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São Paulo começa a implantar penhora on-line de imóveis

Adriana Aguiar 

A cidade de São Paulo deve implantar a penhora on-line de imóveis no prazo entre um e dois meses, segundo o presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), Flauzilino Araújo dos Santos .

A iniciativa, pioneira no Brasil, deve começar com um projeto piloto com duração de seis meses , que será acompanhado pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo. Depois disso, será estendido para outras cidades do estado.

Enquanto ocorrem os testes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já começou a organizar um projeto de interligação de dados dos cartórios ainda mais abrangente e que será usado obrigatoriamente em todo o País.

Com o sistema, um processo de bloqueio de venda de bens, que pode demorar cerca de três a quatro meses, passará a ser feito em alguns minutos. A nova prática deve impedir que novas fraudes em execução ocorram e fazer com que credores tenham a garantia de pagamento.

Segundo o presidente da associação, a penhora eletrônica de imóveis deve aumentar a segurança nos negócios imobiliários, já que haverá menos casos de compras de imóveis que estavam sendo alvo de execução.

A implantação

A decisão foi publicada no Diário Oficial e autorizada pelo corregedor geral da Justiça de São Paulo, Gilberto Passos de Freitas.

No ofício, foi estabelecido um prazo máximo de 180 dias para iniciar o projeto, mas o presidente da Arisp acredita que isso poderá ocorrer entre um e dois meses, já que, segundo ele, os cartórios de São Paulo já têm infra-estrutura de tecnologia para desenvolver o sistema.

A idéia é aperfeiçoar o sistema de ofício eletrônico, em funcionamento na cidade. Este sistema, segundo o presidente da Arisp, já fez mais de 1 milhão de pesquisas sobre localização de imóveis de investigados pelo Poder Judiciário e Administração Pública .

Depois de implantado o sistema no Estado de São Paulo, a intenção é que outros estados também implantem a penhora via eletrônica de imóveis.

Pensando nos benefícios que poderão ser trazidos para a sociedade e para o Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça já montou um grupo de discussão com as entidades dos segmentos dos cartórios para avaliar como esse projeto será implantado.

A idéia, segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ Alexandre Silva, responsável pelo projeto, é interligar informações para que sejam feitas, além da penhora on-line, pesquisas sobre fraudes, carta de arrematação em leilão ou sustação de protestos, tudo via Internet.

Interligação no País

Segundo o membro do CNJ, na última reunião, ocorrida semana passada, ficou decidido que todas as entidades de segmentos de cartórios deverão procurar nos seus estados o que já existe de sistema eletrônico que pudesse servir de base para a interligação.

Daqui a um mês o grupo deverá se reunir para apresentar os resultados encontrados. Com a escolha do sistema de base, a área de tecnologia deverá ser consultada para avaliar qual será o prazo para que sejam desenvolvidos os outros instrumentos que ainda não existem. "O sistema deverá ser implantado obrigatoriamente em todos os cartórios do Brasil".

Segundo o advogado Alexandre Labonia, do escritório Moreau Advogados o uso da penhora on-line na Justiça paulistana deve tornar o processo mais rápido e diminuir consideravelmente a fraude contra credores.

"Não haverá mais tempo hábil para que um devedor transfira ou venda um imóvel em execução. Mas, caso a fraude ocorra, esta será mais facilmente identificada pela Justiça via sistema eletrônico", afirmou.

Com o novo instrumento de penhora, os compradores de imóveis também devem ficar mais atentos à regularização da documentação, segundo o advogado. "Os compradores não devem protelar a transferência do imóvel ao seu nome para não correr o risco de sofrer uma penhora por engano e ter de entrar na Justiça para desfazê-la."

Para garantir a credibilidade do sistema, o processo de autorização de bloqueio de bens só poderá ser feito pelos juízes que forem habilitados pelo processo de certificação eletrônica da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil). Segundo o diretor da ICP-Brasil, Mauricio Coelho, "é preciso que haja segurança de que aquela ordem de penhora partiu mesmo do juiz da causa, e não de terceiros".

