APESP

 
 

   





11/02 

Decisão definitiva garante quitação de ICMS com precatório alimentar  

Um escritório gaúcho conseguiu pela primeira vez o trânsito em julgado de um pedido de compensação de ICMS com precatório alimentar. O processo julgado pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) terminou no fim do ano passado, garantindo a uma pequena indústria de plásticos, a Vulcano Plásticos, pagar seu ICMS com um precatório do Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul (Ipergs). Mas o pedido só transitou em julgado, ou seja, não tem mais recursos possíveis, porque a procuradoria do Estado não conseguiu recorrer em tempo - o tema ainda não foi definido nem no Supremo Tribunal Federal (STF) e nem no Superior Tribunal de Justiça (STJ).   

Na decisão, que deu a vitória à empresa, os desembargadores negaram um recurso do Estado que tentava evitar a compensação do precatório. A procuradoria alegou que não existe previsão legal para esta compensação, e que sua admissão viola a ordem cronológica dos precatórios, prevista constitucionalmente. Mas os desembargadores adotaram a posição defendida pelo contribuintes. Segundo Cláudio Curi, dono do escritório Curi Créditos Tributários, que faz corretagem e compensação de precatórios, a posição favorável à compensação já é majoritária no TJRS.   

Um dos argumentos adotados pela primeira câmara do tribunal em favor do contribuinte foi a aplicação do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O artigo autoriza a compensação tributária em caso de não-pagamento de precatório, mas, segundo o fisco gaúcho, aplica-se unicamente aos precatórios não-alimentares. Os desembargadores não viram problema em estendê-lo aos alimentares. Neste ponto, a decisão é semelhante à manifestação do ministro do Supremo Eros Grau, em uma decisão monocrática de agosto de 2007, aceitando a compensação de um precatório do Ipergs. O texto de Eros, no entanto, não foi explícito neste ponto. Atualmente a decisão está pendente do julgamento de um agravo de instrumento na segunda turma do Supremo. 

Fonte: Valor Econômico, de 11/02/2008

 


Cresce batalha judicial que ameaça gasoduto  

A briga jurídica que impede a conclusão do gasoduto Campinas-Rio, um dos projetos da Petrobras incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e orçado em quase R$ 900 milhões, ganhou mais um capítulo. O advogado José Maurício de Barcellos, que há três anos questiona nos tribunais supostas irregularidades no projeto, desenterrou e furou parte do duto que passa por uma estrada de acesso à sua propriedade, na zona rural de Resende (RJ). 

Barcellos estava protegido por um alvará judicial do juiz Flávio Pimentel de Lemos Filho, da 1ª Vara Cível do Fórum de Resende, que o autorizava a desfazer a obra. Quando soube do dano, a Petrobras conseguiu decisão da juíza Isabel Teresa Pinto Coelho, da 2ª Vara Cível de Resende, que obrigou Barcellos a parar a retroescavadeira usada para desenterrar o duto, mas o trabalho já havia sido feito.   

Nos dias seguintes, a Petrobras entrou com um pedido de suspeição do juiz, instrumento utilizado quando se põe em dúvida a imparcialidade do magistrado. A estatal afirma que agora "com um juiz imparcial fará uso dos recursos e requerimentos permitidos e pertinentes ao caso, de forma a refazer a obra e buscar reparação pelos danos causados". Com a suspeição de Lemos Filho, o processo foi remetido à magistrada da 2ª Vara Cível de Resende e aí foi a vez de Barcellos pedir a suspeição da juíza.   

Os novos lances trazem incerteza quanto ao início da operação do gasoduto Campinas-Rio, que a estatal esperava concluir no fim de 2007, com dois anos de atraso em relação ao cronograma original. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, disse ao Valor que a empresa já comprou a fazenda que pertencia a Telma e Arnaldo dos Santos, vizinhos de Barcellos na localidade de Pirangaí, em Resende.   

Esta era a última propriedade que faltava desapropriar para constituir uma faixa de servidão e concluir a obra. A compra, segundo fontes de Resende, teria enfurecido o advogado. Gabrielli diz que a Petrobras vai transformar a área em uma "zona de proteção ambiental". Ele não revelou quanto foi pago pela propriedade. Mas o Valor apurou que a área, com 64 alqueires, custa cerca de R$ 1 milhão. A compra das terras foi fechada antes das novas medidas judiciais que trazem mais incerteza quanto ao fim do litígio.   

