APESP

 
 

   




14/01

STF julga 'em bloco' e põe fim a milhares de processos

O Supremo Tribunal Federal (STF) fez uma alteração pontual em seu regimento interno e, com apenas três julgamentos, resolveu 10.316 processos judiciais no ano passado. O número representa 8,5% do total das ações que ingressaram no tribunal em 2007 e 6,8% de todos os processos julgados pelos ministros no ano. Os chamados julgamentos "em bloco" ou "múltiplos" permitem que o Supremo resolva de uma forma rápida os inúmeros processos repetitivos que chegam diariamente aos gabinetes dos ministros e que atravancam o bom funcionamento da corte. 

A Emenda Regimental nº 20, de 16 de outubro de 2006, prevê que o Supremo leve ao pleno uma série de processos idênticos - até então, em casos repetitivos a tradição era levar a julgamento no máximo três ou quatro processos idênticos, número que pode chegar a milhares com a nova regra. Durante o julgamento, há um limite total de apenas 30 minutos para que os advogados das partes façam a defesa - até a mudança no regimento, o advogado de cada uma das ações tinha disponíveis 15 minutos. 

Na estréia do novo sistema, em 9 de fevereiro, foram decididos de uma só tacada 4.845 processos sobre a disputa em torno do cálculo do valor da pensão por morte concedida pelo INSS. Outros dois casos que se beneficiaram do julgamento em bloco foram as disputas sobre a limitação dos juros de mora em ações de servidores contra a União e sobre a exigência de depósito prévio em recursos fiscais administrativos. 

O julgamento de ações em massa no Supremo, ainda que reconhecido como uma saída para o excesso de processos na corte, gera apreensão entre advogados diante do risco de jogar na vala comum casos com peculiaridades ou aspectos processuais próprios. Por outro lado, pode ter um impacto significativo se utilizado, por exemplo, em disputas tributárias como a do alargamento da base de cálculo da Cofins, julgado inconstitucional pelo Supremo em 2005. Como a decisão foi dada em um recurso extraordinário, só vale para a parte envolvida no processo julgado - e as demais empresas que questionam o tema na Justiça precisam aguardar o trânsito em julgado de suas ações no Supremo para reverter provisões dos balanços ou levantar depósitos judiciais. 

Fonte: Valor Econômico, de 14/01/2008

 


Advogados alertam para peculiaridades das ações

O julgamento em massa no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que reconhecido como uma saída para o excesso de processos na corte, gera apreensão entre advogados devido ao risco de se jogar na vala comum casos com peculiaridades ou aspectos processuais próprios. Um caso notório com este perfil é uma disputa bilionária da Braskem contra a Fazenda sobre o uso de créditos de matérias-primas tributadas à alíquota zero de IPI. Apesar de o pleno do Supremo já ter definido sua posição sobre o tema no início de 2007, a empresa mantém a disputa na primeira turma do tribunal alegando problemas no recurso apresentado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) - detalhe que pode render à empresa R$ 2 bilhões. 

Para o advogado Marco André Dunley Gomes, do escritório Andrade Advogados Associados, os processos têm peculiaridades no caso concreto e o julgamento em bloco pode passar por cima de situações diferentes. "É um dilema do Supremo: ele gostaria de julgar em massa, tendo em vista a quantidade de processos que recebe, mas tem que olhar caso a caso" diz. 

O advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, diz que o julgamento em bloco traz riscos quando o tema comporta argumentos específicos, mas nem sempre isso acontece. "A premissa do Supremo para fazer o julgamento em bloco é a de que a apreciação no pleno esgota todo o tema", diz. Recentemente, o Mattos Filho conseguiu que o pleno do Supremo admitisse reavaliar um processo sobre o aumento da alíquota de Cofins de 2% para 3% em 1999 - tema supostamente encerrado em um julgamento de novembro de 2005. Para o sócio do escritório, quando há algum problema do tipo, cabe ao advogado comprovar que seu argumento é diferente, e cabe à assessoria de cada ministro separar de forma adequada os processos para saber se os casos são realmente idênticos. "É necessário ler o processo, e não só o seu cadastro", diz. Em uma decisão monocrática comum, diz, em geral os assessores lêem os processos, mas nos julgamentos em bloco o risco de isto não acontecer é maior. 

Já o advogado Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto Advogados, acredita que o julgamento em bloco é apenas um aprofundamento da fórmula de julgamentos repetitivos já adotada em tribunais regionais federais (TRFs) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde que ela passou a ser adotada, a responsabilidade dos advogados aumentou. "É preciso ficar atento, acompanhar o que entra em pauta e recorrer quando necessário", diz. 

Em outras circunstâncias, o julgamento em bloco poderia ajudar os contribuintes nas disputas tributárias. Um exemplo disto é a disputa em torno do alargamento da base de cálculo da Cofins, declarada inconstitucional em novembro de 2005 pelo Supremo, mas que desde então está sendo decidida de forma monocrática nos gabinetes dos ministros. Enquanto isso, as empresas não podem liberar provisões de milhões de reais em seus balanços, já que precisam aguardar o trânsito em julgado de seu processo específico. 

Fonte: Valor Econômico, de 14/01/2008

 


Fiesp teme mudança tributária em SP

A mudança na forma de tributação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) que a Secretaria da Fazenda paulista prepara para alguns setores, na qual o imposto é recolhido na primeira etapa de fabricação do produto -isto é, pela indústria-, deve ser feita sem pressa, com prudência e muita responsabilidade, na opinião de Paulo Skaf, presidente da Fiesp e do Ciesp.

A partir de fevereiro, a Fazenda paulista decidiu alterar a forma de tributação de ICMS de quatro setores (bebidas alcoólicas, medicamentos, perfumaria e higiene pessoal). A cobrança do imposto será feita pelo sistema de substituição tributária, na qual o ICMS é cobrado no início da cadeia produtiva. A partir de março, outros nove setores passarão a ser tributados dessa forma (alimentos, ração animal, limpeza, fonográfico, material de construção, autopeças, pilhas e baterias, lâmpadas e papel).

"Não somos contra o sistema de substituição tributária. Mas é preciso estudar bem o valor que será tributado o produto e ter a certeza de que a indústria não vai sofrer concorrência desleal, já que a forma de tributação de ICMS será diferenciada da de outros Estados", diz Skaf.

O aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) não altera a previsão da indústria para este ano, segundo Skaf. Para ele, a indústria de transformação tem condições de crescer entre 5,3% e 5,5% em 2008.

O governo, porém, na sua avaliação, precisa colaborar. "Precisa gastar menos e bem, implementar as reformas estruturais, fazer fluir os investimentos, reduzir mais os juros e tornar a taxa de câmbio mais favorável às exportações. Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Paulo Skaf.   

FOLHA - Quais são as perspectivas para a indústria neste ano, considerando as medidas do governo para compensar o fim da CPMF?

PAULO SKAF - O ano de 2007 começou com a indústria extrativa indo muito bem e a de transformação rateando. No final do ano passado, a indústria de transformação se recuperou. Esperamos para 2007 um crescimento do PIB entre 5,2% e 5,3% e, para a indústria de transformação, de 5,5%. Para este ano, não haveria razões, até o momento, para acreditar que possa ser diferente. Ou seja, o país deve crescer uns 5% e a indústria poderá crescer em torno de 5,3% a 5,5%, em média. Alguns setores podem crescer mais, como o automobilístico, e outros, menos. E a indústria paulista estaria em linha com a indústria brasileira.

FOLHA - Os empresários sempre reclamam que é difícil crescer no país por conta das elevadas taxas de juros, dos altos impostos e da taxa de câmbio desfavorável às exportações. Mesmo assim, a indústria foi muito bem em 2007, o sr. não acha?

SKAF - Não é que os empresários reclamam. O fato é que o Brasil teve crescimento medíocre por 20 anos. E, para o país, é importante acelerar esse crescimento. E, se ele não ocorria, não era culpa dos empresários, das indústrias. Finalmente, quando todo mundo valoriza a necessidade de ter crescimento, o governo anuncia algumas surpresas, com medidas para compensar o fim da CPMF.

FOLHA - O sr., que liderou campanha contra a CPMF, já esperava aumento de tributos para compensá-la, como o que ocorreu com o IOF e a CSLL?

