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Agentes políticos têm responsabilidade por acidente do Metrô, dizem juristas

O laudo divulgado no dia 6 de junho pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) procura isentar de responsabilidades os chefes do governo do Estado de São Paulo pelo acidente que, em 12 de janeiro de 2007, matou sete pessoas e interditou por tempo indeterminado a construção da estação Pinheiros da Linha 4 (amarela) do Metrô. Mas juristas especializados em direito administrativo são quase unânimes em apontar que os agentes políticos do Estado deveriam e deverão ser responsabilizados pelo acidente.

O documento apresentado em vídeo pelo IPT, ao qual Última Instância teve acesso na sua versão impressa, em nenhum momento questiona as decisões tomadas pelos agentes políticos durante a construção. O laudo aponta, por exemplo, a aceleração da obra, sem, no entanto, designar quem seria o responsável pela ordem e de onde ela partiu.

O IPT chega a isentar o Metrô da verificação da estabilidade das estruturas —segundo o estudo, o Consórcio Via Amarela era responsável por todos os riscos da construção. À companhia, cabia apenas o acompanhamento das frentes de serviço. Ao falar da modalidade empregada na contratação da obra —o chamado “turn key”, ou chave na mão—, o laudo atribui à falta de experiência do Metrô o fato de não ter sido avaliada adequadamente “a possibilidade de ter uma participação maior no processo do projeto e construção da obra”.

De acordo com o documento, a companhia limitou-se a designar técnicos para verificar se a construção obedecia às características do projeto contratado. “A posição do Metrô de São Paulo foi a de que a sua interferência no desenvolvimento do projeto poderia servir de pretexto para o CVA [Consórcio Via Amarela] pleitear prazos e recursos adicionais ou, de outro, para o CVA se eximir da responsabilidade que contratualmente lhe cabia”, aponta o laudo.

Pontos estranhos

O instituto confirma no laudo ter sido contatado pelo governador José Serra (PSDB) no dia seguinte ao acidente para investigar as razões do colapso, em reunião com diretores do Metrô e da Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Mais tarde, em 2 de abril de 2007, um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado pelo Ministério Público com os envolvidos referendou o IPT para a elaboração do laudo técnico.

Há mais pontos no laudo que causam estranheza. Um deles, que lista em ordem hierárquica os “clientes” da obra, põe o Metrô como co-gestor do projeto e isenta o governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Transportes Metropolitanos de participação, porque “não se inserem no contexto de gestão da obra, pois pode-se considerar que ambas as participações não apresentam poder de decisão específico o bastante para ligar-se (sic) de forma direta às atividades executadas”. O Metrô, ainda que responsável, “era contratualmente impedido de observar e acompanhar os aspectos de segurança”.

Especialistas

Para os especialistas em direito administrativo ouvidos por Última Instância, que conversaram com a reportagem analisando os aspectos jurídicos em questão, ao contrário do que afirma o IPT, em acidentes como esse, o Poder Público deve responder objetivamente pelo dano, mesmo que o laudo não aponte as responsabilidades diretas dos agentes políticos. “Ao descrever as causas, o IPT pode identificar falhas do projeto na execução e na qualidade dos materiais. Mas, quanto ao projeto e à execução, a responsabilidade é do órgão que contratou, uma responsabilidade objetiva”, pondera Marcio Cammarosano, advogado especializado em direito administrativo e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Assim como Cammarosano, Toshio Mukai —professor doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e autor, entre outros, do livro “Licitações e Contratos Públicos”— e Aristoteles Atheniense —presidente por duas vezes da OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais) e vice-presidente da OAB nacional— afirmam que o Estado só não seria responsabilizado se o acidente tivesse ocorrido por causas naturais.

Por ironia, o laudo apresentado anteriormente pelo Consórcio Via Amarela, realizado pelo consultor independente inglês Nick Barton, ex-pesquisador do Norwegian Geotechnical Institute e especialista em túneis em rocha, tem essa leitura: segundo o documento, uma rocha de 15 mil toneladas não detectada pelos estudos teria provocado o aparecimento da cratera. “A responsabilidade [do Estado] só deixaria de existir em casos de imprevisibilidade. O Estado assumiu tarefas e a sua responsabilidade é objetiva”, afirma Atheniense. “A situação de risco foi provocada em razão da obra”, acrescenta Mukai.

Esses especialistas têm cuidado ao analisar uma possível parcialidade do IPT, pois avaliam que o instituto goza de enorme credibilidade e transcende à esfera da influência governamental. “Não acredito em laudo sob encomenda”, diz Cammarosano.