Fonte: DCI, de 20/08/2007

 


Município de São Paulo contesta seqüestro de verbas para pagamento de precatórios

O município de São Paulo ajuizou Reclamação (RCL 5463) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP) que determinou o seqüestro de verbas para o pagamento de precatórios. A ação tem pedido de liminar, que será analisada pelo relator, ministro Carlos Ayres Britto.

O município paulista alega que o TJ-SP descumpriu decisão do STF ao determinar o seqüestro de valores que teriam sido indevidamente atualizados. Para tanto, cita julgamento em ação direta de inconstitucionalidade que, ao interpretar dispositivo do regimento interno do tribunal estadual, firmou o entendimento de que atualizações de valores de precatórios só podem ser feitas no caso de erro material ou de inexatidão aritmética no precatório original.

Nesses casos, a diferença deve ser compensada sem que seja necessário entrar novamente na fila para pagamento de precatórios, que obedece a uma ordem cronológica.

Segundo o município de São Paulo, o TJ-SP determinou o seqüestro de valor que não é “mera atualização de cálculo”, mas “uma discussão de critérios”. O procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, afirma que o TJ paulista “tem encaminhado ao Poder Executivo ofícios para a complementação de pagamento em precatórios cuja previsão orçamentária já se exauriu de longa data e, mais grave, determinando seja obedecida a ordem cronológica do precatório originário”.

Fonte; STF, de 20/08/2007

 


Cancelamento de certidões de dívida ativa é suspenso

A PRFN (Procuradoria Regional da Fazenda Nacional na 5ª Região, com sede em Recife (PE), conseguiu suspender na tarde desta segunda-feira (20/8) a decisão que anulava em todo país as certidões de dívida ativa de produtores rurais, inscritos no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal).

A decisão, concedida pela 8ª Vara de Arapiraca (AL) à Defensoria Pública da União, também suspendia as execuções fiscais que tramitam nesta Vara.

No recurso, movido no TRF (Tribunal Regional Federal) da 5ª Região, a Procuradoria, órgão da AGU (Advocacia Geral da União),

alegou que a decisão de primeira instância poderia causar prejuízos irreversíveis aos cofres públicos, já que envolve 300 mil produtores rurais e o impacto financeiro para o erário chegaria a mais de R$ 7 bilhões.

O TRF destacou que “o estoque de dívidas ativas da União oriundas de mencionados créditos importa, em todo território nacional, em 31.023 inscrições, cujo valor consolidado tem a cifra de R$ 7.037.915.508,15, qual se verifica na informação trazida nos autos pela requerente”.

Fonte: Última Instância, de 21/08/2007

 


Reembolso de impostos estaduais e municipais: uma boa idéia

Marcelo da Silva Prado

A prefeitura de São Paulo, por meio da lei nº 14.907/2005, instituiu um sistema de incentivo a solicitação de notas fiscais sobre serviços, oferecendo ao tomador do serviço um crédito equivalente a 30% do ISS (Imposto sobre Serviços) recolhido para ser abatido do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana) do imóvel que o contribuinte indicar. No caso de contribuintes pessoas jurídicas, o percentual cai para 10% do valor pago a título de ISS, caindo ainda para 7,5% para condomínios residenciais e comerciais.

A lista de prestadores de serviços é extensa: escolas, hotéis, estacionamentos, cabeleireiros, construtoras etc., e acredito será uma medida que levará a uma formalização bastante interessante no setor de serviços da capital paulistana.

O sistema já está funcionado, para tanto, o contribuinte deverá se cadastrar no site da prefeitura de São Paulo (www.prefeitura.sp.gov.br) e indicar entre o dia 1º e 30 de novembro de cada ano o imóvel que receberá o desconto do IPTU, podendo ainda acompanhar a evolução dos seus créditos com relação a cada nota fiscal eletrônica emitida também pelo site.

A medida, a meu ver, merece aplausos, pois visa aumentar a arrecadação tributária pela forma mais correta – o aumento da base tributável – criando igualmente uma noção de cidadania, na medida em que as pessoas passarão a receber a informação de quanto estão pagando de impostos sobre o serviço contratado e também por que com essa medida passarão a exigir notas fiscais e ajudarão a prefeitura de São Paulo no combate à sonegação fiscal.