SKAF - Não. Conseguimos mostrar que não haveria necessidade de aumentar impostos com o fim da CPMF. A Constituição Federal já previa o fim da CPMF em 31 de dezembro de 2007. O governo, com certo atrevimento, colocou por conta dele no Orçamento de 2008, que enviou ao Congresso, a previsão de R$ 39 bilhões de CPMF. Só que isso já estava errado, já que não poderia prever algo que a Constituição já dizia que não iria existir. Diria que não havia a menor necessidade de criar imposto ou aumentar alíquota de IOF. Não precisaria de R$ 10 bilhões de aumento de impostos. Se o governo já reconhece que pode absorver R$ 30 bilhões, poderia então absorver também R$ 40 bilhões. Já era previsto para 2008 um aumento de arrecadação de R$ 80 bilhões. Com o fim da CPMF, que tirou R$ 40 bilhões de arrecadação, ainda teria R$ 40 bilhões a mais de arrecadação.

FOLHA - O sr. acha que essas medidas e outras que poderão vir podem reduzir o consumo e o crescimento da indústria neste ano?

SKAF - É um pouco cedo para falar sobre isso. De qualquer forma, é lógico que quando você onera o crédito, você inibe a compra a prazo. Ouvi dizer que as medidas foram tomadas para reduzir o consumo. Não acredito nisso. O objetivo foi arrecadar mais R$ 10 bilhões.

FOLHA - A Fazenda paulista quer mudar o sistema de tributação de alguns setores, como o de bebidas e o de medicamentos, para evitar a sonegação fiscal. O que a indústria paulista acha disso?

SKAF - Não somos contra a substituição tributária [tributação de ICMS no início da cadeia produtiva], mas existem duas preocupações. A primeira é que o índice de valor agregado tem de ser calibrado. Por exemplo, se um setor tem um valor agregado de X e o Estado considera que é 3X, pode inviabilizar esse setor. A outra preocupação é que, como a mudança de tributação será feita só em São Paulo, se não houver forte fiscalização, as indústrias paulistas podem ter de enfrentar concorrência desleal de indústrias de fora do Estado que não recolheram todo o imposto da cadeia de uma vez. Qual a ferramenta eficiente que o governo vai oferecer para não expor a indústria paulista a uma competição desleal, uma vez que a tributação em São Paulo será diferente da de outros Estados?

FOLHA - As indústrias dos setores [bebidas, medicamentos, perfumaria e higiene pessoal] que terão mudança na tributação em fevereiro já estão preparadas para recolhimento do imposto da cadeia?

SKAF - Já havia discussão com esses quatro setores há alguns meses. Agora, recomendo que, no caso de outros setores, o governo não deva ter pressa para implantar a nova forma de tributação. Já combinamos com o governo que vamos ter um fórum permanente de discussão na Fiesp sobre isso. O sistema pode ser implantado, mas com prudência e responsabilidade.

Não existe necessidade de ser estabelecido com tanta pressa.

FOLHA - Com o fim da CPMF, o governo adiou planos para a nova política industrial prevista para este ano. O que acha disso?

SKAF - Ainda bem que foi adiada. Deixa eu explicar. O que quero dizer é que política industrial não deve ser feita a portas fechadas por um governo, deve ser feita com a indústria. E não houve discussão com a indústria para elaborar uma política industrial, que tem de ter o envolvimento das áreas tecnológica e de educação. Você não tem desenvolvimento industrial se não tiver formação profissional. Uma política industrial tem de ser para o país, não para a Fiesp.

FOLHA - Quais são os desafios para o setor industrial neste ano?

SKAF - O país precisa fazer as reformas estruturais, as reformas tributária e trabalhista, e fazer os investimentos em infra-estrutura fluírem. Olha o grande problema que temos nos aeroportos. O Brasil precisa se modernizar, se desburocratizar. O governo precisa cuidar dos seus gastos, fazer o máximo com o mínimo possível.

Chegamos à conclusão, depois de elaborar várias propostas, que o governo precisa primeiro cortar a receita, que vai obrigar ao corte de gastos. Agora isso tem de ser feito com responsabilidade. Os juros no país também estão entre os mais altos do mundo e podem cair ainda mais. O fim da CPMF já possibilitaria uma redução dos juros para manter a taxa efetiva. Se o governo mantiver a taxa na próxima reunião do Copom, significa que aumentou a taxa.

FOLHA - O sr. tem aspiração política?

SKAF - O dia em que sair da Fiesp pode ser que eu vá para o meio empresarial, não sei, mas não penso nisso hoje. Agora, o futuro não sabemos, vamos deixar para o destino.

Fonte: Folha de S. Paulo, de 14/01/2008

 


Fazenda de SP diz que não vai rever as novas regras para o ICMS

Depois do adiamento da implantação da substituição tributária para 1º de fevereiro, os setores de medicamentos, perfumaria, higiene pessoal e bebidas alcoólicas começam as reuniões com a secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para definir margens e tentar chegar a um consenso sobre alguns detalhes. Procurada, a Fazenda diz que, além das margens, não deve haver alterações substanciais nas regras já divulgadas. 

"Estamos trabalhando alguns ajustes finos", diz Hélcio Honda, assessor jurídico da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). A e entidade tem discutido por parte de alguns segmentos a implantação da nova sistemática de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) junto à Fazenda paulista. Segundo Honda, entre os detalhes estão o cálculo da aplicação da substituição tributária nos estoques, nas compras de outros Estados e também no prazo de recolhimento do imposto. "A Fazenda quer o pagamento do no terceiro dia do mês subseqüente à operação. As empresas querem 60 dias", diz. 

Outra preocupação de alguns segmentos é em relação ao prazo de 1º de fevereiro. As entidades que reúnem as indústrias ficaram de apresentar as pesquisas para a definição da margens que deverão ser levadas em consideração para o pagamento do ICMS por substituição tributária. Em alguns setores, porém, diz Honda, as pesquisas ainda não ficaram prontas e não se sabe se haverá tempo de discussão sobre as margens entre a Fazenda e as empresas até 1º de fevereiro. 

Em nota enviada ao jornal, porém, a Fazenda do Estado de São Paulo mantém a data prevista de 1º de fevereiro para a implantação da substituição tributária, "sem perspectivas de alterações". 

Quanto ao tratamento dos estoques, diz a Fazenda, há previsão para a publicação de decreto disciplinando a matéria. "Em síntese, em que pese as diversas solicitações dos setores econômicos envolvidos, não haverá, a princípio, alterações substanciais nas regras já veiculadas", diz a nota. A Fazenda, porém, diz que espera as pesquisas de preços dos setores para definir novas margens. 

A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) encomendou estudo à Fipe e pretende apresentá-lo ao governo entre os dias 20 e 22. O levantamento para a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) está sendo feito pela FGV e deve ficar pronto na próxima semana. Os dois setores pretendem provar que as margens de valor agregado definidas pela Fazenda - 128% no caso dos vinhos e 125,54% em higiene e cosméticos - não condizem com a realidade. 

Segundo Fabrízio Fasano, presidente da Abrabe, a maioria dos importadores de vinho vende diretamente ao consumidor ou trabalha com distribuidores, cuja margem oscila entre 30% e 35%. "Se essa margem for mantida, o setor pára de vender", diz. "Não somos contra a substituição tributária, mas o que está acontecendo é um aumento de impostos." Segundo Fasano, os restaurantes e casas noturnas, que têm realmente margens bem mais altas, não poderiam entrar nessa conta, porque o modelo de pagamento de ICMS é diferenciado: não há crédito e pagam 3,2% sobre o faturamento. Na sua opinião, o Estado do Rio de Janeiro - que deve aplicar margem máxima de 50% - está sendo mais coerente. "Ainda é alta, mas mostra que eles estão estudando o setor antes de implantar a substituição." 

A Abihpec fez uma simulação com cinco empresas, de pequeno e médio porte. Aplicaram a margem proposta sobre os meses de outubro, novembro e dezembro de 2007 e chegaram a um aumento da carga tributária de 67,84% no setor de higiene e 80,31% em cosméticos. "Tiraram essa margem da cartola, ela pressupõe que a sonegação do comércio é enorme", afirma João Carlos Basílio da Silva, presidente da Abihpec. 