Presidente da SBDP (Sociedade Brasileira de Direito Público), Carlos Ari Sundfeld também afasta a hipótese de parcialidade do IPT, mas vai na contramão dos demais. Para ele, a responsabilidade é de quem não alertou sobre os riscos dos aditamentos sugeridos —neste caso, a missão de verificar as inconformidades seria do consórcio. Sundfeld diz que a simples aceleração da obra não seria suficiente para determinar de quem é a culpa. “Há alguma discussão [sobre a culpabilidade do Metrô], mas é um exagero. É preciso um técnico para dizer se é possível assumir um risco. Se assume, assume a responsabilidade. É a mesma coisa que pedir transplante sem anestesia. Se o médico fizer, é porque acha que é seguro.”

“Mas o Poder Público não pode deixar de se incumbir de fiscalizar”, pondera Cammarosano, para quem qualquer contrato executado deve ter acompanhamento rígido do Estado. “Há uma regra: provada a culpa do preposto, provada a culpa do proponente.”

Por meio de sua assessoria de imprensa, o IPT informou que não se manifesta sobre o caso para nenhum veículo de comunicação, pois, contratualmente, cabe apenas ao cliente a divulgação ou não de resultados. O Metrô informa, em nota publicada em seu site, que tem o compromisso de “apurar com rigor as causas e responsabilidades” pelo acidente e que uma equipe multidisciplinar da companhia que analisa o laudo do IPT está incumbida de entregar para a Comissão de Sindicância interna do Metrô os resultados dessa análise —a previsão é de 45 dias para isso acontecer. À reportagem, o Metrô disse que a nota que consta em seu site é suficiente para refletir a posição da companhia.

Fonte: Última Instância, de 17/06/2008

 


Advogado acredita que STF irá reverter decisão sobre o amianto

O debate sobre a proibição ou não do uso controlado do amianto é repleta de argumentos louváveis de ambas as partes interessadas. São teses embasadas em estudos científicos e com sólidos argumentos jurídicos. No meio dessa batalha, estão os ministros do Supremo Tribunal Federal, que decidirão, no mérito, se a Lei 12.684/07, do estado de São Paulo, que proíbe o amianto crisotila, é constitucional.

No dia 4 de junho, por sete votos a três, os ministros do STF derrubaram a liminar do ministro Marco Aurélio, que suspendia os efeitos da lei. Apesar dessa sinalização dos ministros, que consideraram a questão dos riscos à saúde em sua decisão, o advogado e ministro aposentado do Supremo Maurício Corrêa acredita na possibilidade de mudança na posição do tribunal. Corrêa é advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei paulista.

A liminar foi derrubada porque os ministros do STF não dispõem de informações suficientes sobre a questão, acredita Corrêa. Ele sustenta que os estudos científicos não são conclusivos sobre a segurança de fibras alternativas. “Não é adequada a proposta de substituição de um material amplamente conhecido cientificamente e para o qual já existem controles de processos e equipamentos de proteção, por outros que representam pontos de interrogação”, afirma.

Para o ex-ministro, o Supremo irá invadir a competência do Executivo e do Legislativo se declarar constitucional a lei que proíbe o amianto com base no argumento dos riscos à saúde. O tribunal, argumenta o advogado, foi apenas questionado sobre a constitucionalidade formal de uma lei estadual que entra em conflito com norma federal. “Não cabe ao Judiciário aferir esse risco à saúde, não é esse o papel do juiz e do STF.”

Leia entrevista

ConJur — Quais as conseqüências da decisão do Supremo sobre a lei que proíbe o amianto em São Paulo?

Maurício Corrêa — É preciso esclarecer que esse julgamento refere-se apenas à liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio. O tribunal preferiu não ratificar a decisão monocrática e, assim, a lei paulista voltou a ter eficácia. A deliberação é precária. Ela não pode ser considerada definitiva, o que somente ocorrerá no julgamento de mérito. Enquanto isso, em São Paulo fica proibido o uso do amianto crisotila, permanecendo válida a autorização dada pela Lei Federal 9.055/95 para o resto país. Mesmo em São Paulo pode haver discussão sobre qual lei prevalece. Mas isso terá que ser resolvido caso a caso pelo Judiciário.

ConJur — A decisão indica a tendência dos ministros de proibir o amianto. É possível reverter o quadro?

Maurício Corrêa — Tenho grande esperança. Com a instrução do processo e a oitiva das partes interessadas, os ministros terão outra visão do tema e decidirão de maneira diversa. No caso específico houve um desvio processual que limitou a informação disponível.

ConJur — Qual foi esse desvio?

Maurício Corrêa — A confederação questionou a lei paulista apenas sob a ótica de sua inconstitucionalidade formal, alegando que São Paulo estava disciplinando normas já reguladas pela União. Esta é que detém a preferência normativa segundo as regras constitucionais de competência concorrente previstas no artigo 24 da Constituição. No entanto, provocado pelos interessados na proibição do amianto, o STF mudou sua análise para questão de mérito. Tangenciou o objeto da ação e passou a analisar se o amianto crisotila é ou não prejudicial à saúde. O Supremo concluiu que os possíveis riscos justificariam a manutenção da lei paulista. Fez isso sem ouvir o outro lado. Se as entidades que defendem o amianto soubessem, a questão seria debatida sob visão diversa. Elas apresentariam suas razões e demonstrariam que não se sustentam afirmativas que embasam posições assumidas pelos juízes.