Na esteira do exemplo paulistano, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou na última quinta-feira (9 de agosto de 2007) medida semelhante para o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), faltando apenas a sanção do governador. Segundo as notícias veiculadas no dia seguinte a aprovação do projeto, o contribuinte que exigir nota fiscal das suas compras receberá em troca crédito para abater sobre o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), ou então, poderá solicitar o reembolso diretamente em dinheiro.

No caso da lei estadual a energia elétrica, o gás canalizado, telefonia, bebidas, automóveis e combustíveis não gerarão créditos, pois segundo explicações da Secretária de Fazenda são setores onde não haveria sonegação, sendo que a medida mira exatamente em outros setores onde a sonegação é alta.

A lei estadual ainda demandará a sanção e a regulamentação pelo governador do Estado de São Paulo, para então entrar em vigor.

Esses exemplos, caso bem sucedidos, deverão espalhar-se por todo o país, e acredito serão uma tendência bastante positiva de estímulo à formalização, de combate à sonegação e gerarão no médio prazo um aumento da arrecadação tributária, desonerando ainda o contribuinte final. Parece mentira!

Fonte: Última Instância, de 21/08/2007

 


Simples Nacional soma 3,15 milhões

De São Paulo

Até o início da tarde de ontem, as adesões ao Supersimples somaram 3.154.085 micro e pequenas empresas. Deste total, 1.337.103 migraram automaticamente do antigo Simples federal para o novo sistema simplificado de recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais e outras 1.816.982 fizeram o pedido de ingresso desde 2 de julho. O prazo para a adesão ao Supersimples terminou às 20 horas de ontem. Desde a quinta-feira passada, um dia após a sanção da Lei Complementar nº 127, que fez as primeiras alterações na legislação do Supersimples, apenas 33.812 novas empresas aderiram ao sistema. Na comparação com o Simples federal, que tinha 2,56 milhões empresas em dia com a apresentação de declarações, o novo sistema atraiu apenas 554 mil novas empresas. 

De acordo com informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil, do total de adesões ao Supersimples, o ingresso de 2.439.185 micro e pequenas empresas (77,33% do total) ao novo sistema já foi deferido, outras 580.967 (18,42%) possuem algum tipo de pendência e 133.933 (4,25%) tiveram seus pedidos indeferidos por problemas cadastrais. A maioria das empresas que solicitaram adesão - 29,28% - é do Estado de São Paulo, seguido por Minas Gerais, com 12,19% do total, e Rio Grande do Sul, com 10,09%. 

Na semana passada, foi sancionou a Lei Complementar nº 127, que alterou o Supersimples e amenizou parte das críticas ao sistema feitas pelas prestadoras de serviços. Mas muitas outras empresas ainda reclamam do veto ao aproveitamento de créditos de ICMS e de PIS/Cofins, que vem fazendo com que, para algumas, a carga tributária aumente. Hoje os secretários de Fazenda dos Estados estão em Brasília para uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e devem discutir propostas sobre o tema. 

Fonte: Valor Econômico, de 21/08/2007

 


Que saudade do AI-5!

ARNALDO MALHEIROS FILHO

O ATO Institucional nº 5 foi a antilei que instaurou o antidireito no Brasil, na noite negra de 13 de dezembro de 1968. Entre outras atrocidades, proibia o habeas corpus nos casos de crimes contra a segurança nacional e a economia popular. Só. Para qualquer outra acusação não havia restrição.

Bastava escrever na capa do processo que se tratava de um desses crimes e não vigia o direito constitucional de pedir habeas corpus.

Certa vez, um promotor da 6ª. Vara Criminal de São Paulo ficou indignado porque foi interrompido em audiência por um insistente vendedor de livros e deu-lhe voz de prisão -por qual crime, por querer vender livros?-, apontando o delito político de tentar impedir a realização de sessão legislativa ou judiciária para fazer agitação... Decorreram 30 dias até que o coitado fosse solto, diante da evidência de que ele não era um ativista, pois um habeas corpus era proibido no caso.