A substituição tributária já é aplicada em outros setores no Estado, como combustíveis, automóveis e cerveja, por exemplo. Nesse sistema, o ICMS é antecipado pela indústria, que recolhe o imposto devido nas etapas seguintes, até a venda ao consumidor final. Para viabilizar esse recolhimento antecipado, os Estados estabelecem as margens estimadas que devem ser acrescidas ao preço da indústria para o cálculo do ICMS. 

Assim que estabeleceu as margens que entrariam em vigor a partir de 1º de fevereiro para os setores de medicamentos, higiene pessoal, perfumaria e bebidas alcoólicas, houve reação de alguns segmentos que se queixaram de margens muito altas. A Fazenda paulista, porém, publicou novo decreto postergando a aplicação da substituição nos quatro setores a partir de 1º de fevereiro. 

Fonte: Valor Econômico, de 14/01/2008

 


13/01

1 ano depois, sobreviventes lembram tragédia do metrô

São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 2007.

O manobrista Israel Domiciano, 26, deixava mais cedo o trabalho por causa de um compromisso que protelava havia anos: voltar à cadeira do dentista. Ele seguia pela rua Capri sem perceber a presença do promotor de vendas Sebastião Alves Feitosa Filho, 26, que caminhava de mão dada com a mulher, Kátia Priscila Nogueira, 20, feliz com a nova assinatura na carteira de trabalho.

Separado da rua por um tapume do Consórcio Via Amarela, o motorista José Arimatéia da Silva, 52, trabalhava com o caminhão nas obras da linha 4-Amarela do Metrô, em Pinheiros (zona oeste). Esperava acabar seu turno.

Nenhum dos quatro se conhecia, mas suas histórias se convergiram às 14h54min06 daquele dia, quando uma cratera se abriu e engoliu veículos e pessoas. Sete pessoas morreram. Essas quatro conseguiram escapar, mas por pouco.

Segundos

Mesmo dirigindo os carros dos funcionários da Editora Abril o dia todo, Domiciano iria para o dentista de lotação. Quando chegou à rua Capri, viu o veículo que pretendia tomar subindo pela rua. "Assoviei, gritei, mas o motorista não ouviu. Corri atrás, mas ele não parou." O guindaste girando, ameaçando cair, roubou-lhe a atenção. "Foi Deus. Se ele pára, ou eles tinham se salvado, ou eu teria caído com eles no buraco. Foi questão de segundos."

Segundos também foi o tempo levado pelo casal Sebastião e Kátia para ultrapassar a aposentada Abigail Rossi de Azevedo, 75, que também seguia pela rua Capri. "Ela estava na nossa frente e, como andava bem devagar, passamos por ela. Saímos da calçada e fomos pelo cantinho da rua", afirmou ele.

Era a primeira vez que o casal, morador de Barueri, visitava a região. Como a sede da empresa fica na rua dos Pinheiros, 870, não havia outra opção para pegar o trem. "Não escutei barulho nenhum. Só o chão tremer e aquela fumaça. Só percebemos que era algo grave quando vimos os funcionários da obra pulando o tapume. Nós corremos também", afirmou.

O colega que daria carona ao motorista José Arimatéia era Francisco Sabino Torres, 47, o Barnabé. Ambos estavam do lado de fora de seus caminhões esperando ordem superior para voltar ao trabalho. A suspensão ocorreu quando surgiu a suspeita de desabamento. "Ele estava uns cinco metros na minha frente. Eu não estava perto do buraco: eu caí no buraco."

José Arimatéia conseguiu escapar e pensou que o colega teria a mesma sorte. Barnabé havia ido de carro naquele dia porque iria trocar seu Corsa por um Celta e não queria entregar o carro com o tanque cheio. O carro voltou para Francisco Morato num guincho, já que as chaves estavam na pochete dele.

Nova chance

Para o manobrista, evangélico, Deus lhe deu uma nova chance. "Naquele dia, dez minutos antes, um colega, também evangélico, me disse: estou sentindo uma coisa estranha. Eu orei e pedi a Deus que não acontecesse nada de ruim para mim", disse ele.

A maior preocupação de Domiciano não era, segundo ele, sua própria vida. Além de ter dois filhos, sua mulher estava grávida -assim como a mulher do cobrador da van, Wescley Adriano da Silva, 22. "Meu filho tem praticamente a mesma idade do filho dele. Isso foi o que mais me marcou."

O vendedor Sebastião, também evangélico, diz considerar-se agraciado. "Tudo isso foi muito bom porque reuniu ainda mais a família. Eu estava um pouco afastado, agora voltei para a igreja", afirmou.

Liliane Cruz Pereira, 32, conta que o marido, José Arimatéia, nunca conseguiu mais voltar ao trabalho. Desenvolveu síndrome do pânico. "Às vezes ele corre pela casa gritando que não pode dormir porque a terra vai engoli-lo, que vai morrer soterrado", disse.

Perdeu um filho de 15 anos cinco meses após o acidente. Com problema no coração e afastado da empresa, passou a receber pelo INSS. "Agora, deram alta para ele, mesmo ele estando doente", afirma ela.

Sem condições de trabalhar e sem o INSS para ajudar, a família vive das faxinas que a mulher faz e do dinheiro que parentes enviam. "O consórcio só paga o medicamento e as consultas no psiquiatra. Não ajudam em mais nada", disse ela.

Fonte: Folha de S. Paulo, de 13/01/2008

 


Para moradores, acordos são "ridículos"

A falta de amparo por parte do governo estadual e propostas de acordos consideradas "ridículas" são as principais reclamações dos parentes das vítimas e moradores ouvidos pela reportagem da Folha, um ano após a tragédia nas obras da estação Pinheiros do metrô.

"A nossa família continua toda desamparada. Cadê o Serra agora? Não recebemos um telefonema sequer", afirma, em tom indignado, Marli Aparecida Leite, 40, irmã do motorista da van morto no acidente.

Ela diz que o Consórcio Linha Amarela "praticamente forçou um acordo", aproveitando-se da fragilidade da família. "Do dinheiro que a minha mãe recebeu de indenização [Marli revela que foram R$ 70 mil], só conseguimos dar entrada em uma van. E a gente nem conseguiu transferir o documento ainda."

O representante do Consórcio Via Amarela, Renato Miranda, diz que o seguro da obra (estimado em R$ 1,2 bilhão) garantiu o pagamento das indenizações em menos de 90 dias. Segundo ele, os parentes das vítimas fatais teriam recebido um valor muito maior que o apontado pela irmã do motorista. "Uma indenização por vida [sic] custa de R$ 60 mil a R$ 120 mil. As pessoas, nesse caso, receberam pelo valor máximo", disse, sem detalhar valores.

O comerciante Silvio Azevedo, 46, no entanto, nega ter recebido o valor da indenização que o consórcio aponta. Ele, que perdeu a mãe no desastre, disse que a família nunca pediu dinheiro ao consórcio. "Posso dizer que [o valor da indenização] chegou muito longe disso [R$ 120 mil]. Pagaram muito abaixo desse valor."

O Consórcio Linha Amarela garante que 98% das vítimas já fizeram acordo sem a necessidade de ir à Justiça. Das 212 pessoas desabrigadas, apenas uma família continua em hotel.

No total, 55 imóveis tiveram de ser interditados por causa da cratera. Dez acabaram sendo condenados e outros três foram demolidos. Desde então, muito mato cresceu, as ruas da região ficaram ainda mais esburacadas -principalmente por causa do vaivém de caminhões pesados- e o comércio ficou às moscas. Só um escritório de contabilidade e o sobrado de um casal de aposentados recebem a visita do carteiro.

Além deles, a família da aposentada Itália de Sousa Pereira, 58, também tem feito parte do cenário desolador -mais necessidade do que insistência.

"No dia do acordo, quem não assinasse teria a diária do hotel cortada. Eles nos deram até o meio-dia [do dia 18 de julho] para sair. Eu quase chorei. Fiquei na recepção durante cinco horas para tentar resolver a dívida de R$ 400 que o hotel jogou na minha mão dizendo que a gente tinha extrapolado o horário", lembra Maysa de Sousa Pereira, 25, filha da aposentada, que diz ter recebido uma indenização de R$ 4.000 do Consórcio Linha Amarela, mas que o dinheiro ficou na mão do proprietário do imóvel, alugado há 11 anos. Ela se diz insatisfeita com a indenização. Agora, voltou a ocupar o sobrado na rua Gilberto Sabino com o irmão, os dois filhos, o marido, o padrasto e a mãe.