ConJur — A mudança de enfoque era previsível?

Maurício Corrêa — É a primeira vez que isso ocorre no STF. A ADI discute apenas o seguinte: com a lei federal em vigor, pode um estado legislar sobre produção e consumo com uma norma oposta à fixada pela União? A resposta que se esperava do tribunal era sim ou não. E o mais provável é que fosse um sim, como indicavam precedentes em casos análogos e até idênticos. Por exemplo, o caso da lei do Paraná que queria limitar o uso de sementes transgênicas. O STF disse que não podia, porque afrontava a lei federal sobre o tema. Em momento algum se cogitou debater a constitucionalidade da norma da União, pois não era objeto da ADI. Não se discutiu na oportunidade se as sementes transgênicas eram prejudiciais à saúde. Por isso, não era previsível essa mudança de orientação do Supremo sobre o amianto. Mesmo assim, ele resolveu debater a constitucionalidade da lei federal, que não é objeto da ADI. No mínimo, o julgamento deve ser suspenso para que a Confederação se manifeste sobre o novo viés. Haveria maior respeito ao devido processo legal e ao contraditório. Fazendo uma metáfora ao gosto do presidente Lula: é como se o árbitro resolvesse mudar as regras no intervalo jogo, mas avisasse só a um dos times.

ConJur — O que poderia justificar uma mudança no posicionamento?

Maurício Corrêa — São aspectos que não ficaram suficientemente esclarecidos. Um dos argumentos jurídicos deduzidos foi o de que a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, permitiria a proibição do amianto crisotila. A trajetória de aplicação da convenção foi apresentada de modo incompleto. Diz o artigo 3º da norma que a legislação nacional deve prever medidas preventivas dos riscos à exposição profissional ao amianto. A Lei 9.055/95 e o Decreto 2.350/97 fazem exatamente isso, e com extremo rigor. Isso sem falar nas normas coletivas de trabalho, nas quais patrões e empregados estabelecem os padrões de controle e segurança mais eficazes que os internacionais. O mesmo artigo 3º estabelece que a legislação nacional deverá ser submetida à revisão periódica por causa do desenvolvimento técnico e científico.

ConJur — Mas o governo está discutindo essa questão?

Maurício Corrêa — O Executivo, que em última análise é responsável pela saúde da população, criou uma Comissão Interministerial para estudar o assunto. Composta pelos ministros do Trabalho, Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia e Desenvolvimento, a comissão não chegou a um consenso sobre o banimento do amianto. Certamente porque não há razão plausível, seja porque o uso controlado do amianto é seguro, seja porque não existe alternativa inofensiva à saúde. De todo modo, um relatório foi enviado à Casa Civil para continuidade dos estudos. Além disso, tramitam no Congresso mais de uma dezena de projetos dando novos contornos ao tema. Portanto, está sendo cumprido o compromisso assumido pelo Brasil de rever periodicamente a legislação nacional sobre amianto.

ConJur — E a possibilidade de se substituir o amianto?

Maurício Corrêa — O artigo 10 da convenção fala ainda que, quando viáveis do ponto de vista técnico, a legislação nacional promoverá a substituição do amianto por produtos alternativos. Mas desde que eles sejam definidos como inofensivos ou menos perigosos. A avaliação científica deve ser feita pela autoridade competente, que não é o STF. Aqui está o perigo na trilha iniciada pelo Supremo, pois as fibras alternativas não podem ser consideradas inofensivas. Em 2005, a Organização Mundial da Saúde reuniu pesquisadores em Lyon, na França. O relatório decidiu que não há conclusões finais sobre a indicação científica de uma substância que possa substituir o amianto sem riscos à saúde. É preciso de mais pesquisas para afirmações conclusivas. Há relatos de grande incidência de câncer em trabalhadores das fábricas que utilizam fibras substitutas como os de fábricas têxteis de Quebec pesquisadas em 1994. Diante desta situação, os países signatários da convenção não são compelidos a aplicar o artigo 10.

ConJur — É possível dizer que o amianto é inofensivo?