Depois de uma fase mais obscura, Geisel passou a falar numa "abertura", mas ela tinha que ser "lenta, gradual e segura". Ninguém queria esperar, ninguém queria abertura "lenta e gradual", mas a palavra "segura" lembrava que havia gente poderosa à direita do governo capaz de comprometer os planos liberalizantes.

Foi quando alguns juristas, como Oscar Dias Corrêa e Raymundo Faoro -a princípio hostilizados pelos mais radicais-, passaram a conceber fórmulas "gradualistas" de encerramento do ciclo autoritário. Por esse tempo, o jornal "O São Paulo", da arquidiocese de dom Paulo Evaristo e sob a competente direção de Evaldo Dantas Ferreira (o repórter que achou Klaus Barbie, o carrasco de Lyon, no Paraguai), havia se tornado um veículo importante no combate ao que então se chamava "o sistema", apesar da censura que sofria. Nele, José Carlos Dias publicou um artigo que marcou época. Chamava-se "Por que não o habeas corpus já?". O texto mostrava que o simples direito de petição ao Judiciário não haveria de desestabilizar o "sistema" e seria um grande passo para a volta à normalidade institucional.

A idéia não vingou, mas lançou uma esperança. Depois de anos, a democracia finalmente se reinstalou. Mas o AI-5 só excluía o habeas corpus para os crimes contra a segurança nacional e a economia popular. No mais, continuava a mesma amplitude de sempre, pois modificá-la era tarefa que a ditadura militar não ousaria.

Recentemente, temos visto abusos do Estado que nos tempos negros do AI-5 não ocorriam: os DOI-Codi poupavam os juízes de autorizar violências. Hoje, porém, há um consenso segundo o qual qualquer arbitrariedade, se praticada com ordem judicial, é legítima; as megaoperações meramente pirotécnicas, à custa da imagem dos atingidos; a invasão de escritórios de advocacia em busca de provas contra clientes, coisa que os militares jamais fizeram. Juízes há -ainda bem que são poucos- que não disfarçam sua ojeriza ao instrumento da liberdade e baixam sua miniatura de AI-5 particular, negando sistematicamente os que lhe são pedidos.

Mas agora chegamos ao apogeu: leio na revista "Veja" que há quem considere o habeas corpus um "nó" para a repressão e pretende limitar seu uso "a situações muito pontuais", a fim de que ele não seja um instrumento da impunidade.

Ou seja, o ímpeto repressivo, aquilo que a juíza norte-americana Lois Forer chamou de "rage to punish" -a ânsia de punir-, atropela todas as garantias individuais conquistadas depois de duras lutas contra a ditadura.

Pior, quer ir além da ditadura. Nosso Código de Processo Penal é um monumento do Estado Novo, inspirado no fascismo italiano. Já há quem diga que os fascistas eram uns incorrigíveis liberais, que faziam leis cheias de direitos para os réus, com excesso de recursos gerando impunidade, como se pedir em juízo fosse uma praga burguesa.

O regime hoje não é militar, mas há civis -pior, há até magistrados- capazes de fazer coisas muito mais graves contra os direitos individuais.

Nem mesmo a ditadura militar, com todo o seu aparato autoritário e antijurídico, chegou a propor a "limitação" do habeas corpus a "situações muito pontuais", chegou a proibir aos réus o direito de recorrer.

Quem quer amputar o habeas corpus e proibir os recursos quer que certas violências contra o indivíduo não tenham remédio, valendo sempre a vontade do Estado, ainda que representado por um juiz. Socorro! Quero o AI-5 de volta, pois ele não chegou a tanto.

ARNALDO MALHEIROS FILHO , 57, advogado criminal, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Fonte: Folha de S. Paulo, de 21/08/2007

 


A sombra do estado policial

Ministros do STF denunciam as suspeitas de que estão sendo grampeados – e apontam o dedo para a banda podre da Polícia Federal

Policarpo Junior

Montagem com fotos de Masao Goto Filho, Selmy Yassuda, Marcelo Kura, Ricardo Stuckert e Ana Araujo. 