Reuniões

Em nota, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania informou que o secretário Luiz Antonio Marrey, por determinação do governador José Serra, participou de cinco reuniões com moradores e vítimas. O balanço divulgado pela secretaria aponta que 118 acordos foram assinados e 237 pessoas foram beneficiadas.

Fonte: Folha de S. Paulo, de 13/01/2008

 


Taxa judiciária é saída para falta de recursos da Justiça

O desembargador Nelson Calandra defende a magistratura não apenas como um dever de ofício de quem preside a maior entidade de magistrados do país, mas como um ato de fé na carreira que abraçou há 26 anos. Ele compara o trabalho do juiz com o do padeiro que tem a obrigação de fazer o pão de cada dia de sua clientela. “Nosso dever é colocar na mesa de cada cidadão o resultado do nosso trabalho que é distribuir justiça”, diz ele com a certeza de que fala de um sonho possível.

Com experiência de militância em entidades da magistratura, o desembargador encara seu trabalho como se fosse o de um líder de infantaria num campo de batalha. Na sua opinião, hoje o juiz é um escravo moderno, cobrado a cumprir metas e obrigado a proferir a cada mês cerca de 160 sentenças.

Calandra acredita que a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) deve se fortalecer como braço político do Tribunal de Justiça. Ele defende uma parceria entre a entidade e a instituição, na qual o TJ cumpre o papel de administrar a Justiça paulista, enquanto a Apamagis o de pavimentar o terreno para a execução dos planos administrativos.

Como um otimista incorrigível, o novo presidente da Apamagis tem fé de que os problemas do Judiciário paulista estão perto do fim. As fraquezas do Judiciário não são derivadas da falta de talento, acredita, mas da ausência de recursos. “Se alcançarmos os recursos adequados, com certeza nós venceremos as dificuldades porque o Judiciário é formado por excelentes magistrados e servidores”, afirmou Calandra, em entrevista à revista Consutor Jurídico.

A solução estaria em sensibilizar o Executivo e o Legislativo a investirem na Justiça. O instrumento para tirar o Judiciário da penúria pecuniária seria a criação de um fundo próprio para cobrir as despesas do Tribunal de Justiça. Esse fundo seria constituído por três fontes oficiais de recursos: custas processuais, emolumentos e taxas judiciais.

Cada uma dessas receitas tem uma finalidade diferente. A taxa judicial é responsável pela despesa do Poder Judiciário, ou seja, pela remuneração dos gastos oriundos da prestação jurisdicional. As custas são cobradas para cobrir o custo dos atos processuais. Os emolumentos são destinados ao custeio das atividades extrajudiciais. É pago quando o cidadão lavra uma escritura ou registra um imóvel.

Calandra se mira no exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pioneiro na criação de um fundo próprio para cobrir suas despesas. A medida, prevista na Reforma do Judiciário, seria a receita para garantir a independência financeira do Judiciário paulista, acredita Calandra.

Henrique Nelson Calandra, de 62 anos, nasceu em Itaquaquecetuba (extremo leste da Grande São Paulo). Formou-se em 1974 pela PUC de São Paulo. Ingressou na magistratura em 1981 e assumiu como juiz substituto na comarca de Pirassununga. Passou pelos três tribunais de alçada, extintos depois da emenda da Reforma do Judiciário. Chegou ao Tribunal de Justiça em janeiro de 2005.

Leia a entrevista

ConJur — São Paulo tem solução?

Nelson Calandra — São Paulo tem solução. Eu acho que São Paulo tem solução porque os nossos problemas não são derivados de falta de talento, são derivados de falta de recursos. Se nós tivermos os recursos adequados, com certeza venceremos as dificuldades porque temos excelentes magistrados, excelentes servidores. Se o Poder Executivo e o Poder Legislativo resolverem investir em justiça, São Paulo continuará tendo o primeiro lugar como Judiciário pioneiro em todo o Brasil.

ConJur — E como se resolve o problema da falta de recursos?

Nelson Calandra — O Poder Judiciário brasileiro é, pela sua dinâmica, sua organização, o único dos poderes do Estado que reúne condições de ser auto-sustentável, na medida em que existe uma taxa judiciária. Se ela for recolhida, o Judiciário não precisa pedir nada a ninguém, porque ele próprio arrecadará o suficiente para a sua manutenção. A taxa judiciária mede o trabalho que dá o processo, ou deveria medir esse trabalho. O problema é que há isenções tributárias a favor das municipalidades e o Judiciário não arrecada por sua intervenção em diversas áreas, como por exemplo, na questão de crimes ambientais.

ConJur — E o que falta para a cobrança da taxa judiciária?

Nelson Calandra — Precisa de uma reforma legislativa. Nós apresentamos junto à Assembléia um esboço de anteprojeto de lei que visa conceder as taxas para o próprio Judiciário. O Poder Judiciário do Rio de Janeiro hoje é o que está mais em dia em todo o Brasil. É aquele que tem dinheiro para emprestar para o Executivo em razão do modo como gerencia a taxa judiciária. Há muitos anos defendemos essa tese de independência financeira para o Poder Judiciário. O desembargador Thiago Ribas Filho, quando foi eleito presidente do TJ do Rio, fez duas coisas: unificou os Tribunais antes da Emenda 45, muito antes, e dotou o Rio da taxa judiciária.

ConJur — São Paulo já tem um projeto de lei sobre a matéria?

Nelson Calandra — Nós elaboramos um projeto na Frente Parlamentar pela Independência do Poder Judiciário. Cabe agora ao deputado Rodolfo Costa e Silva apresentar o projeto e tocar em frente. A modificação legislativa pode dar ao Tribunal de São Paulo a ferramenta necessária para que ele tenha independência financeira e pague o que deve aos seus servidores. Não se justifica um Tribunal de Justiça cometer a injustiça de dever a magistrados e servidores por salários de tempo antigo. Há dívidas que remontam a oito anos por diferenças e descompassos com o Poder Executivo. Precisamos resgatar essa dívida e modernizar a estrutura administrativa e operacional.

ConJur — As deficiências da estrutura física são muito graves?

Nelson Calandra — A situação é precária. Você anda pelo estado e encontra inúmeros prédios completamente defasados. Temos que olhar para o nosso público, entender melhor as partes que vão ao Tribunal, ter instalações adequadas. Como é que você recebe testemunha para depor no processo criminal, todo mundo misturado. Às vezes o acusado senta ao lado da testemunha no corredor de fórum, em um banco de madeira, sem o menor conforto, sem a menor assistência. E disso tudo resulta que a Justiça Penal muitas vezes exerce um papel menor. Talvez se a Justiça Penal fosse mais eficaz, se houvesse proteção das nossas testemunhas, se tratássemos melhor a nossa clientela, talvez o retrato da sociedade seria diferente. Talvez teria menos gente no presídio, porque a pena tem que exercer um caráter intimidativo. Então, quando muita coisa prescreve, muita coisa não é punida, fica aquele sentimento de impunidade, de descrédito.

ConJur — A Apamagis e o Tribunal de Justiça estão sob nova direção que assume num momento de crise da Justiça de São Paulo. Qual é o papel da Apamagis nesse contexto?

Nelson Calandra — A Apamagis completará 55 anos de existência. Toda a sua vida foi pautada por uma luta para que o Poder Judiciário seja cada vez mais independente. Ela deve atuar como braço político do Tribunal de Justiça e cabe à entidade estar na frente de combate, defendendo propostas que dêem ao Tribunal os instrumentos necessários para que ele possa distribuir Justiça de modo rápido, transparente e eficiente. Nós tivemos situações bastante complicadas no passado. Apesar do esforço feito nas administrações dos presidentes Luiz Tâmbara e Celso Limongi, o quadro pode ser comparado a uma gota d’água em um oceano de dificuldades. Mas vamos vencer essas dificuldades e apresentar um serviço judiciário que seja modelar para São Paulo e para o país.