Maurício Corrêa — Não estamos afirmando isso. A fibra de amianto crisotila — assim como outras fibras respiráveis — pode se tornar perigosa se não for utilizada de forma responsável. Se observados os cuidados previstos em normas internacionais — no Brasil, elas são mais rigorosas — o potencial dano à saúde é perfeitamente eliminável. Não é adequada a proposta de substituição de um material amplamente conhecido cientificamente e para o qual já existem controles de processos e equipamentos de proteção, por outros que representam pontos de interrogação. Vale trocar o certo pelo duvidoso? Certamente não. Ninguém, em sã consciência, defenderia o uso do crisotila se ele não tivesse controle. Diversos países permitem o uso controlado e seguro do crisotila. Como exemplo, temos Estados Unidos, Canadá, Rússia, Emirados Árabes, Índia e Ucrânia. Se é verdade que 42 países já baniram o amianto, outros 150 o utilizam. Mesmo em países da Europa, que têm norma proibitiva, o crisotila continua sendo usado para fins específicos, como a produção de cloro. Isso demonstra que não há a certeza quanto à lesividade do amianto. São meias verdades que acabam virando verdades. Os ministros do STF farão uma ampla reflexão sobre todas essas variáveis e decidirão a partir de uma gama completa e real de informações.

ConJur — Há estudos que mostram os riscos do amianto, enquanto há outros que informam o contrário. Não existe algo mais palpável que traria uma decisão mais segura?

Maurício Corrêa — Por trás desse tema há uma enorme batalha comercial, na qual interesses econômicos contrapostos apresentam-se evidentes. De um lado está o mercado de fibrocimento de amianto e, de outro, o das fibras alternativas. Até as pesquisas científicas merecem análise cuidadosa, pois podem estar a serviço de um grupo. Mas está em andamento um amplo estudo no Brasil que pode emprestar aos ministros o embasamento técnico seguro. Trata-se da pesquisa intitulada Exposição ambiental ao asbesto: avaliação do risco e efeitos na saúde. Ela foi feita por quatro universidades brasileiras (USP, Unifesp, Unicamp e UFG) e duas canadenses (McGill e British Columbia). O trabalho visa subsidiar o governo sobre o assunto. Busca-se a consolidação do conhecimento científico sobre o tema, segundo a realidade brasileira. A pesquisa dará ao governo, Congresso e ministros do Supremo um instrumento científico real e isento, fundamental para a tomada de decisão. Com o choque de estudos contraditórios, não é razoável que o Brasil se precipite e assuma o risco desnecessário de acolher um ou outro.

ConJur — Quais são as conseqüências no caso da proibição definitiva do amianto?

Maurício Corrêa — Na remota hipótese de isso ocorrer, a conseqüência imediata será econômica, com o fechamento de fábricas, em especial as de telhas e caixas d’água. Haverá redução de empregos, diminuição na arrecadação de impostos e o fechamento da terceira maior mina do mundo em Minaçu (GO). O estado também terá que indenizar os donos dos direitos de exploração da reserva. Também me preocupam os desdobramentos dessa decisão em médio prazo. O Supremo atuará como legislador positivo usurpando atribuição do Legislativo. Certamente será instado a proibir de imediato o consumo de cigarro, inquestionavelmente cancerígeno. Assim como as atividades de trabalho que envolvam benzeno, formol, chumbo e outras mais perigosas que o amianto crisotila. Passaríamos a viver um estado de insegurança jurídica insustentável, provocando toda espécie de riscos imponderáveis na atividade econômica. Não cabe ao Judiciário aferir esse risco à saúde, não é esse o papel do juiz e do STF. Cabe às autoridades executivas e aos representantes do povo, que com o auxílio dos cientistas, dar a palavra final. O Congresso é o foro adequado para decidir esse tema.

Fonte: Conjur, de 17/06/2008

 


Cai prazo de cobranças do INSS

Uma das disputas tributárias mais importantes que já passaram pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de ser julgada em caráter definitivo e com a vitória dos contribuintes. O processo questionava o prazo de dez anos de que o INSS dispunha para impetrar ações judiciais com o objetivo de cobrar contribuições previdenciárias devidas ao órgão.

Esse prazo foi fixado em 1991 pela Lei 8.212 - a Lei Orgânica da Seguridade Social. As empresas recorreram à Justiça alegando que o prazo de prescrição ou "decadência" concedido ao INSS deveria ser de cinco anos, como ocorre com os demais tributos. Também argumentavam que regras gerais sobre tributos só podem ser estabelecidas por lei complementar, uma vez que o Código Tributário Nacional (CTN) fixa o prazo de decadência em cinco anos. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alegou que o prazo de dez anos para cobrança de contribuições previdenciárias não é regra geral, mas específica, criada para facilitar a arrecadação do órgão.

O STF rejeitou esse argumento e decidiu que o prazo de cinco anos previsto pelo CTN é válido para a cobrança de todos os impostos, inclusive para as contribuições previdenciárias. O Supremo não só manteve a interpretação das instâncias inferiores da Justiça, que vinham declarando inconstitucional o artigo da Lei Orgânica da Seguridade Social que prevê o prazo de dez anos, como decidiu transformar sua decisão em súmula vinculante. Atualmente, tramitam nas diferentes instâncias do Judiciário 300 mil ações de cobrança da dívida ativa previdenciária, no valor total de R$ 150 bilhões.

