande do Sul.

O secretário do Tesouro, Arno Augustin, foi procurado durante a semana para explicar o aumento no endividamento dos Estados, mas não atendeu aos pedidos de entrevista.

Uma das medidas do "desempenho fiscal satisfatório" citado por Mantega é o crescimento das receitas estaduais. Entre 2003 e 2007, a arrecadação do ICMS, principal tributo estadual, aumentou em R$ 68,4 bilhões. A receita total subiu em 0,25% do PIB. Com base nisso, no ano passado, o Tesouro aceitou reestimar a arrecadação de diversos Estados.

Foi essa a fórmula encontrada para cumprir a determinação do presidente Lula e aumentar a capacidade de investimento dos governadores.

Com expectativas de arrecadação mais elevadas, a relação entre a dívida e as receitas estaduais caiu. Esse indicador é o principal a ser considerado na avaliação da capacidade de endividamento dos Estados. Como houve melhora, abriu-se espaço para aumentar a capacidade de novos endividamentos.

"Talvez esteja havendo um raciocínio benevolente. Projeções podem ser mais ou menos rigorosas e hoje só quem sabe como essas contas são feitas são os secretários de Fazenda e os técnicos da burocracia do governo federal", diz o especialista em finanças públicas Amir Kahir. "Essa discussão teria de ser aberta para que fosse possível avaliar a sustentabilidade desse endividamento." 

Infra-estrutura

De acordo com os dados do Tesouro Nacional, R$ 5,6 bilhões do total de empréstimos já autorizados são feitos por meio de operações externas, contratadas com o Banco Mundial e com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para investimento em obras de infra-estrutura.

Outros R$ 3,8 bilhões saíram da CEF (Caixa Econômica Federal) e do BNDES. Nesses casos, o dinheiro financia principalmente habitação e saneamento, incluídos aí R$ 1,588 bilhão em obras do PAC, o programa de obras do governo.

O Estado com o maior volume de pedidos de crédito em andamento é São Paulo. Do limite de R$ 6,7 bilhões que o governador José Serra conseguiu obter nas negociações com o Tesouro no ano passado, R$ 4,441 bilhões já estão sob análise dos técnicos federais.

Até mesmo o Rio Grande do Sul, que nunca cumpriu as metas da LRF, conseguiu tomar emprestado R$ 1,1 bilhão em recursos internacionais em 2008. O Estado é o segundo no ranking dos pedidos de crédito no primeiro semestre.

O secretário de Fazenda do Estado, Aod Cunha, explica que a operação visa trocar uma dívida mais cara por outra mais barata, não se tratando, portanto, de piora no endividamento. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 25/08/2008