ConJur — A Apamagis deixa, assim, de ser apenas uma representação sindical e corporativa para se transformar no braço político do Tribunal. É isso?

Nelson Calandra — Na verdade, uma entidade de classe como a Apamagis trabalha em duas vertentes: o lado corporativo e o lado político-administrativo. O primeiro não pode ser esquecido, porque os magistrados e magistradas são de carne e osso, têm suas necessidades elementares que precisam ser atendidas. Há muitos espaços em que ocorre um desencontro entre planos administrativos traçados pelo Tribunal e aquilo que vai nortear as ações em primeiro grau. Uma coisa é você fazer um plano de trabalho maravilhoso desenvolvido por uma entidade de administração como a Fundação Getúlio Vargas, e outra coisa é você ter uma base concreta onde esses planos serão aplicados, onde o juiz tem dificuldade com falta de servidores, falta de recursos materiais. Então nós precisamos olhar para isso também. Nós temos que ver a situação daqueles que constituem a infantaria dentro do Judiciário, aqueles que estão realmente no campo de batalha.

ConJur — Mas deixar para trás o trabalho da FGV não é um retrocesso?

Nelson Calandra — A Fundação Getúlio Vargas tem expertise de matéria administrativa, não precisamente em relação à administração pública. Foi positiva a experiência na iniciativa privada para dar um choque de modernidade, de práticas inovadoras. Mas, muitas vezes quem desenha essas práticas inovadoras não considera as dificuldades que nós temos. Nós magistrados enfrentamos dificuldade de nos adaptar a determinadas práticas, porque estamos acostumados a viver em um mundo de papel, e hoje o mundo não é mais de papel. O mundo de trabalho, o mundo operacional da magistratura transita dentro da informática, com recursos que até então eram desconhecidos. Eu olho para o Poder Judiciário cartorial cheio de papéis e carimbos e eu vejo que esse sistema está no fim. Isto acabou. Daqui para frente nós teremos um Judiciário informatizado, onde os processos vão transitar por meio eletrônico e o juiz terá que ter uma velocidade muito maior de decisão. A modernidade reclama, primeiro, instrumentos eletrônicos de decisão, efetividade da norma jurídica. O único contrato que o povo brasileiro não pode rescindir é a Constituição Federal. Então nós temos que aprender a respeitar a Constituição, a respeitar as leis, a tratar as causas com grande objetividade. O brasileiro tem mania de querer dar jeito para tudo. Tem coisas que não tem jeito, o jeito é cumprir a lei.

ConJur — Como é que fica o juiz? A gente sabe que se no Tribunal existem todos esses problemas, na primeira instância eles podem ser ainda maiores.

Nelson Calandra — Eu costumo dizer que a aplicação da jurisdição penal requer mais do que qualquer coisa um gesto de heroísmo por parte dos juízes e juízas. As condições materiais são péssimas, nós temos funcionários devotados, mas nos falta aquele suporte necessário, base física correta, local para trabalhar. Nós fizemos a opção pelo Juizado Especial, mas nos falta estrutura. O juiz trabalhava na sua Vara durante o dia, à noite fazia Juizado, e uma vez por semana colégio recursal. Então o juiz ficava extremamente sobrecarregado. Agora criamos os cargos do Juizado Especial, criamos cargo de auxiliar, mas, com todos os cargos criados, ainda assim é insuficiente pelo volume de trabalho que nós temos.

ConJur — Por quê?

Nelson Calandra — Porque o modo como se trabalha, o volume de papel que nós manuseamos e tudo isso faz com que o processo demore. Então o juiz trabalha no limite da suas forças. É um volume de trabalho desumano. Raro é o magistrado que, pela carga de trabalho que tem, não seja obrigado a trabalhar aos sábados e domingos. Você tem uma estatística para cumprir, você tem metas. Hoje um magistrado não pode dar menos de 120, 160 sentenças de mérito não repetitivas por mês. Em um tribunal nós andamos também mais ou menos com a mesma meta, com um diferencial, que nós temos ainda votos de revisão e votos de terceiro juiz. Portanto os nossos 120 são 120 vezes três, que você tem que estar lendo o que o outro vai decidir, ouvir, pedir vista, falar e votar.

ConJur — O senhor acha que precisaria de uma administração profissional no Tribunal?

Nelson Calandra — Eu conheço bem esse assunto, porque militei na União Internacional de Magistrados e conheci a experiência de diversos países. No meu ponto de vista, nós não podemos separar a alta administração da decisão. Eu me lembro que na Venezuela havia pena de morte e o presidente da Suprema Corte dizia assim: “Eu posso condenar o réu à morte, mas não posso comprar café para servir para você, porque eu tenho que pedir para o Conselho Superior da Magistratura que é quem administra as contas autorização para comprar um quilo de café”.

ConJur — Mas não é justamente por isso que deveria haver juízes para julgar e administradores para administrar o Tribunal?

Nelson Calan dra — A administração superior tem que ser exercida de fato pelo Tribunal, com o concurso de técnicos especializados. Administrar é mais uma parcela do poder. Tem muito juiz que diz que o juiz não sabe administrar. Mas quando ocupa a presidência do Tribunal, o juiz não pode se restringir exclusivamente à função de julgar. Senão ele dá margem para que se crie um poder paralelo onde aquilo que é preconcebido para ser um poder do Estado acaba subjugado por aqueles que vão exercer a administração. A administração é instrumento para o exercício do poder. As deliberações têm que partir daqueles que têm a incumbência de exercer o poder. Os que foram encarregados pelo Estado de exercer o poder não podem delegar deliberações em matéria de administração de forma plena para pessoas que não são magistrados.

ConJur — Em outras palavras, o senhor não abre mão do poder pleno do magistrado administrar.

Nelson Calandra — Pleno. Porque nós somos responsáveis. Se amanhã alguma coisa sair errado, o presidente do Tribunal é quem responde com a sua própria liberdade, com seu próprio nome. Então, na medida em que ele delega as coisas e vai espraiando essa delegação e deixa de exercer o controle político dessa atividade de administrar, ele acaba extremamente fragilizado e provoca fissuras em um poder de Estado que deve ser exercido com autonomia, com independência.

ConJur — O que é a Apamagis?

Nelson Calandra — A Associação Paulista de Magistrados é uma entidade que procurou ao longo dos anos se firmar como entidade de classe, sem descuidar da parte assistencial aos magistrados e aos seus familiares. Nós temos hoje 2.800 associados aproximadamente.

ConJur — Num universo de quantos magistrados do estado?

Nelson Calandra — De cerca de três mil, se contar ativos e inativos. Nós temos mais de duzentos magistrados fora da Apamagis. Na última gestão, batemos todos os recordes de adesão quanto aos juízes novos, mais de 90 % dos novos juízes ingressaram na entidade. Hoje a Apamagis tem um patrimônio de mais de R$ 40 milhões. Tudo isso foi construído ao longo dos anos, o que dá a ela lastro financeiro para as suas operações.

ConJur — Em termos institucionais o que incomoda hoje a magistratura?

Nelson Calandra — Uma coisa que incomodou, por exemplo, foi a tentativa de construção de um Código de Ética para juízes. Porque essa atividade tem que vir através do Estatuto da Magistratura pelo Supremo Tribunal Federal. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, e não ao CNJ, dispor sobre o Estatuto da Magistratura. Há coisas que acabam vindo através de uma atividade do CNJ, que de algum modo, extravasa a sua competência constitucional e invade a competência do Supremo Tribunal Federal. Os magistrados às vezes se sentem incomodados com essa intervenção, porque, por qualquer banalidade as pessoas recorrem ao CNJ. A prova é que São Paulo é campeão de reclamações junto ao Conselho, porque se difundiu entre todos a cultura de que qualquer insatisfação com o Judiciário tem que ser revista pelo CNJ, quando este tem uma atividade de controle administrativo e não uma atividade jurisdicional.

ConJur — Ou seja, o CNJ estaria usurpando o papel da Corregedoria?