Para se ter idéia da importância dessa decisão, com ela o INSS deixa de ter fundamento legal para cobrar cerca de R$ 95 bilhões. Compõem esse total R$ 12 bilhões já cobrados indevidamente das empresas e que o INSS teria de devolver, R$ 21 bilhões em contribuições que estão sendo cobradas por via administrativa, R$ 20 bilhões de contribuições parceladas e R$ 42 bilhões inscritos na dívida ativa.

Para evitar que a decisão do STF tivesse um impacto devastador e imediato sobre as contas públicas, após o julgamento do mérito da questão a PGFN pediu ao Supremo a aplicação da chamada "modulação dos efeitos da decisão". Esse instrumento jurídico permite a não-retroatividade do entendimento da Corte. No caso, tornaria válidos todos os atos praticados durante a vigência da regra dos dez anos de prescrição para a cobrança de contribuições previdenciárias devidas e, com isso, o INSS não teria de devolver as contribuições já pagas.

A "modulação" é uma importante inovação na legislação processual. Por meio dela a Justiça fixa uma data a partir da qual as decisões judiciais passam a ter efeito, evitando-se com isso os riscos de incerteza jurídica e tensão institucional que as mudanças de jurisprudência podem causar. O mecanismo foi utilizado pela primeira vez em 2004, quando o STF, ao julgar uma ação interposta pelo Ministério Público de São Paulo contra o município de Mira Estrela, limitou o número de vereadores da cidade, mas decidiu aplicar a regra só a partir da legislatura seguinte. Desde então, a "modulação" foi aplicada quatro vezes.

No julgamento do caso do INSS, a Corte acolheu parcialmente o pedido da PGFN, ficando no meio-termo entre a posição da União e a posição das empresas. Em resumo, a Corte dispensou o INSS de devolver aos contribuintes os R$ 12 bilhões já recolhidos com base no prazo declarado inconstitucional, mas obrigou o órgão a renunciar a R$ 83 bilhões em contribuições que ainda estão em fase de cobrança administrativa ou judicial.

A decisão agradou às duas partes. "O mais danoso para o Fisco seria ter de devolver o que já foi recolhido", diz o procurador-adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício Soller. Os advogados ficaram satisfeitos não só por causa da vitória no mérito, que reduziu o prazo de prescrição de dez para cinco anos, no âmbito do INSS, mas também porque seus clientes poderão recuperar parte dos valores que estão sendo discutidos em via administrativa.

A decisão do STF mostra que as inovações processuais advindas com a reforma do Judiciário estão produzindo resultados positivos, descongestionando os tribunais e dando às pessoas e empresas a indispensável segurança jurídica.

Fonte: Estado de S. Paulo, de 16/06/2008

 


Aumento para INSS vai a plenário
 

A emenda de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) determinando que os benefícios previdenciários tenham o mesmo índice de reajuste do salário mínimo avança na Câmara. A votação do texto, em comissão especial na semana passada, corria risco de ser anulada por erro processual. Análise técnica, porém, diz que a votação foi correta. Assim, após análise do parecer dos técnicos pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, o texto vai a plenário.

Os governistas estão numa saia-justa. Por causa do forte impacto da medida sobre as contas públicas, eles têm de trabalhar para impedir a votação. Porém, não querem ficar na posição impopular de ser contra os aposentados, ainda mais em ano eleitoral. Por isso, buscam um meio-termo: querem engavetar o projeto e propor nova regra de correção das aposentadorias maiores que o mínimo. Se não for possível paralisar a votação, o projeto seguirá para o plenário e, caso aprovado, para sanção do presidente Lula. Para evitar um rombo nas contas públicas, ele será forçado a vetá-lo. Os governistas querem evitar esse desgaste político.

"Defendo que haja correção para as aposentadorias maior que a correção da inflação, como é hoje. Estamos trabalhando nisso", disse o deputado Gilmar Machado (PT-MG). Segundo ele, há dificuldade para aprovação da emenda do senador Paim porque o impacto seria grande nos gastos da Previdência. Uma das hipóteses é estender para os pagamentos de até três salários mínimos a correção pelo índice de inflação mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), previsto para os benefícios equivalentes a um mínimo. "Acima desse valor, seria um reajuste escalonado", disse Machado.

O governo quer ganhar tempo para negociar uma proposta e a aprovação da emenda de Paim surpreendeu os aliados. Ontem, depois de uma reunião da base, os líderes aliados evitavam tratar do assunto. "O PT não tem posição. A gente vem defendendo um aumento mais substancial acima do piso", limitou-se a dizer o líder do PT, deputado Maurício Rands (PE).

"As coisas mais polêmicas vamos deixar para agosto. Estamos tentando fazer uma pauta de convergência, vamos deixar a questão das aposentadorias para depois", afirmou o líder do PP, Mário Negromonte (BA).