O novo "round" da disputa acontece em meio às discussões sobre a necessidade de aumentar o suprimento de gás para o Estado do Rio e agora parece difícil prever o início da operação do gasoduto, que permitirá levar gás da Bolívia diretamente para o Rio e para o Espírito Santo. Na Petrobras poucos se arriscam a falar em uma nova data. Um diretor comentou, em tom jocoso, que o gasoduto "parece ter sido construído em cima de uma caveira de burro".  

É possível que a disputa judicial entre o advogado e a Petrobras tenha novos desdobramentos, com mais atrasos no já desacreditado cronograma da obra. Barcellos não parece disposto a desistir da briga e a estatal, que contratou o escritório Siqueira Castro para auxiliá-la, tem enfrentado dificuldades para responder às manobras judiciais do advogado, aposentado do serviço geológico brasileiro, do Ministério de Minas e Energia.   

Desde 2005, o juiz da 1ª Vara Cível de Resende vinha concedendo decisões favoráveis a Barcellos, inclusive a de 8 de janeiro de 2008 que permitiu ao advogado, na manhã do dia seguinte, escavar até alcançar os tubos que passam pela estradinha de acesso à sua fazenda, que tem 20 alqueires. Barcellos disse que gastou R$ 5 mil para alugar a retroescavadeira usada para desfazer a obra - valor que disse ter incluído nos autos do processo para cobrar da Petrobras.   

Não foi a primeira vez que Barcellos adotou uma medida radical para tentar bloquear a obra. A Petrobras chegou a fazer um desvio com mais de um quilômetro para evitar a sua propriedade, o que teria custado R$ 16 milhões. Mas o advogado entendeu que a variante ainda cortava uma estrada de acesso à sede da fazenda e colocou um automóvel, um Fusca, no local, para barrar a passagem do gasoduto.   

A colocação do Fusca como bloqueio foi frustrada porque a Petrobras fez um furo longitudinal - utilizando equipamentos para perfuração de poços de petróleo - passando debaixo do local. O carro, junto com faixas de protesto contra a Petrobras, continua na área. Barcellos não se diz contra a obra: "A Petrobras tem de cumprir a lei que manda passar o gasoduto longe da minha terra."   

A tese do advogado, aceita pelo juiz de Resende afastado, foi a de que a Petrobras pretendia utilizar a faixa de servidão de um antigo gasoduto, o São Paulo-Rio de Janeiro (Gaspal), para colocar também o Campinas-Rio. Barcellos verificou as coordenadas fixadas no decreto expropriatório de 17 de fevereiro de 2004, específico para constituir servidão de passagem para o Campinas-Rio, e constatou que o traçado era diferente da faixa do Gaspal. O decreto de 2004 foi então modificado por outro, de 26 de junho de 2007, que estabeleceu nova faixa de servidão.   

O problema é que, mesmo após a variante, Barcellos continuou a insistir que o duto passa nas suas terras, o que a Petrobras nega. A polêmica poderia ser desfeita com a realização de uma perícia técnica que chegou a ser pedida pelo juiz, mas nunca foi realizada em função de recursos apresentados pelas partes. A última perícia foi marcada para 28 de janeiro, mas a suspeição do juiz adiou-a novamente.   

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a pedra fundamental do gasoduto há quatro anos, a Petrobras informava que ele era "o primeiro passo na consolidação de uma rede básica de transporte de gás destinada a interligar as regiões Sudeste, Nordeste, Centro e Sul do País". Interligaria ainda o Gasoduto Bolívia Brasil à malha interna do país.   

O Campinas-Rio foi inicialmente projetado para ter 448 quilômetros de extensão, mas no final ficará com cerca de 500 quilômetros. O duto tem capacidade para transportar 8,6 milhões de metros cúbicos de gás por dia, ligando a refinaria do Planalto (Replan), em Paulínia (SP), ao terminal de Japeri (RJ).   