Nelson Calandra — De algum modo sim. O que deveria ir ao CNJ é aquilo que fica sem resposta ao nível de Corregedoria. Diante de qualquer situação banal, a pessoa vai ao CNJ e toca o juiz responder à Corregedoria para o CNJ. E nós já temos uma carga monstruosa de trabalho. Cada um de nós escreve por mês o equivalente a um livro de 700 páginas, na média. E além de tudo isso, ainda ter que prestar informações ao CNJ, à Corregedoria Geral de Justiça, muitas vezes a políticos, porque as pessoas também vão reclamar nas Assembléias, nas Câmaras Federais, para cá para lá. A gente também recebe ofícios pedindo esclarecimentos. Nós nunca deixamos de esclarecer. Mas à custa de uma sobrecarga imensa de trabalho. E gastando recursos que deveriam ser destinados a melhorar o próprio processo.

Fonte: Conjur, de 13/01/2008

 


A Justiça e a crise prisional

Uma decisão singular de um juiz da Vara de Execuções Criminais de Tupã, pequena cidade do oeste do Estado, a 534 quilômetros da capital, impondo critérios bastante rígidos para que os estabelecimentos penais da região possam receber novos presos, confirma a dramática dimensão da crise do sistema prisional do Estado de São Paulo e do País. Proferida no dia 4 de janeiro, a sentença vale para as Penitenciárias de Lucélia, Pacaembu e Junqueirópolis e para o Centro de Progressão Penitenciária de Pacaembu.

Nela o juiz determina que a partir de agora esses quatro estabelecimentos penais não mais poderão receber presos que não morem na região da Alta Paulista. Segundo o juiz Gerdinaldo Quichaba Costa, essas penitenciárias somente poderão acolher presos que residam num raio de 200 quilômetros. Com essa decisão o juiz proíbe as quatro penitenciárias, já superlotadas, de receberem presos acima de sua capacidade de lotação.

E, reconhecendo a impossibilidade de se cumprir imediatamente sua decisão, acrescenta na sentença que "todos os cidadãos-presos que excederem o limite, mas que já se encontram na unidade prisional, poderão permanecer nela, até que, paulatinamente, se alcance o limite. Depois disso, as celas só poderão exceder a capacidade em 8%". As quatro unidades penais têm cerca de 3,1 mil vagas, mas abrigam mais de 5,5 mil presos. "Os presos são jogados dentro das celas como objetos", diz o juiz Gerdinaldo Costa na sentença, após descrever as condições degradantes a que são submetidos.

Segundo ele, as medidas que tomou são previstas pela Lei de Execução Penal e têm por objetivo acabar com a violação dos direitos humanos da população carcerária e "abrir o debate sobre a regionalização dos presídios". Costa alega que muitos presos das penitenciárias da região da Alta Paulista são de famílias pobres da Grande São Paulo, que não dispõem de condições financeiras para visitá-los semanalmente, o que prejudica os trabalhos de reeducação e de ressocialização. "É uma viagem de até 9 horas, que custa caro e a família - companheira, esposa, pais, filhos e irmãos - não pode bancar. Isso gera a crueldade da pena, na medida em que o cidadão-preso fica (...) concretamente impedido de receber a visitação com a freqüência devida. Essa distância acaba gerando uma pena de banimento", acrescenta o juiz Gerdinaldo Costa em seu despacho.

Sua sentença foi elogiada pelo Ministério Público Estadual, pela Defensoria Pública do Estado e pelo conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Contudo, como era de esperar, o governo estadual anunciou que irá recorrer ao Tribunal de Justiça, sob a alegação de que, se os estabelecimentos penais da Alta Paulista não puderem receber mais presos enquanto não forem construídas novas unidades prisionais na região, os juízes das varas de Execuções das cidades que a integram não poderão julgar réus acusados de crimes violentos, como homicídio, latrocínio, seqüestro ou estupro.

Além disso, há no governo quem reclame de excesso de rigidez do juiz da Vara de Execuções de Tupã. Segundo as autoridades carcerárias, se por um lado a obrigatoriedade de colocar presos em penitenciárias nas regiões em que vivem ajuda o trabalho de reeducação e ressocialização, por outro impede a Secretaria de Administração Penitenciária de distribuir os integrantes de uma quadrilha pelos diversos estabelecimentos penais, seja para evitar que continuem comandando seus "negócios" a partir das celas, seja para coibir a formação de facções criminosas. Uma das estratégias para desarticular o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi colocar seus líderes em diferentes prisões distantes de suas áreas de atuação.

Com um déficit de mais de 40 mil vagas e várias unidades comportando o triplo de sua capacidade de lotação, a já dramática crise do sistema prisional estadual se agrava todos os dias. O governo já anunciou planos para a construção de novas prisões, mas a construção leva tempo e a magistratura alega, com razão, que não tem para onde mandar os réus que condena. O mérito da sentença do juiz de Tupã, que dificilmente será confirmada em instância superior, é o de refrescar a memória do governo estadual sobre a urgência de uma solução para o problema.

Fonte: Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 13/01/2008

 


12/01/2008

LEI Nº 12.799, DE 11 DE JANEIRO DE 2008

Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de órgãos e entidades estaduais - CADIN ESTADUAL, e dá outras providências O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:

Artigo 1º - Fica criado o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de órgãos e entidades estaduais - CADIN ESTADUAL, nos termos desta lei.

Parágrafo único - O CADIN ESTADUAL visa criar um cadastro único, possibilitando à Administração acompanhar o beneficiário de crédito do setor público que se encontra na situação simultânea de favorecido e inadimplente.

Artigo 2º - O CADIN ESTADUAL conterá relação das pessoas físicas e jurídicas que:

I - sejam responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, em relação a órgãos e entidades da Administração direta e indireta, incluídas as empresas controladas pelo Estado;

II - não tenham prestado contas exigíveis em razão de disposição legal, cláusula de convênio, acordo ou contrato, ou que as tenham tido como rejeitadas.

Artigo 3º - A inclusão no CADIN ESTADUAL far-seá 75 (setenta e cinco) dias após comunicação expressa ao devedor da existência do débito passível de registro, pelas seguintes autoridades:

I - Secretário de Estado, no caso de inadimplência diretamente relacionada à Pasta;

II - Dirigente máximo, no caso de inadimplência relacionada à respectiva autarquia ou fundação;

III - Diretor Presidente, no caso de inadimplência relacionada à respectiva empresa.

§ 1º - A atribuição prevista no “caput” deste artigo poderá ser delegada a servidor ou empregado que mantenha vínculo com a Secretaria, autarquia, fundação ou empresa, mediante ato publicado no Diário Oficial do Estado.

§ 2º - A comunicação ao devedor será feita por via postal ou telegráfica, no endereço indicado no instrumento que deu origem ao débito, considerando-se entregue 15 (quinze) dias após a data da expedição.

§ 3º - Comprovada a regularização da pendência que deu causa à inclusão, o órgão ou entidade responsável pelo registro procederá, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, à respectiva baixa.

§ 4º - A inclusão no CADIN ESTADUAL, sem a expedição da comunicação de que trata o § 2º, ou a falta de baixa do registro, nas condições e no prazo previstos no § 3º, sujeitará o responsável às penalidades previstas na legislação vigente.

§ 5º - Vetado.

Artigo 4º - O CADIN ESTADUAL conterá as seguintes informações:

I - nome e número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ ou no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF do responsável pelas obrigações de que trata o artigo 2º desta lei;

II - data da inclusão;

III - nome e número de inscrição no CNPJ, endereço e telefone do credor ou do órgão responsável pela inclusão.

Artigo 5º - Os órgãos e entidades da Administração direta e indireta manterão registros detalhados das pendências incluídas no CADIN ESTADUAL, devendo facultar irrestrito exame pelos devedores aos próprios dados, nos termos do regulamento.

Artigo 6º - É obrigatória consulta prévia ao CADIN ESTADUAL, pelos órgãos e entidades da Administração direta e indireta, para:

I - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam o desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros;

II - repasses de valores de convênios ou pagamentos referentes a contratos;

III - concessão de auxílios e subvenções;

IV - concessão de incentivos fiscais e financeiros.

§ 1º - A existência de registro no CADIN ESTADUAL constituirá impedimento à realização dos atos a que se referem os incisos I a IV deste artigo.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica à concessão de auxílios a Municípios atingidos por calamidade pública reconhecida pelo Governo do Estado e às transferências voluntárias de que trata o § 3º do artigo 25 da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000.