A comissão especial, presidida por Júlio Delgado (PSB), aprovou a emenda na quarta-feira, aproveitando o espaço de duas sessões extraordinárias que discutia a criação da CSS. Quando perceberam, governistas tentaram anular a reunião com reclamação a Chinaglia, o que motivou a análise da votação pela secretaria da Mesa.

Fonte: Estado de S. Paulo, de 18/06/2008

 


Serristas barram investigação sobre Alstom

A base aliada do governo José Serra (PSDB) na Assembléia Legislativa de São Paulo frustrou ontem nova tentativa da oposição de usar a CPI da Eletropaulo para investigar suspeitas de corrupção em contratos assinados entre a empresa e a Alstom, antes da privatização da companhia, em 1998.

Em maioria na CPI, os governistas rejeitaram todos os requerimentos apresentados pela oposição, que pretendia convocar para depor ex-diretores da Eletropaulo e obter cópias de contratos e relação de pagamentos feitos pelo Estado à Alstom e suas subsidiárias.

A CPI foi criada para apurar a privatização da Eletropaulo. Porém, com os indícios de corrupção levantados por promotores suíços, a oposição tentou levar o caso para a comissão.

Com o fim próximo da comissão, cujo prazo de esgota no dia 30, a oposição praticamente desistiu de investigar a Alstom via CPI. Na semana passada, aliados já haviam obstruído a investigação, o que contrariou uma orientação pública de Serra, de que todas as suspeitas deveriam ser apuradas.

Ontem, a CPI ouviu David Zylbersztajn, secretário de Energia do Estado e presidente do conselho de administração da Eletropaulo durante o período em que foram negociados contratos com a Alstom colocados sob suspeita por investigadores suíços.

Zylbersztajn só foi depor, na condição de testemunha, porque havia sido convocado ainda no ano passado, antes das suspeitas envolvendo a Alstom. Na CPI, ele negou que tivesse algum poder de decisão sobre contratos e só se irritou no final, durante entrevista.

O ex-secretário, hoje dono de uma empresa prestadora de serviços na área energética, encerrou a entrevista ao ser questionado se conhecia o empresário Romeu Pinto Júnior, apontado como o dono da "offshore" MCA Uruguay, que teria recebido recursos da Alstom para pagar propinas a políticos.

A sessão, porém, ficou boa parte do tempo restrita a um bate-boca entre o presidente da CPI, José Mentor (PT), e o relator, João Caramez (PSDB), sobre a prerrogativa da comissão de entrar no caso Alstom, já que foi criada com outra finalidade.

"Há uma blindagem para evitar que se atinja o governo de São Paulo, o Serra e principalmente o [ex-governador Geraldo] Alckmin", disse Enio Tatto (PT), irritado com a rejeição dos requerimentos.

Em resposta, o tucano Caramez afirmou: "Não adianta querer justificar o injustificável. Todos [os requerimentos] fogem do objeto da CPI".

Fonte: Folha de S. Paulo, de 18/06/2008

 


Farmácias catarinenses podem vender outros produtos

A Drogaria e Farmácia Catarinense, de Jaraguá do Sul (SC), pode comercializar produtos que não são drogas e medicamentos. O entendimento é da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A empresa entrou com a ação porque a Vigilância Sanitária da cidade negou o alvará. O desembargador Luiz Cézar Medeiros, relator do caso, embasou a decisão na Lei 9.069/95, que trata do Plano Real, para comprovar a legalidade da vendas desses produtos por lojas de conveniência e drogarias.

Segundo o contrato social da empresa, ela pertence a esta categoria e cumpre as exigências legais, mantendo os produtos considerados não correlatos separados dos medicamentos. Para Medeiros, não há motivo para negar os alvarás já que a atividade da drogaria é plenamente legal.

Questão no Supremo

Nesta semana, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), recorreu ao Supremo Tribunal Federal para tentar impedir que farmácias e drogarias vendam produtos que não sejam remédios. A ação questiona a Lei Estadual 12.623/07, que permite a venda de filmes fotográficos, pilhas, cosméticos.

A Lei Federal 5.991/73 estabelece os conceitos de farmácia e drogaria e delimitou sua atividade comercial. Elas detêm a exclusividade na comercialização de drogas e medicamentos. Em contrapartida, não podem comercializar produtos de outra natureza, argumenta Serra.

Fonte: Conjur, de 18/06/2008

 


STF já julgou o mérito de cinco temas com repercussão geral

Desde o dia 30 de abril de 2008, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou pela primeira vez um Recurso Extraordinário (RE) submetido ao filtro da repercussão geral, cinco temas relevantes já foram decididos pela Corte, em sede de Recurso Extraordinário. A importância dos temas decididos definitivamente pelo Supremo, nos recursos extraordinários, fica comprovada na edição das últimas súmulas vinculantes, uma vez que as matérias discutidas nos processos foram sumuladas.