Criado com o nome de Casa da Suplicação do Brasil em 1808, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou momentos duros em seus dois séculos de história. Já foi vítima de dramáticas deformações, como aconteceu nas décadas de 1930 e 1940, quando Getúlio Vargas nomeava ministros sem consultar ninguém, e já esteve emparedado pela ditadura militar iniciada em 1964, que chegou a expulsar três ministros da corte. Agora, é a primeira vez que, sob um regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas de regimes autoritários: as escutas telefônicas clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os integrantes da mais alta corte judiciária do país suspeitam que seus telefones sejam monitorados ilegalmente. Nas últimas semanas, VEJA ouviu sete dos onze ministros do Supremo – e cinco deles admitem publicamente a suspeita de que suas conversas são bisbilhotadas por terceiros. Pior: entre eles, três ministros não vacilam em declarar que o suspeito número 1 da bruxaria é a banda podre da Polícia Federal. "A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes", afirma o ministro Gilmar Mendes, numa acusação dura e inequívoca.

As suspeitas de grampos telefônicos estão intoxicando a atmosfera do tribunal. Na quinta-feira passada, o ministro Sepúlveda Pertence pediu aposentadoria antecipada e encerrou seus dezoito anos de tribunal. Poderia ter ficado até novembro, quando completa 70 anos e teria de se aposentar compulsoriamente. Muito se especulou sobre as razões de sua aposentadoria precoce. Seus adversários insinuam que a antecipação foi uma forma de fugir das sessões sobre o escândalo do mensalão, que começam nesta semana, nas quais se discutirá o destino dos quadrilheiros – entre eles o ex-ministro José Dirceu, amigo de Pertence. A mulher do ministro, Suely, em entrevista ao blog do jornalista Ricardo Noblat, disse que a saída de seu marido deve-se a problemas de saúde. O ministro, no entanto, diz que as suspeitas de que a polícia manipula gravações telefônicas aceleraram sua disposição em se aposentar. "Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite", afirma.

Os temores de grampo telefônico com patrocínio da banda podre da PF começaram a tomar forma em setembro de 2006, em plena campanha eleitoral. Na época, o ministro Cezar Peluso queixou-se de barulhos estranhos nas suas ligações e uma empresa especializada foi chamada para uma varredura. Ela detectou indícios de monitoramento ilegal nos telefones de Peluso e do ministro Marco Aurélio Mello e na linha de fax do ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral. Com a divulgação do caso, a PF entrou em cena. Em apenas nove dias, com agilidade incomum, os agentes concluíram que não havia grampo e indiciaram o dono da empresa por falsa comunicação de crime. "Fui interrogado durante três dias pela PF", diz o empresário Enio Fontenelle, que reafirma a existência de indícios de grampos. Havia interesse de um candidato ou partido por causa da eleição, tema de que tratavam os ministros Marcelo Ribeiro e Marco Aurélio? Alguém na Polícia Federal queria monitorar o ministro Peluso, que na época cuidava de uma das ações da Polícia Federal, a Operação Furacão?

Recentemente, as suspeitas se robusteceram. O ministro Marco Aurélio Mello recebeu uma mensagem eletrônica de um remetente anônimo. O missivista informava que os telefones do ministro estavam grampeados e que policiais ofereciam as gravações em Campo Grande. O mesmo estaria acontecendo com conversas telefônicas do ministro Celso de Mello. Em outros tempos, uma denúncia anônima e tão pouco circunstanciada não receberia atenção. No clima atual, Marco Aurélio pediu uma investigação. O caso foi investigado, mas a Polícia Federal – ela, de novo – concluiu que a mensagem era obra de estelionatários fazendo uma denúncia falsa. Há três meses, quando trabalhava com a Operação Navalha, o ministro Gilmar Mendes adquiriu a convicção pessoal de que seus telefonemas são monitorados. "O procurador Antonio Fernando me ligou avisando que a operação era complexa e precisava manter algumas prisões", lembra o ministro. Ele respondeu que não podia manter certas prisões por inadequação técnica. "Pouco depois, uma jornalista me telefonou perguntando se eu ia mesmo soltar todos os presos." Surpreso, o ministro ligou para o procurador, que lhe garantiu não ter comentado o assunto com ninguém. Conclui Mendes: "Estavam me acompanhando pelo telefone".