Artigo 7º - A inexistência de registro no CADIN ESTADUAL não configura reconhecimento de regularidade de situação, nem dispensa a apresentação dos documentos exigidos em lei, decreto e demais atos normativos.

Artigo 8º - O registro do devedor no CADIN ESTADUAL ficará suspenso na hipótese de suspensão da exigibilidade da pendência objeto do registro, nos termos da lei.

§ 1º - A suspensão do registro não acarreta a exclusão do CADIN ESTADUAL.

§ 2º - Enquanto perdurar a suspensão, não se aplica o impedimento previsto no § 1º do artigo 6º desta lei.

Artigo 9º - A inclusão ou exclusão de pendências no CADIN ESTADUAL, sem a observância das formalidades ou das hipóteses previstas nesta lei, sujeitará o responsável às penalidades estabelecidas na legislação pertinente.

Parágrafo único - Será excluído do CADIN ESTADUAL o devedor que parcelar e cumprir as obrigações assumidas em acordo firmado com o Governo do Estado de São Paulo. 

Artigo 10 - A Secretaria da Fazenda será o órgão gestor do CADIN ESTADUAL, podendo expedir normas complementares para a fiel execução desta lei.

Parágrafo único - O Departamento de Controle e Avaliação - DCA, da Secretaria da Fazenda, fiscalizará os procedimentos de inclusão e exclusão dos registros no CADIN ESTADUAL.

Artigo 11 - Ficam cancelados os débitos cujo valor originário, sem qualquer atualização ou acréscimo, desde que vencidos até 30 de julho de 2007, não inscritos na Dívida Ativa, seja igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, relativos a:

I - imposto sobre transmissão “causa mortis”, anterior à Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000;
II - taxa sobre doação, anterior à Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000;
III - taxa de qualquer espécie e origem;
IV - multa administrativa de natureza não tributária de qualquer origem;
V - multas pessoais ou contratuais, de qualquer espécie ou origem;
VI - reposição de vencimentos de servidores de qualquer categoria funcional;
VII - ressarcimento ou restituição de qualquer espécie ou origem;
VIII - custas judiciais e despesas processuais;
IX - multas impostas em processos criminais.

Parágrafo único - As providências destinadas ao cancelamento dos débitos identificados no “caput” serão adotadas pelas secretarias e órgãos de origem dos débitos.

Artigo 12 - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Artigo 13 - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 60 (sessenta dias), contados da data de sua publicação.

Artigo 14 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, 11 de janeiro de 2008 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção Lei, de 12/01/2008

 


VETO PARCIAL AO PROJETO DELEI Nº 392/2007
 

São Paulo, 11 de janeiro de 2008A-nº 002/2007

Senhor Presidente                   

Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, que, nos termos do artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, resolvo vetar, parcialmente, o Projeto de lei nº 392, de 2007, aprovado por essa nobre Assembléia, conforme Autógrafo nº 27.398.

De minha iniciativa, a propositura cria o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de órgãos e entidades estaduais - CADIN ESTADUAL, e dá providências correlatas.

Não obstante os elevados desígnios dos legisladores dessa Casa, dirigidos ao aprimoramento da proposta original, vejo-me compelido a fazer recair o veto sobre o § 5° do artigo 3°, pelas razões a seguir enunciadas.

Cabe assinalar, inicialmente, que as modificações introduzidas no projeto pelos nobres membros desse Parlamento, na quase totalidade, foram acolhidas, significando isto o reconhecimento do valor e da pertinência contidos em cada qual delas, frutos da deliberação legislativa.

Exceção única a esse quadro revela-se o sobredito § 5° do artigo 3°, conforme argumentação técnica, oferecida pela Secretaria da Fazenda, que aponta a sua impropriedade. Com efeito, a concessão permanente do prazo de 365 dias para a inclusão das Prefeituras Municipais no CADIN contraria o princípio e a finalidade que nortearam a criação do cadastro, destinado a ser um eficaz instrumento de recuperação de créditos.

É certo que as Prefeituras, em face da novidade do CADIN ESTADUAL, devam merecer tratamento diferenciado que propicie a sua adequação às regras do cadastro; isto, porém, no seu primeiro estágio, de forma excepcional, e não permanentemente, como pretendido no dispositivo refutado.

Por conseqüência, anoto a disposição de encaminhar a essa Assembléia projeto de lei objetivando conceder o prazo de um ano para a inclusão das Prefeituras no cadastro, a contar, entretanto, da vigência da Lei, transitoriamente, atendendo-se, pois, ao propósito do cadastro e ao interesse das Prefeituras.

Assim, considerada a intempestividade do questionado parágrafo, faz-se necessária a sua elisão do texto aprovado, de sorte a impossibilitar minha anuência, neste ponto.

Expostos os motivos que fundamentam a impugnação parcial que oponho ao Projeto de lei nº 392, de 2007, e fazendo-os publicar, nos termos do artigo 28, § 3°, da Constituição do Estado, devolvo o assunto ao reexame dessa ilustre Assembléia, reiterando a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.

José Serra

GOVERNADOR DO ESTADO

A Sua Excelência o Senhor Deputado Vaz de Lima, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado.

Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 11 de janeiro de 2008.

Decretos

DECRETO Nº 52.620,

DE 11 DE JANEIRO DE 2008

Dispõe sobre a oficialização da 1ª

Conferência Estadual de Políticas Públicas de Juventude e dá providências correlatas JOSÉ SERRA, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,

Decreta:

Artigo 1º - Fica oficializada a 1ª Conferência Estadual de Políticas Públicas de Juventude nos termos do processo estabelecido pelo Decreto federal de 5 de setembro de 2007, que convoca a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude e do artigo 5º § 2º da Portaria nº 48, de 13 de setembro de 2007, da Secretaria Geral da Presidência da República.

Artigo 2º - A Comissão Organizadora Estadual instituída pela Secretaria de Relações Institucionais em 19 de outubro de 2007, com o apoio da Unidade de Programas para a Juventude da referida Pasta, fica incumbida da coordenação e organização da conferência de que trata o artigo 1º deste decreto.

Artigo 3º - Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, 11 de janeiro de 2008

JOSÉ SERRA

José Henrique Reis Lobo
Secretário de Relações Institucionais

Aloysio Nunes Ferreira Filho
Secretário-Chefe da Casa Civil

Publicado na Casa Civil, aos 11 de janeiro de 2008. 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção Lei, de 12/01/2008

 


Só mãe de uma vítima ainda cobra indenização 

Há exatamente um ano do maior acidente da história do Metrô de São Paulo, a cratera de 87 metros de diâmetro aberta no canteiro de obras da futura Estação Pinheiros da Linha 4 é a imagem de uma ferida que não fechou para dezenas de famílias que perderam casas e parentes. "Quero que os culpados sejam punidos", diz Elenilda dos Santos, de 43 anos, mãe do cobrador Wescley Adriano dos Santos, de 22, uma das sete vítimas da tragédia. 

Elenilda foi a única parente de vítima que preferiu processar o Estado a aceitar um acordo com o Consórcio Via Amarela. "Não há preço que pague a morte do meu filho." Segundo o consórcio, 98% dos afetados já foram indenizados, num total de 118 acordos, que beneficiaram 237 pessoas. Além de Wescley, morreram na tragédia o motorista da van Reinaldo Aparecido Leite, o motorista da obra Francisco Sabino Torres, a advogada Valéria Marmit, a aposentada Abigail Rossi de Azevedo, o agente ambiental Márcio Alambert e o office-boy Cícero Augustinho da Silva. 

Para lidar com a dor, Elenilda desabafa no site Orkut: "Filho, estarás sempre vivo no meu coração". Depois da perda, teve diagnosticadas hipertensão e depressão. Hoje mora em Natal (RN). No aniversário do filho, 7 de agosto, abriu um supermercado que batizou de WA. Deixou em São Paulo a nora Thays, de 21 anos, e o neto Kauã, de 10 meses.  

Quando houve o acidente, a mulher de Wescley estava grávida de 7 meses. Mesmo com uma barriga enorme, não arredou pé do local do acidente. "Quando engravidei não sabia se conseguiria ser mãe. No final, tive de fazer o papel de pai e mãe", conta Thays. 