Fonte: Valor Econômico, de 11/02/2008

 


AGU, 15 anos  

EM 15 anos de defesa judicial dos interesses do Brasil e de prestação de consultoria ao Poder Executivo, a AGU (Advocacia-Geral da União) pavimentou o caminho rumo à consolidação de seu papel de órgão essencial à Justiça e de instituição de Estado, previsto na Constituição Federal e na lei complementar nº 73, de 11 de fevereiro de 1993.  

Depois de uma década e meia, a AGU se firma perante a sociedade e os três Poderes como instituição de excelência, capaz de oferecer segurança jurídica aos atos de governo e garantir a execução de políticas públicas de educação, saúde e desenvolvimento, por exemplo.  

O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) não enfrentou maiores obstáculos judiciais em 2007 por causa da previdente criação de uma força tarefa na AGU. Foi esse grupo que manteve, na Justiça, a execução das obras da hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, o leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, e o leilão para a concessão de uso de sete trechos de rodovias federais.  

Graças ao empenho de 8.000 advogados públicos e servidores administrativos, a AGU evitou em 2007 que ações no Supremo Tribunal Federal retirassem R$ 30 bilhões dos cofres públicos. Outros R$ 13 bilhões em impostos inscritos na dívida ativa também foram recuperados. Esse contencioso, no entanto, tende a reduzir com a atuação preventiva de advogados da União, procuradores federais e da Fazenda Nacional na administração direta do governo, em autarquias e fundações.  

No ano passado, a Advocacia-Geral da União ampliou a estrutura das câmaras de conciliação e arbitragem, auxiliando o governo a solucionar 25 conflitos internos que envolviam valores próximos de R$ 1 bilhão.  

Mas ainda é recente o uso desse mecanismo no Executivo. No Superior Tribunal de Justiça, há 400 litígios entre órgãos do governo federal. É preciso criar a cultura do diálogo interno para que o Poder Judiciário seja árbitro somente na exceção. Com esse intuito, a AGU criou um colégio de consultores para uniformizar as interpretações e os procedimentos dos órgãos jurídicos do Poder Executivo federal.  

Nos últimos cinco anos, não se criaram planos econômicos nem medidas jurídicas arriscadas. Essa atitude responsável promoveu a pacificação do governo na área jurídica. A era dos grandes "esqueletos" -ações judiciais de dezenas de bilhões de reais que ameaçam a estabilidade das contas públicas- chegou ao fim. Os que ainda restam do passado são administrados pela atuação dos advogados da União.  

Pendências históricas foram solucionadas no âmbito da AGU. Depois de 15 anos de espera, os servidores demitidos no Plano Collor por motivações políticas dispõem agora de parecer jurídico que permitirá aplicar com segurança a Lei de Anistia. Está em fase de conclusão um parecer definitivo sobre a regulamentação e a demarcação de terras remanescentes de quilombos. Prevista há 20 anos pela Constituição, a regulamentação da greve no serviço público já teve seu anteprojeto encaminhado para a Casa Civil.  

A recuperação de verbas desviadas em razão de atos de improbidade, corrupção e fraude ganhou um setor específico na AGU. O Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa atua de maneira proativa na proposição de ações judiciais. Numa parceria com a Controladoria-Geral da União, advogados públicos acompanham a fiscalização de municípios e Estados que utilizam recursos federais.  

A AGU também estreitou as relações com o Tribunal de Contas da União para melhor atuar na execução das multas e das penalidades aplicadas pelo TCU a malversadores de verbas públicas. Ao defender os interesses do Brasil, a AGU atua em defesa do cidadão brasileiro, que contribui com seus impostos para pagar os salários dos servidores e, também por isso, é o grande cliente da instituição.  

O futuro da AGU e a sua adequação às transformações que ocorrem na sociedade brasileira dependem da participação da sociedade civil no controle da prestação e da qualidade dos serviços públicos. Ainda há muito que fazer: conquistar autonomia financeira, melhorar os rendimentos dos servidores do órgão, aprovar a nova lei orgânica, construir uma sede própria e, principalmente, abrir a instituição às demandas da população, para aproximar cada vez mais os cidadãos da advocacia pública, com a criação de uma lei de responsabilidade do Estado, e consolidar a AGU como órgão sistêmico de Estado, atuante e independente junto aos três Poderes.  

JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI, 40, é o advogado-geral da União. 