O dispositivo da repercussão geral, criado em 2004 pela Emenda Constitucional 45, possibilita que o Supremo deixe de apreciar recursos extraordinários que não tenham maiores implicações para o conjunto da sociedade. É um filtro que permite ao STF julgar somente os recursos que possuam relevância social, econômica, política ou jurídica. Ao mesmo tempo, determina que as demais instâncias judiciárias sigam o entendimento da Suprema Corte, evitando o encaminhamento de milhares de processos idênticos ao STF.

Adicional de insalubridade e salário mínimo

No julgamento do Recurso Extraordinário 565714 o Plenário decidiu negar provimento ao recurso por entender que a vinculação do adicional de insalubridade ao salário mínimo ofende a Constituição Federal, mas a alteração da base de cálculo por via de interpretação jurídica não é possível. Este foi o primeiro RE em que foi reconhecida a repercussão geral. A ação, proposta na primeira instância por policiais militares paulistas, pretendia que o estado passasse a usar, como base de cálculo do adicional por insalubridade, o total dos vencimentos recebidos pelos servidores, e não o salário mínimo, como determinava a Lei Complementar 432/85, de São Paulo.

Portanto, a Súmula Vinculante repetiu a conclusão do julgamento do RE, isto é, mantendo o salário mínimo como indexador e base de cálculo do adicional de insalubridade até a edição de nova lei.

Súmula Vinculante n º 4

“Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”

Serviço militar e remuneração abaixo do salário mínimo

Ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 570177, o STF reconheceu a repercussão geral do tema e entendeu que é constitucional o pagamento de valor inferior ao salário mínimo para os jovens que prestam serviço militar obrigatório. O RE foi interposto por um recruta contra a União e alegava que o pagamento de valor inferior ao mínimo violava o disposto nos artigos 1º, incisos III e IV; 5º, caput; e 7º, incisos IV e VII, da Constituição Federal. Os ministros entenderam que os militares se submetem a um regime jurídico próprio que não se configura com os servidores públicos civis.

Súmula Vinculante nº 6

“Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial”

Contribuição social - prazo para recolhimento

No julgamento dos REs 556664, 559882, 559943 e 560626, os ministros do STF decidiram, por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/1991, por entender que apenas lei complementar pode dispor sobre normas gerais em matéria tributária – como prescrição e decadência, incluídas aí as contribuições sociais. No julgamento desses recursos o Plenário decidiu declarar a inconstitucionalidade de normas que fixavam prazos diferentes de prescrição e decadência de contribuições sociais, assim, a União não pode cobrar, em nenhuma hipótese, fora dos prazos previstos no CTN para todos os tributos. Já os contribuintes que não pagaram, não precisam pagar mais. Quanto aos contribuintes que pagaram, há modulação de efeitos diferenciando duas hipóteses: a) Quem pagou no prazo estendido, mas impugnou antes do julgamento de 11/06/08: pode receber a devolução (efeitos ex tunc da decisão de inconstitucionalidade, ou seja, passam a valer desde a edição da lei); b) Quem pagou no prazo estendido e não impugnou até 11/06/2008: não tem direito de receber a devolução (efeitos ex nunc da decisão de inconstitucionalidade, isto é, os efeitos valem a partir da decisão).

Daqui para frente todo contribuinte que no futuro pagar fora do prazo pode pedir a devolução por pagamento indevido.

Súmula Vinculante nº 8

“São inconstitucionais os parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”

Agilidade no julgamento da repercussão geral

No julgamento dos REs 580108 e 582650, a maioria dos ministros aplicou uma questão de ordem levantada pela ministra Ellen Gracie, na qual ficou entendido que a repercussão geral será reconhecida pelo Plenário da Corte a recursos extraordinários que discutem matérias já pacificadas pelo STF, sem que esses processos tenham de ser distribuídos para um relator.

Assim, os recursos extraordinários que versem sobre matérias já julgadas pelo STF serão enviados para a Presidência do STF, que levará a questão ao Plenário antes da distribuição do processo. Caberá aos ministros, no julgamento colegiado, aplicar a jurisprudência da Corte; rediscutir a matéria ou; simplesmente, determinar o seguimento normal do recurso, caso se identifique que a questão não foi ainda discutida pelo Plenário.

Reserva de Plenário - Declaração de Inconstitucionalidade

O RE 580108 trata do dispositivo constitucional que dispõe sobre a reserva de plenário. Nela se determina que, somente pelo voto da maioria absoluta de seus integrantes, os tribunais podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

A edição de súmula vinculante sobre este tema encontra-se em análise pela Corte.  

Aplicação do antigo limite de juros a 12% ao ano

Já o julgamento do RE 582650 resultou na Súmula Vinculante nº 7, na qual ficou decidido que o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, um dispositivo que já foi revogado e que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar. Ou seja, determina que esse dispositivo da Constituição não era auto-aplicável. A partir da data de sua publicação no Diário de Justiça, a nova súmula vinculante passará a ser aplicada a todos os processos que versem sobre essa questão.