Com a libertação de alguns detidos na Operação Navalha, o ministro Gilmar Mendes julga ter conquistado em definitivo a antipatia da banda podre da Polícia Federal – e suspeita que, a partir daí, começou a ser perseguido. "Apareceram notas em jornais e sites de notícias dizendo que eu estava soltando alguns dos presos porque um dos envolvidos era meu amigo. Plantaram que havia conversas gravadas que provavam isso", rememora. Publicou-se inclusive que o nome do ministro estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama, que coordenava a ladroagem investigada pela Operação Navalha. "Recebi telefonemas de jornalistas garantindo que a Polícia Federal tinha confirmado que meu nome estava na lista", diz. Na tal lista, constava o nome de Gilmar Melo Mendes, um engenheiro que não tinha nada a ver com o ministro do STF, exceto pela homonímia. "Isso foi uma canalhice da polícia para tentar me intimidar", acusa o ministro. Ele levou o caso ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e pediu providências à presidente do STF, Ellen Gracie. Diz o ministro: "Quando a Justiça começa a ter medo de conceder um habeas corpus, o problema é da sociedade. Esse medo hoje já é perceptível".

É farta a crônica de grampos clandestinos no Brasil, inclusive nas mais altas esferas do poder. Já se encontrou grampo dentro do próprio gabinete presidencial no Palácio do Planalto (João Figueiredo, 1983). Já se soube de presidente da República cuja residência estava inteiramente monitorada (Fernando Collor, 1992, Casa da Dinda). Já se ouviu a voz grampeada de um vice-presidente da República a cantarolar palavras melosas para uma jornalista casada (Itamar Franco, 1992). Já houve presidente da República grampeado autorizando o uso de seu nome nos bastidores do leilão das teles (Fernando Henrique Cardoso, 1998). A fartura de casos pode levar à idéia de que a grampolândia é simplesmente um dado inevitável da vida nacional. Na verdade, esse pensamento tolerante contribui para minimizar o problema e, com isso, perpetuá-lo. Os sinais de que uma banda podre da Polícia Federal está querendo intimidar os ministros da mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro são gravíssimos – e sugerem que o país pode estar sendo presa das garras invisíveis de um embrionário estado policial.

"O estado policial é a negação das liberdades, indiferente de posição social ou hierarquia. É uma antítese do sistema democrático", diz o ministro Celso de Mello, cuja preocupação pessoal com grampos telefônicos é quase nula. O ministro fala pouco ao telefone fixo, não usa celular, mas se revolta com o clima de intimidação no Supremo. "É intolerável essa atmosfera que vivemos, com a conduta abusiva de agentes ou órgãos entranhados no aparelho de estado. A interceptação telefônica generalizada é indício e ensaio de uma política autoritária", diz o ministro. "O Judiciário não pode ficar refém de ações policiais, sob pena de, acusado, acabar autorizando atos arbitrários", afirma Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um dos primeiros a denunciar vestígios de um estado policial no país. "Se o magistrado decide a favor dos estados e da União, ele está certo. Se decide a favor do cidadão, é acusado de receber propina. A lógica perversa segundo a qual o estado sempre tem razão, e os cidadãos nunca, é um símbolo maior desse estado policial", diz o advogado.

Os abusos no comportamento da PF, no entanto, não se esgotam nas suspeitas de grampo ilegal. Também há suspeitas de manipulação do conteúdo de gravações feitas legalmente. Pela lei, os policiais precisam transcrever todo o diálogo telefônico monitorado, e não apenas um resumo. "Hoje, pinça-se o que a polícia quer e o que acha que deve ser informado. Os juízes decidem com base em extratos. Isso é muito arriscado", diz o ministro Marco Aurélio. Num caso em exame no Supremo, a PF informou o resumo de uma conversa telefônica, legalmente monitorada, entre um ministro do STJ e sua amante. Confrontando-se o extrato com a íntegra das gravações, descobriu-se que o motorista do ministro é quem estava falando com a amante. Em outro caso temerário, o perito Ricardo Molina, especialista em fonética forense, encontrou indícios de que a PF pode ter fraudado, possivelmente por meio de uma montagem, um diálogo que serviu de prova contra um juiz, acusado de negociar sentenças judiciais. "Não há segurança sobre a autenticidade das gravações", afirma Ricardo Molina.