Fonte: Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 11/02/2008 

 


10/02 

Primeira instância virou indústria de recursos, afirma ex-procurador  

O excesso de recursos judiciais contribui para a demora em resoluções de litígios e, principalmente, corrobora para a constante falta de credibilidade que permeia as decisões de primeira instância.  

Essa é uma das considerações do advogado Oscar Vilhena Vieira, 41 anos, que possui mestrado em ciência política, pós-doutorado em Direitos Humanos pelo Centre for Brazilian Studies (Oxford University) e que atualmente é professor da escola de direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e diretor-executivo da Conectas Direitos Humanos. Ex-procurador do Estado de São Paulo, Vilhena afirma, em entrevista ao Última Instância, que os juízes dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais estão desmotivados.

Última Instância — O sr já mencionou que as decisões envolvendo o direito tributário e administrativo proferidas pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) são irrelevantes. Isso não representa uma desmotivação para ingressar com uma ação na Justiça? 

Oscar Vilhena Vieira — Todo advogado já tem as contra-razões, os recursos cabíveis para apresentar, independente da postura do juiz, se favorável ou não. Não só no TJ-SP, como nos Tribunais Regionais Federais, isso se transformou numa indústria de recursos. Aquele que deve, seja União, Estado ou mesmo as empresas, quando derrotado, não tem tanto problema. Isso porque existe o recurso especial extraordinário. Vai ‘subir’ e aquela decisão dos tribunais se torna simplesmente uma etapa de uma luta que vai chegar ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Muitas vezes são matérias que já foram decididas inúmeras vezes e, com isso, se ganha tempo para pagar. Por exemplo: quando é uma empresa devedora que está discutindo um tópico específico do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ela sabe que vai pagar, mas vai demorar uns nove anos até o STF decidir. E quando o Estado é uma das partes que eventualmente tem um tributo inconstitucional, ainda assim continua cobrando porque essa discussão irá ao Supremo e vai demorar muito.  

Última Instância — Podemos dizer que é um círculo vicioso? 

Oscar Vilhena Vieira — Fui procurador durante 11 anos e sempre vi isso acontecer. Tinham temas de ICMS em que éramos derrotados no TJ e eu já tinha petição pronta de recurso especial extraordinário. E eu mandava. Tinham câmaras que quando as ações caiam lá eu sabia que seria vitorioso. Então o advogado Leo Krakowiak, que atuava na mesma época, tinha sempre a mesma petição. E eu já respondia minhas contra-razões preparadas para responder às argumentações do Krakowiak. E o mundo girava. O juiz imprime a mesma sentença, o TJ tem a mesma decisão, os advogados apresentam as mesmas razões. Isso é um negócio assustador... A irracionalidade do sistema. 

Última Instância — Mas a rotina processual não tira a credibilidade do sistema? 

Oscar Vilhena Vieira — O fato de o juiz de primeira instância decidir e ainda assim a questão subir para o STF ou STJ dá ao magistrado uma certa irrelevância nestes temas, mostra que é irrelevante. E, ao não ser importante, isso desmotiva demais o juiz porque ele sabe que está dando uma decisão que não vai perdurar. Acho que esse é um problema central que amesquinha os tribunais regionais. Por isso que é muito importante a argüição de repercussão geral, porque, na medida em que o Supremo deixar subir automaticamente todos os recursos extraordinários — e quando não sobe a gente agrava (com a peça agravo de instrumento) —, o que vai prevalecer são as decisões dos TJs e dos TRFs. Isso fará com que esses órgãos se transformem em mais poderosos, que tenham mais relevância jurídica, que as decisões deles tenham mais esperança de sobreviver. A tendência é que isso valorize os tribunais e reduza o trabalho do Supremo, que pode, com a súmula vinculante, ordenar a ação dos tribunais. 

Última Instância — A súmula vinculante é uma ferramenta importante? 