Súmula Vinculante nº 7

“A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”

Fonte: site do STF, de 18/06/2008

 


STF julga uso de interrogatório por videoconferência

O plenário do Supremo Tribunal Federal vai definir a constitucionalidade da utilização do interrogatório por videoconferência. Na quinta-feira (19/6), os ministros podem julgar pedido de Habeas Corpus que requer a nulidade de interrogatório feito com base na lei paulista que disciplina a tomada de depoimentos à distância. A decisão vale para o caso concreto, mas pode abrir precedentes. Em agosto do ano passado, os ministros Cezar Peluso, Eros Grau, Celso de Mello e Gilmar Mendes já se manifestaram contra o instrumento por falta de previsão legal.

A Defensoria Pública de São Paulo quer reformar a decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou Habeas Corpus para Fábio Firmino dos Santos. O argumento de nulidade do interrogatório pelo sistema de videoconferência não convenceu os ministros. Agora, direcionado ao Supremo, o pedido tem o mesmo argumento. Segundo a defesa, o interrogatório por videoconferência não equivale ao interrogatório ao vivo que garante a “autêntica comunicação” entre juiz e investigado. Ainda de acordo com a Defensoria Pública, a presença física do réu no interrogatório também está garantida pelo Pacto de São José da Costa Rica.

De acordo com o artigo 1º da Lei Estadual 11.819/05, questionada no HC, “nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais”.

O advogado criminalista Alberto Zacarias Toron disse ao site Consultor Jurídico que a lei paulista “é inconstitucional porque a matéria só pode ser objeto de regulação por meio de lei federal”. Para o advogado, o sistema pode ser utilizado apenas se houver concordância da defesa.

O advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini considera que o interrogatório dessa forma fere os princípios do Direito Processual Penal. “A presença física do interrogando, quando réu preso, é fundamental e indispensável”, afirma. Bottini lembra que o interrogatório é um ato de defesa e que pode ser cerceado, pelo fato de o réu estar distante do juiz. “Há uma certa dificuldade de produção de provas. A videoconferência também impõe dificuldade se o réu quiser relatar algo de sua condição de preso ou algum problema vivido dentro do cárcere”, destaca. Ele defende o uso da videoconferência somente para testemunhas. “É um meio válido para ouvir alguém no exterior, por exemplo.”

Miguel Pachá, sócio do Tostes e Asssociados Advogados e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também defende a utilização da videoconferência só na oitiva de testemunhas.

O criminalista David Rechulski também ressalta que a presença física do acusado é de fundamental importância para que o juiz possa perceber a sinceridade, a dissimulação e o nervosismo, por exemplo, diante das perguntas formuladas. “Essas impressões são realmente importantes e não deixam de compor parte do mecanismo de formação do livre convencimento do julgador, que juntamente com os demais elementos de prova existentes nos autos, ajudará na sua convicção para absolver ou condenar o acusado”, afirma o advogado.

Garantias fundamentais

Em agosto do ano passado, a 2ª Turma do STF anulou o processo contra um condenado a mais de 14 anos de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo a partir do interrogatório. O relator do caso (HC 88.914), ministro Cezar Peluso, entendeu que o interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Segundo Cezar Peluso, “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. O ministro frisou que o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa. Peluso esclareceu que países como Itália, França e Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada

No Brasil, ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência. “E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto”, afirmou o ministro.

Os argumentos em favor da videoconferência, que traria maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, foram descartados pelo ministro. “Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante.”

O ministro Celso de Mello acompanhou o entendimento do relator. Para o decano do STF, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário. O ministro Eros Grau também seguiu o voto de Cezar Peluso. Gilmar Mendes afirmou, na ocasião, que só o fato de não haver lei que autorize videoconferência já revela a ilegalidade do procedimento.

Em julho de 2007, em decisão monocrática, a ministra Ellen Gracie entendeu que a videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Isso mostra que a matéria ainda não é pacífica na Corte.

No STJ

O Superior Tribunal de Justiça concedeu, pelo menos, duas decisões contra o interrogatório por videoconferência. Na decisão mais recente, a desembargadora convocada no STJ e relatora da matéria, Jane Silva, defendeu que é por meio do interrogatório com a presença física do juiz e do réu que poderão ser extraídas as minuciosas impressões necessárias para o julgamento do caso.

É também pessoalmente que se pode observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais, segundo ela. Jane Silva concluiu que o interrogatório deve ser feito sempre na presença do juiz e do réu para satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa, como prevê a Constituição Federal.

Na ocasião, a desembargadora afirmou que não se trata de desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no processo, como dizem os defensores do interrogatório online. Para Jane Silva, para a realização do interrogatório, não é possível preterir a presença de juiz e acusado frente a frente.

HC 92.590

Fonte: Conjur, de 17/06/2008