Com sua experiência no ramo, o perito conta que já encontrou gravações da PF com duração inferior à registrada na conta telefônica. Só há duas hipóteses para explicar esse descompasso: ou a companhia telefônica registrou que o telefonema teve uma duração maior do que a real ou a Polícia Federal eliminou um trecho do telefonema. Em outro caso, um doleiro denunciou que fora extorquido pela polícia e, como indício probatório, disse que, pelo telefone, narrara o caso a sua mulher. Como o doleiro estava grampeado, bastava à Justiça requerer a gravação. Em contato com a companhia telefônica, a Justiça soube que, de fato, o doleiro falara com sua mulher no dia e hora informados por ele, mas a polícia, por "problemas técnicos", eliminara a gravação dos arquivos... Os ministros do Supremo também reclamam de que agentes federais vazam para a imprensa conversas telefônicas – legais, nesse caso – para constrangê-los. Houve o caso que tanto abateu Pertence. Em janeiro passado, veio a público um diálogo entre um advogado e um lobista, ambos sob investigação da PF, no qual se sugeria que Pertence receberia 600.000 reais para tomar determinada decisão. Era mentira, mas a suspeita demorou a se dissipar. "Eu virei uma noite lendo comentários na internet. Chamaram-me de tudo que é nome. É muito dolorido", diz ele. "O que mais me preocupa é que setores do Ministério Público e da polícia usam a imprensa como instrumento de desmoralização. O efeito é criar um fato consumado."

Dos sete ministros ouvidos por VEJA, apenas Eros Grau e Cármen Lúcia Antunes Rocha não suspeitam de grampos em seus telefones. "Há uma suspeita generalizada de que nossos telefones são grampeados. De minha parte não há o que esconder, mas temos de medir as palavras com fita métrica", diz o ministro Carlos Ayres Britto. "Hoje, você não sabe mais quem está ouvindo suas conversas", conta o ministro Marco Aurélio. "Um dia minha irmã ligou para falar do espólio de meu pai. Repeti várias vezes que os valores se referiam ao espólio. Era para quem estivesse ouvindo entender. Se um ministro do STF tem de tomar essas cautelas, o que não sofre um juiz de primeira instância?" Nem é preciso descer aos níveis inferiores da Justiça. No Superior Tribunal de Justiça, que também fica em Brasília, o ministro Felix Fischer não autorizou a prisão de alguns investigados. Em seguida, começaram a aparecer notas na imprensa de que seu filho, um advogado, estaria sendo investigado sob suspeita de venda de sentenças. Felix Fischer chamou o delegado do caso, acusou a PF de tentar intimidá-lo e só não lhe deu uns sopapos porque foi contido pelos presentes.

As suspeitas de comportamento criminoso da banda podre da Polícia Federal não podem servir para desacreditar as ações policiais dos últimos tempos. No atual governo, a Polícia Federal já fez centenas de operações e tem mostrado um vigor digno de aplauso. As falhas que acontecem aqui e ali têm sido usadas para que alvos legítimos das investigações deflagrem a velha campanha de desmoralizar a polícia, apenas como meio de se livrarem eles próprios de investigações. "A força que a Polícia Federal vem adquirindo institucionalmente está sendo conquistada porque em regra tem cumprido a lei", afirma o ministro da Justiça, Tarso Genro. "Os eventuais erros ou injustiças que a PF tenha cometido foram originários dela não como instituição policial, mas de pessoas que ainda não se integraram plenamente na ética pública de um estado democrático de direito", completa o ministro. O ideal é que as "pessoas desintegradas" sejam identificadas e devidamente punidas. Só assim se pode impedir que a sombra de um estado policial se projete sobre o estado democrático tão duramente conquistado.

Fonte: Veja, de 22/08/2007