Oscar Vilhena Vieira — Sim, mas ela tem que ser usada com sabedoria. Se o Supremo começar a tomar decisões com súmulas vinculantes em matérias perigosas, ele pode asfixiar o Judiciário. Agora, se continuar parcimoniosamente, pegar matérias cansadas de ter decisões numa só direção, isso limpa a pauta. É capaz de resolver 800 mil processos utilizando uma súmula. É a junção de dois instrumentos que vai fazer com que a pauta do Supremo fique mais aliviada e dar aos tribunais intermediários (TJs e TRFs) certa importância, porque as decisões deles serão as últimas. Quando o STF estiver desconfortável com as decisões em primeira instância, ele vai permitir a subida do recurso extraordinário. É como se o Supremo tivesse colocado a mão na torneira. Hoje a torneira está toda aberta e eles ficam enxugando água. Agora podem fechar. Mas, ao verem que, por exemplo, o TJ do Rio Grande do Sul está dando uma série de decisões que estão recorrendo bastante e se o teor não for do agrado do STF abre-se a torneira, recebe-se o recurso ordinário e muda-se a decisão de primeira instância. De certa forma, coloca ele alinhado com o Supremo.  

Última Instância — Existe alguma forma de mudar essa organização judiciária? 

Oscar Vilhena Vieira — A bola de neve que acontece respeita interesses, em especial, da administração pública, federal e estadual. Isso é permitido porque não é interessante que a resolução do processo seja próxima, pois quanto mais tempo demora mais tarde paga-se. Apesar disso, não acho que seja necessária mudança da estrutura institucional. O que precisa é calibrar esses instrumentos para que haja uma maior autoridade do STF sobre os outros tribunais e uma maior autoridade dos tribunais quando também dão suas decisões definitivas. 

Última Instância — Existe algum país que mantém uma organização judiciária correta? 

Oscar Vilhena Vieira — Cada país encontra os seus caminhos ou não. O Brasil, se comparado à grande maioria dos paises da América Latina, tem um Judiciário melhor equipado. Isso porque as pessoas chegam lá por concurso. Na grande maioria dos países são indicações, nomeações do presidente da República, do ministro da Justiça. Aqui é mais independente e isso é um ponto positivo. O ponto negativo foi o excesso de burocratização, falta uma capacidade gerencial do sistema. Entregamos aos juízes, e eles não têm competência técnico-administrativa. O grande problema é a cartorização, ou seja, um processo extremamente formalizado, burocratizado com papéis e grande número de recursos e isso foi esclerosando o Judiciário.  

Fonte: site Última Instância, de 10/02/2008

 


Transparência no cartão
 

O ATUAL episódio dos cartões corporativos coloca em destaque questão da mais alta relevância que não despertou, ainda, a devida atenção da sociedade brasileira. Trata-se do acesso à informação, direito fundamental estabelecido no Brasil apenas com a edição da Constituição de 1988: "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...), ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (artigo 5º, XXXIII).

Mesmo em outros países, o direito de acesso à informação é tema recente. O Brasil ressente-se da ausência de uma efetiva normatização desse direito. O problema maior, todavia, é a falta de cultura da sociedade quanto ao direito de acesso às informações públicas e ao dever dos agentes públicos de fornecê-las.

O direito de acesso à informação, aliado ao princípio da publicidade no ambiente da administração pública (artigo 37, "caput", da Constituição), impõe ao agente público a observância da cláusula da máxima informação, preceito próprio das democracias. Isso rompe com a cultura do segredo governamental, que era a nossa praxe durante o regime ditatorial de triste memória.

Nesse novo paradigma jurídico, os dados, registros e informações, especialmente os relativos à execução do Orçamento, não pertencem ao Estado, mas aos cidadãos, que são os titulares do poder. Dessa forma, assegura-se a transparência necessária da gestão pública, para fins de materialização da democracia participativa, no que se refere à fiscalização por parte da sociedade. Inibe-se a corrupção, ao ampliar sobremaneira a possibilidade de fiscalização.

Além do dever de atender aos pedidos de informação, o agente público tem o dever de franquear o acesso ao banco de dados eletrônicos dos órgãos públicos, dotado de ferramenta de pesquisa de conteúdos que possibilite o pleno, rápido, eficiente e simplificado acesso aos documentos e às informações, principalmente no que diz respeito aos gastos públicos.

O site Portal Transparência da CGU (Controladoria Geral da União), de acesso público, que possibilitou o conhecimento da farra do cartão corporativo, revela a importância desse dever do agente público e a necessidade de sua ampliação e disseminação entre todos os órgãos públicos.