Kauã ainda não fala, mas já identifica a foto do pai. "Ele pega o porta-retrato e fica dando beijo. Eu já expliquei que o Wescley mora no céu." Ao contrário de Elenilda, Thays fechou acordo com o Via Amarela. Comprou uma casa em Taboão da Serra. Kauã tem pensão de R$ 600 e direito a plano de saúde. 

VIZINHANÇA 

Os 212 vizinhos da obra também foram afetados. A Prefeitura interditou 94 imóveis - 7 já foram demolidos e 14 estão condenados. A maioria fica na Rua Capri, que deve ser reconstruída quando o canteiro for liberado pelo Ministério Público, após o fim da coleta de material para investigação. A previsão é de que o trabalho termine até 19 de março.  

Causas do desastre permanecem sob investigação 

Um ano depois, as causas do desabamento na Estação Pinheiros do Metrô ainda são desconhecidas. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) concluiu que houve uma instabilidade no terreno, que vinha sendo detectada desde dias antes do desabamento. Para o Ministério Público, pode ter havido negligência do Consórcio Via Amarela. O laudo sobre as causa do desabamento deve sair em abril, depois de o canteiro de obras da estação ser liberado, em 19 de março.  

Fonte: Estado de S. Paulo, de 12/01/2008

 


Seis PMs são indiciados por morte e tortura de garoto 

A Polícia Civil de Bauru (343 km de SP) indiciou sob acusação de homicídio doloso, tortura e abuso de autoridade seis policiais militares pela morte do adolescente Carlos Rodrigues Júnior, 15, no final do ano passado. 

O garoto morreu após levar choques. Foi pedida a prisão preventiva dos seis PMs -a Justiça tem oito dias para definir se acata ou não. Segundo inquérito, os suspeitos desferiram os choques com o plugue de um fio desencapado. Os 15 choques deixaram 30 marcas, devido aos pólos negativo e positivo. 

Para o delegado seccional de Bauru, Doniseti José Pinezzi, "testes no IML apontaram que, para produzir lesões, o plugue tem de ficar de 30 a 40 segundos na pele".

Para o delegado-assistente da seccional de Bauru, Marcelo Haddad, a tortura era para a confissão do garoto, acusado de roubo. 

Em depoimento, os PMs mudaram a versão de que nenhum deles havia presenciado a tortura. O cabo Gerson Gonzaga da Silva e os soldados Maurício Augusto Delasta e Juliano Arcangelo Bonini dizem que o tenente Roger Marcel Soares e o soldado Emerson Ferreira foram os responsáveis pelos choques -os dois acusam o cabo e os dois soldados. O soldado Ricardo Ottaviani ficou do lado de fora do quarto onde o garoto foi torturado. 

O advogado de defesa de Delasta, Ottaviani, Bonini e Gonzaga confirma a versão. O advogado de Soares e Ferreira não foi encontrado para falar sobre o assunto. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 12/01/2008 

 


Justiça é coisa séria 

Passados 20 anos da Constituição cidadã e após três anos da Emenda Constitucional 45, de 2004, que reformou o Judiciário, se existem avanços, muita coisa resta por ser feita. 

A tônica da reforma foi a aceleração dos julgamentos. O tempo da Justiça não se compadece com o ritmo da sociedade contemporânea. Ocorre que a preocupação com a presteza na decisão judicial ainda se encontra atada a uma velha concepção. Acredita-se que a única fórmula de proferir mais decisões é mediante a criação de novos cargos de juízes. 

Não há dúvida que sentenciar é a missão do juiz. Ele existe para isso. Mas o constituinte sinalizou alternativas que ainda não foram inteiramente implementadas. De algumas delas nem sequer se cogitou. É a cultura infensa à ousadia, fóbica à inovação, aferrada a velhos e superados parâmetros. 

Mera leitura dos preceitos constitucionais incluídos pelo reformador do Judiciário é suficiente para a constatação de que outras providências podem ser adotadas sem ônus e sem o agigantamento da máquina. Prevê-se, por exemplo, que os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente, sem caráter decisório. O que se fez para dotar o funcionalismo de maior iniciativa e, conseqüentemente, de maior responsabilidade? 

Desde 1988 consta da Carta da República a possibilidade de criação de Juizados Especiais providos por juízes togados ou togados e leigos. As causas confiadas a tais unidades judiciais reclamam procedimento oral e sumaríssimo, permitidos a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. 

Onde foi que se aproveitou o juiz leigo para auxiliar a desafogar a Justiça? As turmas de primeiro grau, encarregadas do julgamento em segundo, são as do local onde se julgou. Na mão contrária da direção, a criação de grandes colegiados, centralizados na capital. Espécie de ressurreição dos extintos Tribunais de Alçada. 

Também o juiz de paz, desde 1988, poderia exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação. Por que não se aproveita esse profissional para auxiliar na distribuição do justo concreto? 

Outro importante dispositivo posto à disposição das Justiças estaduais pelo constituinte derivado é o de funcionamento descentralizado do Tribunal de Justiça. As Câmaras Regionais são previstas na Constituição, desde dezembro de 2004, como forma de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo. 

Não é concebível que se invoque inviabilidade de implementação desse preceito, a pretexto da dificuldade na instalação de tais Câmaras Regionais. Pense-se em São Paulo, por exemplo. Um Tribunal de Justiça, com 360 desembargadores, não teria dificuldade alguma em fazer funcionar Câmaras Regionais nos diversos pólos de desenvolvimento situados no interior ou no litoral. Salutar o julgamento de recursos nas regiões de São José do Rio Preto, São José dos Campos, Santos e Ribeirão Preto, dentre outras. A descentralização é racional, inibe a remessa física dos autos para apreciação na capital e reduz tempo, dispêndio e a grande concentração até mesmo de trânsito no centro da conturbada metrópole. 

O constituinte ainda previu a criação de Varas especializadas para dirimir conflitos fundiários, competentes para questões agrárias e com a presença do juiz no local do litígio. Todos os Estados brasileiros têm conflitos fundiários. Não é conveniente que se cumpra o preceito, para atenuar a tensão no campo? 

Todas essas iniciativas não dependem senão da vontade política dos detentores dos cargos de direção dos tribunais. Em lugar de procurar conferir uma fisionomia renovada à missão de outorgar a jurisdição, parece preponderar a velha tendência da criação de unidades convencionais. As gestões bienais não permitem o desenvolvimento de um projeto ou o estabelecimento de metas. O resultado é que se investe na multiplicação de novas Varas e comarcas, com instalação apressada de unidades que depois necessitarão de estruturas materiais e funcionais. 

A criação indiscriminada de novas unidades pode atender a vários objetivos. Presume-se a boa intenção de quem alimenta a utopia de contar com um juiz em cada esquina. Mas se esquece que o custeio é muito mais dispendioso do que a mera criação e instalação, com aposição de placas, e a realização de festividades tão ao gosto do provincianismo colonial. Cada unidade nova representa um ônus e a depauperação da máquina, que está subordinada aos limites da responsabilidade fiscal. 

Seria utópico aguardar uma correção de rumos. Coragem para extinguir os foros distritais de capacidade ociosa, com recondução do magistrado e funcionários à sede da comarca e atendimento periódico itinerante, quando for o caso. Fortalecimento das técnicas de gestão para tornar a prestação jurisdicional mais rápida e racional. Motivação do funcionalismo para a multiplicação de sua capacidade de trabalho, não para a profusão de cargos já contaminados pelo desestímulo. 

Os tribunais são órgãos políticos e, como tais, devem exercer sua missão na democracia brasileira. Dialogar com o Executivo, grande cliente da Justiça, para reduzir o número de lides temerárias e de teimosia na reiteração das teses vencidas. Adotar tecnologia esperta e seguir o exemplo das empresas que, para sobreviverem à competição na lex mercatoria, tiveram de se reciclar e ressurgiram renovadas e eficientes. 

Justiça é coisa séria demais para permanecer sempre a mesma, se a sociedade é dinâmica e a cada dia mostra uma exigência diversa. 

José Renato Nalini: é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de Ética Geral e Profissional e Revolução das Togas  

Fonte: Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 12/01/2008