O preocupante é que, devido à repercussão do episódio, o governo determinou a retirada do mencionado site dos dados referentes às despesas com alimentação em nome da Presidência da República, sob o argumento de que isso se daria para preservar a segurança do Estado.

É fato que o direito de acesso à informação, de acordo com a norma constitucional, sofre restrição se e quando o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

É evidente, porém, que o administrador não pode, ao seu bel-prazer, fazer essa classificação para, assim, sonegar informação à sociedade quanto a determinados atos, especialmente quando se trata de despesa feita por meio de cartão corporativo, instrumento hábil para facilitar a realização de pequenas despesas que não exigem licitação, mas que, como os fatos recentes ensinam, incentiva a sua utilização para gastos inadmissíveis com o dinheiro público.

Compras em "free shops", supermercados, vinícolas etc., obviamente, não são informações que comprometem a segurança da sociedade ou do Estado. Espera-se que o Parlamento investigue os fatos e, mais ainda, que legisle sobre a matéria.

O projeto de lei 219/03, que regulamenta o direito de acesso à informação, está pronto para votação no plenário da Câmara dos Deputados.

Conquanto mereça alguns reparos, que ainda podem ser feitos, o referido projeto de lei representa sensível avanço em relação ao tema e tem o mérito de colocar parâmetros para as restrições ao exercício desse direito fundamental. Que o episódio contribua para difundir a cultura do acesso à informação, ampliando-a, e não para restringi-la, como infelizmente quer o governo.  

FERNANDO MATTOS, 34, mestre em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) na 2ª Região e juiz federal em Vitória (ES). 

Fonte: Folha de S. Paulo, seção "Tendências e Debates", de 10/02/2008

 


O balanço da Justiça  

O último balanço das atividades de todas as instâncias e braços do Judiciário revela que os crônicos problemas de morosidade e congestionamento dos tribunais ainda estão longe de ser resolvidos, apesar das importantes alterações aprovadas pelo Legislativo para modernizar a legislação processual civil, reduzindo o número de recursos e agilizando com isso a tramitação das ações.  

Divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o balanço mostra que, dos mais de 48 milhões de processos que se acumularam em 2006 na primeira instância da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho e das Justiças estaduais, apenas 11,3 milhões foram julgados de forma definitiva naquele ano. O restante continuou aguardando sentença ou subiu para as instâncias superiores em grau de recurso. O maior número de recursos foi registrado nos Tribunais Regionais do Trabalho e o menor, nos Tribunais de Justiça.  

Com 29.591.773 casos pendentes de julgamento e 10.438.729 novos processos protocolados em 2006, as Justiças estaduais continuaram sendo as mais congestionadas do Poder Judiciário, tendo julgado de forma definitiva 8.036.319 casos. Com 2.786.315 reclamações aguardando julgamento, 2.953.084 novos casos protocolados e 2.768.965 processos decididos em caráter definitivo, a Justiça do Trabalho foi a que registrou menor congestionamento. O balanço também mostrou que os juízes trabalhistas estão julgando os processos com maior rapidez, mas a execução das sentenças continua muito lenta.  

Este é o quarto balanço feito pelo CNJ desde 2004. Os dados estatísticos são decisivos para o planejamento estratégico do Poder Judiciário. Eles permitem detectar problemas e elaborar diagnósticos, ajudando a melhorar a gestão administrativa e financeira dos tribunais. E também servem para informar sobre a necessidade de novos concursos para a magistratura e as regiões que, em decorrência do aumento da litigiosidade, precisam de mais varas.  

O balanço do CNJ mostra que a União continua sendo o grande cliente da Justiça Federal. Em 2006, o poder público ingressou com 4.014.771 processos contra cidadãos e empresas e foi acionado em outros 2.240.726 processos. O levantamento também mostra o sucesso alcançado pelos Juizados Especiais. Mantidos pela Justiça Federal e pelas Justiças estaduais, atuando com base no rito sumário, julgando causas de baixo valor e com a execução imediata da sentença, eles receberam um total de 5 milhões de processos, em 2006, e julgaram 5,01 milhões de casos, entre novas ações e ações pendentes. Esta foi a primeira vez que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais concluíram mais processos do que os que foram recebidos.  

O balanço do CNJ detectou ainda um fato novo, que surpreendeu os meios forenses: a tendência de queda no número de novas ações, principalmente na primeira instância da Justiça Federal. Em outras palavras, a partir de 2006 cidadãos, empresas e o poder público estariam litigando menos.  

A queda da litigiosidade se deve, em parte, ao fim das pendências em torno de antigos pacotes econômicos, quando cidadãos e empresas recorreram contra a União, reivindicando correção de ativos financeiros, pleiteando ressarcimento de prejuízos decorrentes de manipulação de índices de inflação ou questionando a legalidade de determinados tributos; e, em parte, ao que se pode chamar de maturidade da Constituição de 88. Ao criar novos direitos, a Carta provocou dúvidas quanto ao seu alcance, o que resultou numa enxurrada de processos judiciais. Com a jurisprudência firmada nas questões mais polêmicas pelos tribunais superiores, a queda do número de ações relativas aos direitos criados há duas décadas era uma questão de tempo. 

Segundo o balanço do CNJ, os casos que agora começam a inundar a Justiça dizem respeito aos chamados “litígios de massa”, envolvendo grandes empresas, bancos e concessionárias de telefone e energia. O desafio do Judiciário é se preparar para enfrentar esses casos que, por serem disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor, devem abarrotar as Justiças estaduais.  

Fonte: Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 10/02/2008 

 


Estados e municípios têm reforço de caixa de 15% 

A receita dos maiores Estados e municípios do País cresceu cerca de 15,6% no ano passado, três vezes mais que a inflação, de acordo com os relatórios de execução orçamentária apresentado pelos governos estaduais e pelas prefeituras até o dia 31 de janeiro. 

O destaque nos Estados foi o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), enquanto nos municípios foi o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), por coincidência ou não, dois setores da economia que cresceram muito no ano passado. 

O levantamento feito pelo Estado tomou por base os relatórios fiscais enviados ao Tesouro Nacional por nove Estados e nove capitais e inclui tanto tributos próprios quanto transferências da União. Entre as receitas próprias, a que mais cresceu foi a do ITBI, que subiu 28,2% em média no ano passado, ultrapassando os R$ 3 bilhões em todo o País. 

Na capital paulista, por exemplo, o ITBI cresceu de R$ 425 milhões em 2006 para R$ 545 milhões em 2007, exatamente os mesmos 28,2% verificados na média das demais cidades analisadas. Em Salvador, entretanto, o crescimento da receita desse imposto chegou a 48,6% e em Campo Grande, a 75%. 

"A economia começou a andar e os municípios estão cada vez se capacitando mais para arrecadar", observa o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. 

O Imposto Sobre Serviços (ISS), por exemplo, é hoje a "menina-dos-olhos" dos prefeitos. Há vários anos vem crescendo bem acima da inflação e em 2007 não foi diferente, tendo aumentado 15,8% nas nove capitais pesquisadas. Nesse grupo, os maiores crescimentos de 2007 foram verificados em Campo Grande (27,6%) e Belo Horizonte (21,6%). 

O fenômeno, diz Ziulkoski, se explica pela ampliação da lista de serviços tributados pelo ISS em 2004, que incorporou o setor bancário, de informática e os pedágios nas rodovias. Aos poucos, as prefeituras estão se adequando à nova legislação e começam a cobrar imposto de quem nunca cobraram antes. 

DÚVIDAS 

Nos Estados, a expansão do IPVA chegou a 17,5% em 2007, com destaque para o desempenho do Espírito Santo (31%) e de São Paulo (20,5%). O ICMS, entretanto, que é o carro-chefe da arrecadação dos Estados e tem incidência direta sobre o consumo de todos os produtos da economia, aumentou apenas 10,3% nas regiões analisadas. 

Os piores desempenhos do ICMS foram registrados no Rio Grande do Sul (2,5%), onde as alíquotas sobre combustíveis e telefones foi reduzida no início de 2007, e no Rio (6,8%). 

De acordo com o economista José Roberto Afonso, a menor expansão do ICMS em comparação com a de impostos federais, como o IPI (20%), coloca dúvidas sobre o argumento do governo de que a carga tributária está sendo impulsionada pelo crescimento econômico. "Menos a economia como um todo e mais fatores específicos explicam o aumento da carga em 2007", diz Afonso.  

Fonte: Estado de S. Paulo, de 10/02/2008